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3.1 Evolução histórica do esporte

3.1.3 Da modernidade à contemporaneidade: renascimento e evolução profissional do

O período final da Idade Média, já de transição para a Modernidade, foi um momento de movimento de ideias, em que a Igreja passa a ter sua proeminência relativizada e o homem, enquanto indivíduo, se coloca como responsável pela edificação de uma “nova civilização”. Convencionou-se chamar essa época de Renascimento, em contraposição ao Medievo como época de “morte” da ciência e das artes. Todavia, parece mais preciso denominar esse movimento de Humanismo, em razão de que se passou de um paradigma baseado no teocentrismo, ou seja, a figura de Deus, pela Igreja Católica, como centralizador das comunicações, para outro baseado no antropocentrismo, com o Homem assumindo a obrigação pela evolução.

Novamente a figura do Homem toma protagonismo para si, com as relações entre corpo e alma, tão esquecidas no medievo, retornando às discussões, na busca de um “Homem completo”. É possível afirmar, então, que essa renovação do pensamento filosófico e pedagógico do Humanismo, com uma nova concepção de vida, faz renascer, também, a importância do corpo e, por conseguinte, a educação física, ou seja, a prática de esportes, retoma seu lugar como formação da personalidade.

Os primeiros “pedagogos do iluminismo” a teorizar sobre a “retomada” da educação do corpo que, em harmonia com a educação do espírito, forma identidade e personalidade do indivíduo, surgem ainda no século XIV. Merece destaque, nesse ínterim, Vergerio Pier Paolo (1370-1444), professor da Universidade de Pádua, precursor no estabelecimento do equilíbrio do ser humano, rejeitando o dissídio entre alma e corpo, afirmando que a prática esportiva é salutar para manter sadio e robusto o organismo dos jovens, os deixando preparados para os deveres da vida à época157.

Outro prodígio da primeira época dos educadores do humanismo foi Vitorino de Feltre (1378-1446), considerado o criador da educação física, já que foi o primeiro pedagogo a utilizar

157 GRIFI, Giampiero. História da Educação Física e do esporte. Tradução de Ana Maria Bianchi. Porto Alegre:

atividades físicas – ginástica, esgrima, natação, equitação, corrida, luta, arco e flecha158 – para fins escolásticos, elevando a harmonia entre corpo e alma a uma realidade educativa, retirando o caráter exclusivamente recreativo que haviam tomado durante a Idade Média, utilizando-os cem uma relação de cooperação com a instrução doutrinal dos jovens.

Há, ainda, outros pensadores e filósofos a serem destacados nesse processo de transição entre Idade Média e Modernidade, como Francis Bacon159 (1561-1626), estadista inglês, que afirmou que a prática de esportes deveria ser algo natural, em razão de seus fins médico- corretivos e preventivos. John Locke160 (1632-1704) pregou a importância para a saúde, formação moral, punições e recompensas das atividades físico-esportivas. O Renascimento e as teorias humanistas foram especialmente ligados à prática de atividades esportivas, ainda que de forma mais teórica e pedagógica do que prática e realista, significando um ressurgimento da concepção de esporte, consolidando essas práticas como formação da vida e necessárias ao desenvolvimento do indivíduo.

A mudança na concepção do esporte, sua associação com as práticas escolásticas e a retomada de uma cultura esportiva foi decisiva para uma evolução nas atividades voltadas para o físico a partir da Modernidade, primeiro com o Renascimento e os pensadores humanistas e, posteriormente, com os autores do Iluminismo, que fixou, sob bases puramente humanas e racionais, a vida do homem e da humanidade, em complemento às primeiras conquistas do Renascimento. A partir desse momento, surgem, em vários pontos da Europa, diferentes escolas voltadas à prática esportiva.

Algumas dessas escolas merecem especial destaque, em razão de seu papel fundamental no assentamento de uma cultura esportiva por toda a Europa, que acabou se espalhando pelo Ocidente, em razão das influências que tais Estados promoviam no mundo ocidental. Na Dinamarca, a Escola de Copenhague, fundada em 1799 por Francisco Nachtegall, foi uma das primeiras escolas onde o ensino da ginástica foi difundido, sendo, em 1800, incluída a natação

158 RAMOS, Jayr Jordão. Os exercícios físicos na história e na arte. Do homem primitivo aos nossos dias. São

Paulo: IBRASA, 1982, p. 171.

159 Em sua principal obra filosófica, faz uma análise sobre como os animais praticam exercícios, responsáveis por

aumentar o calor corporal dos mesmos. Desse modo, os exercícios, também aos homens, servem como instrumento médico e preventivo. BACON, Francis. Novum organum ou verdadeiras indicações acerca da interpretação

da natureza. São Paulo: EDIPRO, 2014, p. 103 e seguintes.

160 Esgrima e equitação são partes necessárias do crescimento, sendo uma grande omissão negligenciá-las [...] são

dos melhores exercícios para a saúde que podemos procurar nos lugares de prazer e luxo; e por esta razão, um jovem cavalheiro deve consagrar-lhe boa parte do tempo. LOCKE, John. Some through concerning education. 1963, seção 198, p. 113. Disponível na internet em: <http://thefederalistpapers.integratedmarket.netdna- cdn.com/wp-content/uploads/2012/12/John-Locke-Thoughts-Concerning-Education.pdf>. Acesso em 04 nov. 2016. Ver: GHIGGI, Gomercindo; OLIVEIRA, Avelino da Rosa. O conceito de disciplina em John Locke: o liberalismo e os pressupostos da educação burguesa. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1995.

ao currículo da escola, que, já em 1816, formou os primeiros professores de educação física do mundo moderno, que teve como célebre aluno o Rei Federico da Dinamarca161.

Na Alemanha, merece destaque a Universidade de Berlim, que, segundo Giampiero Grifi162, teve sua fundação pautada pelo objetivo patriótico militarista, especialmente após a derrota para Napoleão, em 1806. Se antes da invasão napoleônica o sentimento nacional era de um patriotismo intelectual, interessado em “impor” a cultura e não uma potência militar, todavia, após as humilhantes derrotas, uma instrução militar passou a integrar as bases do caráter escolástico-educativo.

Também na França surgiram métodos e teorias sobre a educação para o físico, tendo sido reconhecida a necessidade de cultivar o corpo a fim de que adquirisse, além de saúde, qualidades como destreza, força e resistência, que passavam pela ginástica como método esportivo. Pertence à escola francesa Pierre de Frédy (1863-1937), o Barão de Coubertin, que será tratado a seguir, o qual se preocupou em adequar a educação dos jovens ao momento social vivido e difundir os exercícios físicos, através do esporte163.

Por fim, é importante citar a Escola Inglesa, visto que o esporte, como hoje é entendido, tem muito de suas origens na Inglaterra. O sacerdote inglês Thomas Arnold (1795-1842) promoveu o desenvolvimento do esporte na escola, mas, também, no costume da sociedade inglesa de 1800, responsável pelo desenvolvimento de um esportivismo, sendo que o esporte se tornara uma forma de moralidade ativa e uma finalidade social como elemento fundamental para a formação do caráter e da personalidade da juventude. Foi essa “pedagogia esportiva” de Thomas Arnold que inspirou o Barão de Coubertin, citado antes, a restaurar os jogos olímpicos164.

Como dito, Pierre de Coubertin foi responsável pelo restabelecimento dos jogos olímpicos, inspirados na competição da Grécia Antiga, contudo, remodelado pela pedagogia para o esporte pensada por Thomas Arnold. Assim, os Jogos Olímpicos Modernos nascem com o interesse em resgatar o “ideal olímpico”, objeto de aspiração desportiva, diz respeito ao jogo bem disputado, sem trapaças e de forma cavalheiresca, no sentido de que o outro é seu adversário, não inimigo, e essa situação perdura, somente, durante a disputa da prova em questão.

161 GRIFI, Giampiero. História da Educação Física e do esporte. Tradução de Ana Maria Bianchi. Porto Alegre:

D.C. Luzzato Editores Ltda. 1989, p. 225.

162 Ibid., p. 226. 163 Ibid., p. 244. 164 Ibid., p. 256.

O Barão, aristocrata letrado francês, influente escolástico da Escola Francesa de ginástica e estudioso das manifestações esportivas que tomavam a Europa, expôs, na Universidade de Paris, sua ideia de realizar jogos esportivos no estilo de Olímpia na Antiguidade. Assim, em 1894, doze nações foram representadas por seus delegados, e ratificaram a proposta de Coubertin, constituindo o Comitê Olímpico Internacional (COI). Em virtude disso, em 1896, no estádio de Atenas, na Grécia, aconteceram os primeiros Jogos Olímpicos Contemporâneos, evento que se tornou periódico, realizado a cada quatro anos, como na Olímpia Antiga, acontecendo até a atualidade. Em 2016, se realizou, na cidade brasileira do Rio de Janeiro, a trigésima primeira edição dos jogos, que somente foram suprimidos em 1916, 1940 e 1944, em razão das duas Grandes Guerras.

O sucesso dos Jogos, já em sua primeira edição, gerou enorme crescimento no

esportivismo, com estabelecimento de federações internacionais para regulação das

modalidades esportivas participantes das olimpíadas, bem como federações nacionais para selecionar os atletas que seriam enviados aos jogos como seus representantes165.

A ampliação da prática esportiva levou à gradual profissionalização dos esportes166, principalmente dos métodos de treinamento e preparação dos atletas, surgindo equipes profissionais das mais variadas modalidades esportivas e campeonatos que punham em disputa tais equipes, com premiações em pecúnia. Se o esporte surge, na Antiguidade, como prática que elevava o homem ao seu estado máximo de glória, quando os vencedores dos Jogos recebiam coroas de oliveira em premiação, com a profissionalização esportiva, a glória pode ser medida no valor pago pelo campeonato, já a qualidade do atleta é mensurada pelo seu salário.

O espírito esportivo, aquele ideal olímpico cultuado desde a Grécia, na Antiguidade, não foi perdido, somente houve uma apreensão pela economia de que o esporte é, também, uma mercadoria. Da mesma forma que a economia observa o esporte, também o Direito se volta às

165 A primeira edição dos Jogos Olímpicos se deu em 1896, quando haviam poucas federações esportivas

internacionais, como a Federação Internacional de Remo (1892), a Federação Internacional de Ginástica (1881). Porém, logo após as primeiras olímpiadas, entre os anos de 1896 até o final da primeira década dos anos 1900, é possível observar uma expansão de surgimento dessas associações, como a União Ciclística Internacional (1900), a Federação Internacional de Futebol (1904), a Federação Internacional de Halterofilismo (1905), a Federação Internacional de Tiro Esportivo (1907), a Federação Internacional de Vela (1907) e a Federação Internacional de Natação (1908), conforme dados da Associação das Federações Olímpicas Internacionais de Verão. Disponível na internet em: <www.asoif.com/about-asoif>. Acesso em 02 nov. 2016.

166 Os Jogos, até os dias de hoje, são praticados por atletas considerados amadores em seus esportes, como é o

caso do Boxe, dados da Associação Internacional de Boxe Amador, disponível na internet em: <aiba.s3.amazonaws.com/2015/02/AIBA-Technical-Rules-01.02.2015.pdf>. Acesso em 02 nov. 2016. Há, ainda, esportes em que os atletas que disputam os Jogos Olímpicos estão em fase inicial de profissionalização, como no futebol, em que somente são aceitos atletas até 23 anos, conforme regulação da FIFA sobre o futebol olímpico,

disponível na internet em:

<resources.fifa.com/mm/document/tournament/competition/02/54/40/46/oftsregulationsrio2016-e_neutral.pdf>. Acesso em 02 nov. 2016.

comunicações esportivas, já que inúmeros códigos de conduta, estatutos e contratos são firmados a partir do esporte, muito pelo seu caráter econômico, sendo comunicações com caráter transnacional, já que as mesmas regras esportivas são válidas em toda a sociedade global, sem regulação diferenciada em cada Estado, o que seria impraticável.

Traçado esse panorama histórico do esporte, em acompanhamento à evolução das sociedades, chega-se, no próximo ponto, ao principal objeto de análise do presente trabalho, a ordem jurídica transnacional que regula o esporte profissional, a Lex Sportiva, que declara sua autonomia e legitimidade para estabilizar expectativas no âmbito esportivo.