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A partir de que características a televisão opera? Com a tecnologia digital e a transmissão do sinal digital da televisão terrestre a linguagem televisiva e, em particular, a do telejornalismo se entrelaça com que outras linguagens e expressões de outras mídias? Com que efeitos midiáticos a convergência se faz presente na TV e no telejornalismo? De que convergência estamos falando?

Mostramos, nesse ponto da pesquisa,que privilegiamos o termo convergência midiática (JENKINS, 2009), pois acreditamos que é a partir dela que podemos traçar relações mais assentadas com a problematização do trabalho. Por esse motivo, consideramos todas as relações que se faz da Internet (suporte, dispositivo, enciclopédia, mídia etc), mas elegemos seu caráter midiático, enquanto mídia que possibilita uma mediação a exemplo da TV e do rádio.

Os conteúdos advindos de novas práticas (possibilitados principalmente pelo digital) e de velhas mídias (existentes no padrão analógico) se tornam híbridos, reconfigurando a relação entre as tecnologias, a indústria, os mercados, os gêneros, os formatos e também entre os públicos. O que se observa é que está ocorrendo um cruzamento entre as poderosas mídias de massas (ou entre elas) e as mídias chamadas alternativas, em múltiplos suportes, o que caracterizaria a era da convergência midiática (GPC, 2010, informação eletrônica).

Para qualquer discussão sobre convergência,entendemos que a convergência tecnológica apresenta-se como uma condição necessária para todas as outras relações que possamos fazer.

A maneira como os meios de comunicação operam, suas características e suas capacidades de produção e construção de sentidos estão relacionadas às especificidades

técnicas e tecnológicas de cada meio. Com a televisão inserida nessa lógica, acreditamos que não há como promover a compreensão e a reflexão de uma cultura tecnológica ou uma mudança tecnológica, social e cultural se não se conhece a maneira como os meios funcionam.Para McLuhan (1971, p. 22), foram os grandes meios e não as ideologias, que provocaram as grandes mudanças sociais ao longo da história.

Os homens descobrem territórios e fenômenos da natureza, inventam, inovam nas técnicas, criam as tecnologias e estas provocam mudanças, às vezes de forma radical, na cultura humana, no ambiente em que estes vivem e acabam modificando os próprios homens. Entretanto, a tecnologia, ou a inovação tecnológica, entendida dentro desse contexto de convergência, não é, per se, o elemento determinante. É preciso que a inovação se introjete no seio da sociedade e se transforme em cultura. Para Jenkins (2009), a convergência midiática é antes de tudo um fenômeno cultural que envolve novas relações entre os produtores e os usuários da mídia. A palavra convergência:

Define mudanças tecnológicas, industriais, culturais e sociais no modo como as mídias circulam em nossa cultura. Algumas das ideias comuns expressas por este termo incluem o fluxo de conteúdos através de várias plataformas de mídia, a cooperação entre as múltiplas indústrias midiáticas, a busca de novas estruturas de financiamento das mídias que recaiam sobre os interstícios entre antigas e novas mídias, e o comportamento migratório da audiência, que vai a quase qualquer lugar em busca das experiências de entretenimento que deseja. Talvez, num conceito mais amplo, a convergência se refira a uma situação em que múltiplos sistemas de mídia coexistem e em que o conteúdo passa por eles fluidamente. Convergência é entendida aqui como um processo contínuo ou uma série contínua de interstícios entre diferentes sistemas de mídia, não uma relação fixa (JENKINS, 2009, p. 377). A discussão que travamos é feita a partir da compreensão, de que a tecnologia não é o único motor das mudanças culturais, mas é sua grande provocadora, uma mola propulsora. Em particular, para a relação que se faz nessa pesquisa, sobre o uso da tecnologia digital na construção de efeitos de realidade no telejornalismo contemporâneo.

A televisão opera com suas características próprias, mas começa a funcionar e fazer funcionar a partir de uma plataforma tecnológica convergente, a digital, e de uma cultura da convergência (JENKINS, 2009). A convergência tecnológica deve ser considerada como interveniente na produção das notícias, mas também se faz presente em seus efeitos, em seus produtos. É causa e é resultado.

A partir de uma cultura da convergência, vemos que a TV digital muda a face da televisão enquanto meio de comunicação e de produção de sentidos, mas é preciso ponderar e mostrar que a TV tem suas características próprias e continuará tendo. É interessante perceber que, nesse terreno movediço, a TV muda, mas também continuará sendo a mesma. E uma das

mudanças mais criativas é, sem dúvida, esse diálogo sem medo com outras mídias e expressões midiáticas de outros meios, em seus gêneros e formatos: a convergência favoreceu esse diálogo, nos níveis de produção e de consumo televisivo.

Na base dessa reflexão, Miller (2009, p. 10) apresenta um panorama sobre como a televisão é considerada hoje por pesquisadores e produtores: “a TV acabou, porém renasceu”, “a TV está obsoleta”, “o aparato está se adaptando a novas circunstâncias”, “a TV está estagnando ou retraindo”. Para Miller (2009, p. 22), imaginar a Internet em oposição à televisão “é bobagem”. O autor defende que a Internet é “mais uma forma de enviar e receber a televisão” e que a TV está se tornando mais popular, não menos: “suspeito que estamos testemunhando uma transformação da TV, ao invés do seu falecimento”.

Cannito (2010, p. 15-16), aposta que o digital tornará a televisão ainda mais televisão, apesar de a grande maioria defender a chegada de um apocalipse completo e a transformação da televisão em algo completamente novo: “alguns acham que a televisão se tornará cinema (alta definição); outros internet (interatividade e conteúdos personalizados); outros, celular (total mobilidade)”. A televisão sempre atuará com uma programação de massa, feita para o público genérico e continuará sendo a catalisadora de outras mídias: “a TV é mais jogo do que narrativa, mais fluxo do que arquivo, está mais para a arte pop do que para a arte clássica, trabalha com séries e com processos vivos (e não com produtos prontos). Por fim, a televisão não é teatro, não é cinema, nem internet. É uma mistura de circo e rádio” (CANNITO, 2010, p. 41 e 72).

ATV herdou do cinema e do rádioalgumas condições para seu funcionamento. Ela traduziu para si as linguagens das outras mídias e adaptou-as para suas necessidades (ROSSINI, 2007). De forma mais elementar ainda, a televisão se aporta no desenho para extrair inspiração como uma primeira representação visual da realidade da vida cotidiana, um enquadramento e uma composição para se contar histórias. Depois veio a pintura, ampliando o quadro com sua perspectiva e suas técnicas de criação de sentidos e representação de mundo.

A fotografia chega como prova do real e como a primeira experiência de captação e apreensão da realidade, baseada num modelo perfeito de analogia realista, pois se trata de um quadro da realidade possível de ser captado, como uma prova física e exata de um instante e de realização da memória (SONTAG, 2004). Essa prova chega com mais força coma imagem em movimento do cinema, a promessa de realidade e de verdade, do que acontece em toda sua plenitude imagética aqui e agora, cuja significação passou a definir mais plenamente o que se conhece como televisão, a partir da invenção do som, dos planos e movimentos de

câmera e da montagem cinematográfica (METZ, 1972). Essas inovações possibilitaram que se unissem partes da realidade e se criassem novos sentidos muito além do que o simples registro das imagens e dos sons em tempo real.

Reconhecemos a relação da televisão com outras mídias na sua gênese e em suas inter-relações convergentes atuais, entretanto, como mídia do audiovisual, a televisão desenvolveu algumas condições que indicam sua singularidade diante de outros meios, que seria a existência de uma grade de programação e de um fluxo comunicacional e a principal delas, como mídia de grande alcance popular o que tornaria a TV uma mídia imbatível (CANNITO, 2010).

Para Rosário (2007), a programação televisiva tem origem popular e se tornou massiva. Historicamente, inspira-se no espetáculo, primeiramente o carnaval, as festas populares e o espaço público das feiras, mas firma-se mais no espetáculo circense (CANNITO, 2010), como um lugar de show, em que o centro se instaura no picadeiro.

Requena (1995) diz que essa relação da TV com o circo promove uma espécie de dessacralização do próprio espetáculo, pois a TV trabalha com transparências, facilitação e acessibilidade, colocando em ação e evidência os sentidos da visão e da audição e ofertando, por meio destes, um cardápio de opções para que os telespectadores completem os outros sentidos (o tato e o olfato), mas principalmente, os sentidos sociais.

As relações da TV com outras mídias são feitas desde sua invenção.Somente aos poucos, por meio de inovações tecnológicas nos produtos e nos próprios processos de produção de sentidos, é que a TV ganha uma singularidade. A TV constrói um mundo, em grande parte, de maneira autorreferencial e que, segundo Duarte (2007), “ainda se dá ao luxo de importar fragmentos do mundo real que lhe é paralelo como artifício retórico para criar efeitos de realidade e naturalidade” (p. 17).

Para Rossini (2007, p. 172), o desenvolvimento do videoteipe favoreceu a criação de uma “linguagem audiovisual própria para a TV”, e também a organização do fluxo televisivo, com sua grade de programação e de anunciantes. O videoteipe propiciou uma maior experimentação na movimentação de câmeras, nos planos e, consequentemente, na edição e seu trabalho de significação.

A grade televisiva é formada por um emaranhado de produtos e programas, de diferentes linguagens e gêneros que convivem em um mesmo espaço. São telejornais com informações gerais do dia ou especializados, talk shows, novelas, desenhos, missa, culto, filmes, publicidade, reality shows, programas de auditório, humorísticos, musicais, entre

cativas, se faz presente no local do acontecimento e oferece diariamente um cardápio simplificado tornando possível a degustação da complexidade do mundo. Por esse e por outros motivos, estabeleceu e definiu uma centralidade na produção de sentidos sociais na sociedade contemporânea.

A televisão enquanto linguagem audiovisual e, mais ainda, o telejornalismo, como um gênero da mídia que se serve dessa linguagem para contar histórias da realidade da vida cotidiana, se vale desses elementos (as várias mídias) e dessas significações desde seu nascimento. Defendemos que a tecnologia digital e a cultura da convergência favorecem o jornalismo multimídia (texto, imagem e som) da TV, as rotinas de produção dos telejornais e, em particular, as narrativas das notícias,mesmo quando move os tijolos de uma cultura profissional sólida e bem instalada numa casa analógica e numa cultura midiática baseada em instrumentos e modelos de analogia realista.