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Antes de ingressar na teoria transconstitucional, como forma de estabelecimento de diálogo entre diferentes normas, é preciso retomar a discussão traçada no item 3.3, em relação ao surgimento de um constitucionalismo transnacional, possibilitando a observação de uma constituição transversal, quando estão estabelecidas pontes de transição duradouras (entrelaçamentos) entre direito e política, ou outro sistema social, no caso das constituições civis globais retratadas no ponto citado. Essa racionalidade transversal que possibilita aprendizado recíproco entre diferentes sistemas é saudável e necessária para a manutenção do fechamento operativo de cada sistema funcional, bem como é diferencial em sua cognição sobre o entorno.

No objeto do presente estudo, contudo, não se está falando em diálogo, ou estabelecimento de intercâmbio criativo, entre dois ou mais sistemas funcionalmente diferenciados, mas, sim, dentro de um mesmo sistema funcional da sociedade, o direito, sendo que o objetivo consiste em delinear as formas de relação entre as diferentes ordens jurídicas diferenciadas que se proliferam.

Essa é a questão do transconstitucionalismo, ou seja, as relações de interpenetração e observação mútua entre essas múltiplas ordens jurídicas diferenciadas segmentariamente no interior do sistema jurídico, portanto, ainda assim, operando sob o código binário “direito/não- direito”, mas com diversos elementos, critérios e programas próprios. Essa “conversação” entre ordens pode levar a disputas, na tentativa de uma imposição hierárquica, o que não se tolera, já que “não cabe falar de uma estrutura hierárquica entre ordens: a incorporação recíproca de

conteúdos implica uma releitura de sentido à luz da ordem receptora”256; ou seja, há uma reconstrução de sentido que demanda a desconstrução do outro e uma auto-observação. Com isso, se quer dizer que tanto o conteúdo de sentido do outro é desarticulado e rearticulado, quanto o conteúdo de sentido da própria ordem é rearticulado em razão da observação desse outro (ordem jurídica diversa não-hierárquica).

O fenômeno que Marcelo Neves visualiza através de seu transconstitucionalismo, é observado por Anne-Marie Slaughter, cientista política estadunidense, como processo onde exsurge uma comunidade global de cortes. A partir da emergência dessa comunidade, dois sintomas são visualizados. O primeiro, é uma fertilização constitucional cruzada; e o segundo é uma combinação de cooperação ativa e conflito vigoroso entre cortes nacionais envolvidas

em litígios transnacionais entre partes privadas fora de suas fronteiras257.

No primeiro reflexo, a autora destaca que “Cortes Constitucionais estão citando os precedentes de outras, reciprocamente, em casos que vão desde liberdade de expressão, passando por direito à privacidade, até pena de morte”258. Como prova desse diálogo entre Cortes, Slaughter cita a declaração do Chefe de Justiça da Suprema Corte da Noruega, Carsten Smith, em 1998, afirmando que “é dever das cortes nacionais – especialmente a mais alta corte em um pequeno país – introduzir novos entendimentos jurídicos mundiais em suas decisões judiciais nacionais”259. Tal manifestação se coaduna com um movimento pelo qual juízes de cortes constitucionais ao redor do mundo estão engajados em um diálogo crescente acerca de casos que se colocam para tomada de decisão, seja através de citações mútuas ou, mesmo, em interações diretas. Essa conexão entre juízes e advogados (juristas, em geral) atuando em diferentes cortes, em diversas ordens jurídicas, ainda que não seja situação recente, tem tomado proporções maiores com a tecnologia da informação, possibilitando uma aproximação e troca de observações sobre o Direito e a sociedade de cada uma das suas comunicações. Nesse ponto, o crescimento da fertilização cruzada de ideias e precedentes entre cortes constitucionais pelo mundo tem, gradualmente, tornado visível o surgimento de certo consenso sobre pontos específicos, especialmente ligados aos Direitos Humanos, como liberdade, saúde e questões de gênero, como o casamento homoafetivo. Slaughter afirma que é possível observar uma

256 NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. 1. ed. São Paulo: WNF Martins Fontes, 2009, p. 118.

257 SLAUGHTER, Anne-Marie. A global community of courts. In: Harvard International Law Journal. v. 44.

Cambridge: Publications Center – Harvard Law School, p. 191-219, 2003, p. 193.

258 Ibid., tradução nossa. Texto original: “Constitutional courts are citing each other’s precedents on issues ranging

from free speech to privacy rights to the death penalty”.

259 Ibid., p. 195, tradução nossa. Texto original: “it is the duty of national courts – and specially of the highest court

“jurisprudência global” emergindo a partir do processo de interação pela fertilização constitucional cruzada entre cortes pelo mundo.

O segundo reflexo que Anne-Marie Slaughter observa é o que a globalização – que tem como um reflexo a hipercomplexificação social – torna possível que um produto tenha componentes manufaturados em dois ou três países, seja montado em um terceiro e vendido e distribuído em tantos outros, o que incrementa a potencialidade de foros e ordens jurídicas competentes na resolução de possíveis conflitos, o que coloca os litigantes em um “combate”, não apenas quanto ao mérito da questão, mas, também, em relação à jurisdição. A preocupação exposta pela autora decorre de que as relações transjudiciais nem são harmoniosas, em que pese a interação citada anteriormente. Aquela fertilização cruzada, apesar da oportunidade de cooperação que entrega, possibilita, também, “disputas” entre cortes e juízes. A autora fala no surgimento de um judicial comity (traduzido por Marcelo Neves como comitas judicial260), definição trazida da política, onde “comity of nations” (comitas entre nações), importante conceito político que significa o “respeito devido às leis e atos de outras nações em virtude da adesão comum no sistema internacional – uma presunção de reconhecimento, que é algo mais que uma cortesia, mas menos do que uma obrigação”261. A comitas judicial tem fornecido o ambiente para estabelecimento de um diálogo global entre juízes no contexto de casos específicos, como já mencionado – porém, considerando que há uma “mobilidade judicial” entre os litigantes em casos transjudiciais, as diferenças entre as cortes, baseadas em eficiência, têm levado a disputas entre cortes, bem como ao “julgamento de juízes por juízes”. Com isso, Slaughter se refere a casos em que cortes declaram ou negam a competência de outras cortes para demandas específicas.

Segundo a autora, em um caso envolvendo a Canadian Overseas Ores Ltd. em face da Compania de Acero del Pacifico S.A.262, em 1984, uma corte americana compreendeu uma corte chilena como incompetente por conta da ausência de independência judicial sob a junta militar. O que demonstra que, em razão de situações transjudiciais, algumas cortes acabam “julgando” outras cortes, quando instadas por alguma das partes envolvidas, o que, apesar de reflexos negativos, possui o condão de estabelecer negociações judiciais entre tais cortes, pelo

260 NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. 1. ed. São Paulo: WNF Martins Fontes, 2009, p. 119.

261 SLAUGHTER, Anne-Marie. A global community of courts. In: Harvard International Law Journal. v. 44.

Cambridge: Publications Center – Harvard Law School, p. 191-219, 2003, p. 205, tradução nossa. Texto original: “respect owed to the laws and acts of other nations by virtue of common membership in the international system - a presumption of recognition that is something more than courtesy but less than obligation”.

262 Canadian Overseas Ores Ltd. v. Compania, etc. United States District Court, S. D.. New York, January 7, 1982.

Disponível na internet em: <https://www.ravellaw.com/opinions/15c873d7c323944473fcde756051357e>. Acesso em 25 nov. 2016.

estabelecimento da comitas judicial, que não pode se restringir às cortes estatais, devendo ser ampliado para incluir os diversos juízes e tribunais internacionais, supranacionais, transnacionais e não-estatais, abarcando, assim, os tribunais arbitrais, como a Lex Sportiva, objeto do presente estudo.

É preciso esclarecer que inúmeras cortes (estatais, supranacionais, transnacionais) estão sendo instadas a decidirem sobre questões que não mais se adstringem aos limites territoriais dos Estados e, em muitos desses casos, há uma irritação recíproca entre diferentes cortes – esse é o foco de observação do trasnconstitucionalismo, como se dá o diálogo entre diferentes cortes e, aprofundando a metodologia, como acontecem os diálogos entre diferentes ordens jurídicas em que tais cortes são centros emissores de juridicidade, já que a sociedade complexa deu azo ao surgimento desse fenômeno jurídico transnacional, a partir de ordens não-estatais.

Marcelo Neves destaca, que a teoria do transconstitucionalismo, a despeito do que a palavra possa indicar, não se refere à existência de uma Constituição inflacionária, como se estivesse emergindo uma constituição transversal, mas, sim, ao processo de constitucionalização das diferentes esferas globais e, fundamentalmente, dos problemas constitucionais que surgem nas diversas ordens jurídicas, exigindo soluções que causam entrelaçamento entre tais ordens263.

Discussões envolvendo direitos constitucionais (direitos humanos) são comunicadas perante ordens estatais, supranacionais, transnacionais e, não raramente, em mais de uma ao mesmo momento, o que abre possibilidade de cooperações e conflitos. Especialmente nas ordens transnacionais, em que agentes privados têm um maior envolvimento, as discussões sobre direitos humanos se apresentam, não mais tangencialmente, mas, usualmente, como pontos fulcrais da tomada de decisão (ou seja, ratio decidendi). Tais ordens não-estatais guardam uma peculiaridade, que é a ausência de poder político, no sentido sistêmico de tomada de decisões coletivamente vinculantes, o que, entretanto, pode ser prejudicial, no sentido de que os atores privados, comuns a tais ordens, acabam desempenhando influências nesse âmbito. Com isso, Neves afirma que os problemas constitucionais continuam aparecendo nas mais diversas ordens, não hierárquicas entre si, de forma que “a fragmentação dos problemas constitucionais permaneceria desestruturada se cada ordem jurídica pretendesse enfrenta-los isoladamente a cada caso”, o que impõe uma conversação transconstitucional264, o que não importa dizer que tal teoria é suficiente para criar uma unidade no sistema do direito mundial,

263 NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. 1. ed. São Paulo: WNF Martins Fontes, 2009, p. 121. 264 Ibid., p. 122.

mas, sim, maneira eficaz na tentativa de estruturar respostas, majoritariamente, adequadas aos problemas constitucionais fragmentados na sociedade complexa.

A partir da premissa exposta no item final do primeiro capítulo, em que o sistema jurídico contemporâneo, hipercomplexo e policontextural, se apresenta como multicêntrico, ou seja, é possível encontrar inúmeros centros de autofundamentação do Direito, conforme a ordem jurídica que se tome como ponto de observação, isso porque, cada um desses centros é periferia para os outros. O fato do sistema jurídico na sociedade complexa ser caracterizado pelo multicentrismo, todavia, não pode ser compreendido como se cada um desses centros fosse monista nas interpretações do Direito, em que a validade de uma norma somente poderia ser considerada a partir daquela única ordem jurídica. Marcelo Neves esclarece que:

todo monismo leva a um construtivismo extremo, autista, incapaz de oferecer elementos frutíferos para uma teoria do sistema jurídico multicêntrico da sociedade mundial, no âmbito do qual diversas ordens jurídicas relacionam-se ortogonal e horizontalmente, em uma pluralidade de núcleos de autofundamentação, enfrentando os mesmos problemas constitucionais265.

É necessário observar que a relação entre diferentes ordens jurídicas vai além das interpenetrações entre sistemas, porque são ordens pertencentes a um mesmo sistema funcional da sociedade (Direito), que se reproduz pelo mesmo sistema binário (de acordo com o direito/em desacordo com o direito), mas que, ainda assim, possibilita que critérios e programas plurais exsurjam nessa multiplicidade de ordens jurídicas. Cada uma dessas ordens jurídicas tem pretensão de afirmar sua validade, atuando, porém, sob o mesmo código do sistema jurídico, o que combina em determinar o sistema como operacionalmente fechado e cognitivamente aberto. “Como se trata de ordens normativas dentro de um mesmo sistema funcional da sociedade mundial, o direito, também pode falar-se de um aprendizado normativo entre elas, tendo em vista que estão subordinadas ao mesmo código binário”266.

Esse processo reforça a autopoiese do sistema jurídico, já que a existência de problemas comuns a diversas ordens jurídicas não é algo recente, o diferencial é que a resposta a ser dada, respeitando o código binário do Direito, acontece de acordo com os diversos critérios das ordens jurídicas envolvidas, o que pode gerar incompatibilidade entre as possíveis soluções a serem apresentadas, evidenciando que a edificação de pontes de transição – modelos de entrelaçamento servindo a uma racionalidade transversal entre as ordens – é fundamental.

265 NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. 1. ed. São Paulo: WNF Martins Fontes, 2009, p. 125. 266 Ibid., p. 126.

A cada novo caso inesperado, as estruturas reflexivas das respectivas ordens precisam rearticular-se consistentemente para possibilitar uma solução complexamente adequada à sociedade, sem atuar minando, bloqueando ou destruindo a ordem concorrente ou cooperadora, mas antes contribuindo para estimulá-la a estar disposta ao intercâmbio em futuros “encontros” para enfrentamento de casos comuns267.

Assim, a característica principal do transconstitucionalismo entre ordens jurídicas é a busca por soluções de problemas constitucionais que se apresentem em diversas ordens, de forma simultânea. A partir da submissão de questões atinentes aos direitos humanos ao tratamento jurídico concreto em ordens jurídicas diversas, o processo de conversação constitucional se torna imprescindível, importando erigir pontes de transição entre as estruturas reflexivas de tais ordens268. Considerando a incapacidade das diversas ordens, de diferentes níveis, apresentarem, de forma isolada, respostas adequadas à complexidade dos problemas da sociedade mundial (hipercomplexa), o transconstitucionalismo, quando observado como um modelo de entrelaçamento entre ordens jurídicas, abre, então, uma pluralidade de respostas possíveis para a solução dos problemas constitucionais que se apresentam, de forma a adequar- se às relações transordinais no sistema heterárquico do direito na sociedade mundial269.

O transconstitucionalismo proposto por Marcelo Neves pressupõe um diálogo entre ordens jurídicas, ou seja, uma abertura cognitiva que permita a troca recíproca de informações, através de pontes de transição que possibilitem relações de sentido entre as diferentes ordens do sistema jurídico multicêntrico. Como visto no primeiro capítulo, a categoria do acoplamento estrutural é o mecanismo que permite interpenetrações entre sistemas sociais, de forma concentrada e duradoura. A teoria proposta pelo jurista brasileiro pretende aprofundar a observação sobre tais relações, porque essas “interpenetrações possibilitam apenas que cada sistema ponha reciprocamente à disposição da autoconstrução do outro complexidade desordenada”270, de forma que ao sistema receptor é disponibilizada apenas complexidade desestruturada, excluindo, assim, o acesso, pelo sistema receptor, à complexidade ordenada e à racionalidade processada pelo outro sistema. É nesse ponto que Neves faz uso do conceito de

racionalidade transversal, uma categoria que ultrapassaria as interferências operativas

intersistêmicas, se tornando mecanismos com capacidade de intercâmbio construtivo de experiências entre diferentes racionalidades parciais em nível estrutural, variando a intensidade

267 NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. 1. ed. São Paulo: WNF Martins Fontes, 2009, p. 129. 268 Ibid., p. 129.

269 Ibid., p. 131. 270 Ibid., p. 37.

na forma e conteúdo conforme o tipo de cada sistema ou discurso, ou seja, “a noção de racionalidade transversal importa um plus em relação à de acoplamento estrutural”271.

Nesse momento, Marcelo Neves retoma o conceito de razão transversal, proposto pelo filósofo alemão Wolfgang Welsch272, para o qual inexiste um discurso supraordenado, regulador dos demais, contudo, Welsch não aceita a concepção de que não há uma metanarrativa orientadora dos discursos particulares, momento em que propõe, então, a existência de uma razão transversal, que “não tem o status de hiperintelecto, mas sim, precisamente, o status de razão – o status de uma faculdade não de impor decretos, senão de fazer transições”273, essa razão não é imposta aos jogos de linguagem particulares, mas está imbricada com os momentos de entrelaçamento entre diferentes, como pontes de transição.

Para Welsch é bastante claro que nenhuma racionalidade é capaz de apresentar uma

meta-order (meta-ordem, que pode ser traduzido como metanarrativa), uma ordem capaz de

compreender (abrigar) todas as demais racionalidades e estabelecer ligações entre elas, de forma conclusiva, ainda que algumas racionalidades proponham tais ordenações. Contudo, cada uma dessas opções globais é contestada por outras opções, defendidas por demais racionalidades, incompatíveis entre si. Ou seja, nenhuma opção dessas ordens está em uma posição capaz de incorporar (personificar) a meta-order desejada274. Nessa esteira, teria sido erigida uma metanarrativa pós-moderna, em contraposição à descrita anterior (impositiva, por meio da opressão), que atua efeito liberador, isso porque, inteiramente vazia de conteúdo, de modo que as mais diversas concepções não devem ser mensuradas, desacreditadas ou unidas em nome de um supermodelo, estabelecendo que há um consenso sobre o dissenso275. Tal metanarrativa pós-moderna, ainda que esteja em uma posição supraordenada em relação às

271 NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. 1. ed. São Paulo: WNF Martins Fontes, 2009, p. 38.

272 Para uma melhor compreensão do conceito de razão transversal, conferir WELSCH, Wolfgang. Reason and Transition: on the concept of transversal reason. Alemanha, 1999. Disponível na internet em:

<http://sammelpunkt.philo.at:8080/192/1/Reason.html>. Acesso em 14 set. 2016; WELSCH, Wolfgang.

Transculturality: the puzzling form of cultures today. Londres, 1999. Disponível na internet em:

<http://www2.uni-jena.de/welsch/papers/W_Wlelsch_Transculturality.html>. Acesso em 14 set. 2016; WELSCH, Wolfgang. Reason: traditional and contemporary or why should we still speak of reason after all? Pequim, 2000. Disponível na internet em: <http://www2.uni-jena.de/welsch/papers/W_Welsch_Reason.html#note>. Acesso em 14 set. 2016.

273 NEVES, Marcelo. op. cit., p. 39.

274 WELSCH, Wolfgang. Rationality and reason today. Amsterdã, 1998. Disponível na internet em:

<http://www2.uni-jena.de/welsch/papers/W_Welsch_Rationality_and_Reason_Today.html>. Acesso em 14 set. 2016, tradução nossa. Texto original: “It is self-evident that none of the rationalities is able to present a meta-order, an order which is capable of comprising all versions of rationality and linking them in a conclusive overall manner. It is not that versions of rationality don't propose such overall orderings - at least some of them do. It is just that every one of these overall options is opposed by other overall options advocated by other versions of rationality, which are incompatible with the former as well as with each other. Consequently, none of these options for order is in a position to embody the desired meta-order”.

narrativas particulares, atua como um garantidor e na promoção da heterogeneidade dos jogos de linguagem.

A partir das premissas de Welsch, sobre uma razão transversal (metanarrativa pós- moderna), Marcelo Neves entende que, no estágio de hipercomplexidade e policontexturalidade da sociedade global, em que os diversos âmbitos de comunicação desenvolvem seus próprios mecanismos estáveis de aprendizado e influência mútuos, cabe falar, então, em racionalidades

transversais parciais, “que podem servir à relação construtiva entre as racionalidades

particulares dos sistemas ou jogos de linguagem que se encontram em confronto”, vinculando- se a cada racionalidade particular, servindo como ponte de transição específica entre elas276.

A racionalidade transversal, portanto, aprofunda a categoria do acoplamento estrutural, já que as relações de sentido estabelecidas ultrapassam os limites do acoplamento, como visto, estando em uma fase de transversalidade, perpassando as diversas racionalidades particulares, seja entre sistemas ou, como no caso em estudo, entre as diversas ordens jurídicas dentro do sistema do Direito. Enquanto o acoplamento estrutural é apresentado de forma bilateral, entre dois sistemas (como o exemplo da Constituição como acoplamento entre Direito e Política), a racionalidade transversal pode sugerir o entrelaçamento de mais de dois sistemas (o tributo, por exemplo, fato econômico, jurídico e político).

Todavia, há uma ressalva a ser feita, tanto ao acoplamento estrutural quanto à racionalidade transversal. O lado “negativo” dos acoplamentos estruturais, por exemplo, são os possíveis bloqueios recíprocos das autonomias sistêmicas mediante a chamada corrupção sistêmica, em que “o código de um dos sistemas é sabotado pelo código de um outro sistema, de tal sorte que aquele perde sua capacidade de reprodução consistente”277, como exemplo de corrupção do sistema jurídico pela economia estão os casos de compra de sentenças, ou a corrupção política do direito, nos casos em que o poder obtém decisões favoráveis utilizando- se de pressão ilícita. Para Luhmann, a questão da corrupção sistêmica é um problema moral da sociedade mundial contemporânea:

Em suma: a autonomia dos sistemas funcionais, assegurada mediante codificações binárias próprias, exclui uma metarregulação por um supercódigo moral, e a moral mesma aceita e, inclusive, re-moraliza essa condição. Porque, agora, as sabotagens ao código [binário] se tornam problema moral – como a corrupção da política e do