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3.1 Evolução histórica do esporte

3.1.2 O esporte como luz na idade das trevas

Com a consequente decadência da civilização grega, seus costumes, entre eles os Jogos Olímpicos, acabaram por ser, também, dominados e integrados151, já que a expansão romana, em seu auge, conquistou toda a extensão territorial das cidades helênicas. Uma das características das conquistas romanas era a manutenção das divindades e crenças das civilizações subjugadas, de forma que a mitologia grega era extremamente sincrética e heterogênea. Assim, Roma também implementou jogos públicos nos circos e anfiteatros construídos nas variadas cidades.

Contudo, com a subjugação romana sobre os povos de todo o Mediterrâneo, entre eles os gregos, as disputas esportivas mudaram de função. Se para os antigos gregos a saúde do corpo e da mente caminhava com o esporte, com o domínio romano houve popularização de modalidades mais sangrentas, como as lutas de gladiadores. Enquanto aos gregos os festivais esportivos possuíam caráter sagrado, e os atletas participantes eram respeitados e os deuses temidos, aos romanos, os Jogos Olímpicos representaram, no primeiro momento, uma atividade ociosa e, depois, transformaram-se em espetáculo violento152.

Com a forte política expansionista do Império Romano, algumas questões internas, como políticas sociais, acabavam relegadas ao segundo plano, o que causava, frequentemente, desconforto e, mesmo, ira na população. Com isso, não era raro que os espetáculos realizados através dos Jogos Públicos fossem utilizados como política para arrefecer as tensões sociais, naquilo que ficou conhecido como “Política do Pão e Circo”, haja vista que durante os jogos era distribuído pão ou trigo aos espectadores.

Em razão da declaração do Cristianismo como religião oficial do Império Romano, por volta de 380 d.C.153, os Jogos Olímpicos foram abolidos, já que surgiram como ode aos deuses gregos. Com o tempo, por força da Igreja Católica, que se tornou poderosa com o amparo do

151 Apesar da dificuldade em estabelecer uma data específica para o declínio da civilização grega, muito em conta

de sua penetração na civilização de Roma, se tornando base cultural da última, tem-se que, após a vitória de Roma frente à Macedônia, nas Guerras da Macedônia (2015-205 a.C. e 200-196 a.C.), com forte apoio da Grécia, a última foi incorporada pelos romanos, como província, já que desprotegida pela incisiva participação nas batalhas contra a Macedônia. JAGUARIBE, Hélio. Um estudo crítico da história. Tradução Sérgio Bath. São Paulo: Paz e Terra, 2001, p. 370.

152 GODOY, Lauret. Os jogos olímpicos na Grécia Antiga. São Paulo: Editora Nova Alexandria, 1996, p. 111. 153 O Imperador Teodósio I, através do édito de Têssalónica, estabeleceu o cristianismo como a religião oficial do

mundo Romano, abolindo as práticas politeístas, consideradas pagãs. EHLER, Sidney Z.; MORRAL, John B.

Church and state through the centuries: a collection of historic documents with commentaries. Nova York:

Biblo and Tannen, 1967, p. 07. Ver: LE GOFF, Jacques. História e memória. Tradução Bernardo Leitão. Campinas: SP Editora da UNICAMP, 1990, p. 167 e seguintes.

Império, as arenas de gladiadores também foram encerradas. Por último, com a queda do Império Romano do Ocidente, o Cristianismo, especialmente a Igreja Católica, tomou para si a posição central nas comunicações da época, com o culto ao corpo substituído pela salvação da alma, tendo permanecido, assim, a prática esportiva apenas com a função de treinamento militar. Ainda que tais acontecimentos sejam estabelecidos, pela historiografia, como pertencentes à Idade Antiga, marcam um ponto de transição entre Antiguidade de Medievo, com especial influência sobre a prática esportiva e a educação física.

Durante a maior parte da Baixa Idade Média, assim considerada a primeira metade dos mil anos que compreendem essa época histórica, entre os séculos V e X, aproximadamente, o esportista se confundia com a figura do cavaleiro, representante da nobreza e senhor de terras (os feudos), treinado nas artes da esgrima e do arco e flecha, equitação, marchas e da corrida154. Todas essas artes tinham como objetivo o treinamento para a guerra, sendo que as práticas esportivas eram responsáveis por manter os cavaleiros treinados e ativos durante os hiatos não conflituosos, em que pese o número de incursões violentas tenham sido frequentes nesse ambiente, numa macro análise, pois marcado pelas Grandes Cruzadas.

A despeito da ausência de jogos públicos, como os Olímpicos dos gregos, existiam disputas populares entre cavaleiros de diferentes feudos, como forma de demonstração do poderio militar de cada Senhor, que se revestiam de ode ao vencedor e desgraça do vencido, diferente da exaltação religiosa e ao estágio superior humano, como aconteceu durante os jogos da Antiguidade. Os primeiros torneios, justamente por se revestirem de uma exibição e contenda de forças entre os feudos, eram espetáculos com razoável violência, definidos como guerras em escala reduzida, em que, ao final da disputa, não era raro que tivessem feridos graves e, mesmo, mortos, ainda que, depois da batalha, ambos os grupos desfrutassem de banquetes em conjunto155.

Considerando que a Igreja Católica detinha proeminência durante a Idade Média, esses jogos mais sangrentos foram reprimidos, assim como as disputas de gladiadores haviam sido, ainda que por motivos diferentes. Em lugar às guerras em menor escala, os torneios de cavaleiros que se seguiram, já na Alta Idade Média, mantiveram uma função de treinamento militar e demonstração de poderio, mas se tornaram um evento dotado de certo requinte e aproveitado pela Nobreza.

154 RAMOS, Jayr Jordão. Os exercícios físicos na história e na arte. Do homem primitivo aos nossos dias. São

Paulo: IBRASA, 1982, p. 166/167.

Assim, disputas mais sofisticadas passaram a ser incentivadas. A justa se tornou a principal prática esportiva, uma disputa entre dois cavaleiros, usando armaduras e capacetes que identificavam a qual família pertenciam ou representavam, empunhando enormes lanças de madeira com pontas metálicas, montando os melhores cavalos que dispunham, se lançavam um contra o outro, no objetivo de desmontar o seu adversário com golpes certeiros. Outra modalidade exaltada no Medievo foi a esgrima, prática que continua a ser disputada, inclusive como prova olímpica, e que tem, nessa época, predomínio como prática física. O hipismo; as corridas à cavalo; algumas disputas de lutas corporais; modalidades de salto; escalada e; natação têm seu estabelecimento como recreação, na Idade Média. Mesmo modalidades bastante transformadas no futuro se remetem a essa época, como o futebol, que se diz “inventado” pelos ingleses, mas tem um ancestral no cálcio praticado nas regiões da península itálica.

Não é possível afirmar, obviamente, que a Idade Média foi frutífera na prática esportiva como educação física para o corpo, ainda que nela tenham sido praticados alguns esportes (que assim são definidos atualmente). Isso porque o horror aos circos e aos jogos que neles se celebravam, para uma religião que pregava o descaso pelas coisas do corpo para a salvação da alma, como a Religião Católica, concorreu para que a prática esportiva (uma educação física) se tornasse inexpressiva durante a Idade Média156, ainda que alguns esportes contemporâneos tenham sua gênese nesse momento da história humana.

Entretanto, é interessante notar a função desempenhada pelo esporte, ainda que sua prática não tenha sido motivada durante essa época, já que o treinamento dos cavaleiros, e seus torneios para demonstrar o avanço desses treinos, que em um primeiro momento serviam ao militarismo, originaram práticas esportivas praticadas até os dias atuais.

Outro ponto que precisa ser destacado é o surgimento de um “espírito desportivo” do cavaleiro medieval. Se o atleta grego desejava alcançar a honra através de sua elevação a um estado de excelência físico e mental, o cavaleiro medieval era mais dotado de um espírito desportivo, já que suas “práticas esportivas” não lhe levariam a um honra pessoal. O esporte como treinamento militar, apesar de conferir honrarias pessoais ao vencedor, como cavaleiro destacado, a deia principal d prática era tornar o cavaleiro melhor preparado para ser usado nas conquistas, seja nas Guerras Santas da Igreja Católica, ou em conquistas militares de cunho pessoal.

Assim, é possível visualizar que o esporte, em que pese tenha permanecido desestimulado durante o Medievo, teve sua participação e cumpriu uma função nesse momento

156 RAMOS, Jayr Jordão. Os exercícios físicos na história e na arte. Do homem primitivo aos nossos dias. São

histórico. Ademais, como será tratado no ponto seguinte, já no final da Idade Média, na transição para a Modernidade, houve um renascimento também nas questões esportivas, a partir de alguns movimentos desportivos, iniciados no Medievo e assentados já na Idade Moderna.