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4.2 Casos de reflexividade

4.2.2 Juízo arbitral ou direito penal? O Caso Suárez

Precedente histórico para demonstrar a autonomia da Lex Sportiva como ordem jurídica foi o caso envolvendo o futebolista profissional uruguaio Luis Alberto Suárez Diaz, conhecido apenas como Luis Suárez, durante a Copa do Mundo FIFA, disputada no Brasil em 2014.

Na partida realizada no dia 24 de junho de 2014, em Natal/RN, disputada entre as seleções da Itália e do Uruguai, Suárez, durante lance dentro da área italiana, mordeu ombro do zagueiro Giorgio Chiellini, no minuto 78311 do evento. Tal situação não foi observada pelo árbitro da partida, o mexicano Marco Rodríguez, mas ensejou uma punição posterior, a partir de julgamento por órgãos internos da FIFA e do TAS, com a suspensão do atleta uruguaio, especialmente pelo seu histórico de reincidência.

O histórico de Luís Suárez foi considerado para sua punição (severa, como será demonstrado a seguir), já que o jogador é reincidente em polêmicas durante sua carreira, especialmente em casos de mordidas em rivais. Em novembro de 2010312, quando tinha contrato com a equipe holandesa do Ajax, em um clássico contra o PSV Eindhoven, válido pela Eredivise (Primeira Divisão Holandesa), Suárez mordeu o ombro do adversário Otman Bakkal, meia da equipe de Eindhoven. Em razão do incidente, o uruguaio sofreu uma punição de sete partidas, válida em jogos oficiais pelo campeonato local.

Em abril de 2013313, já jogador do Liverpool F.C., da Inglaterra, em uma partida contra o Chelsea, válida pela Premier League (Primeira Divisão Inglesa), Suárez, novamente, mordeu um adversário, dessa vez o zagueiro sérvio Brasnilav Ivanovic. Por essa ação, o uruguaio foi punido com uma suspensão de dez jogos, válida para partidas oficiais pela Premier League, o que significou a perda do restante da temporada, já que o campeonato inglês acontece entre os meses de agosto de um ano e maio do ano seguinte. Importante mencionar, ainda, que em 2011, já contratado pelo Liverpool F.C., Suárez foi suspenso por oito jogos da Premier League e

311 TAS. Luis Suárez, FC Barcelona & Uruguayan Football Association v. FIFA, 2014, p. 2. Disponível na internet

em: <http://www.tas-cas.org/fileadmin/user_upload/award_3665-3666-3667__FINAL__internet.pdf>. Acesso em 06 out. 2016.

312 Ajax captain Luis Suarez gets seven-game ban for biting. BBC Sport. Versão Online. Disponível na internet

em: <http://news.bbc.co.uk/sport2/hi/football/europe/9225097.stm>. Acesso em 03 out. 2016.

313 Luis Suárez given 10-match ban for biting Branislav Ivanovic. The Guardian. Versão Online. Disponível na

internet em: <https://www.theguardian.com/football/2013/apr/24/luis-suarez-10-games-ban-liverpool>. Acesso em 03 out. 2016.

multado em £40.000,00 (quarenta mil libras), por conta de atitudes racistas em face do lateral- esquerdo francês Patrice Evra, durante partida contra o Manchester United.

Exposto o histórico do uruguaio, retornando ao caso objeto da presente análise, após a partida entre Itália e Uruguai, na Copa do Mundo FIFA 2014, Suárez foi denunciado junto ao Comitê Disciplinar da FIFA, pelas violações aos seus artigos 48, parágrafo primeiro, alínea “d” e 57, ambos do Código Disciplinar314 da entidade máxima do futebol. No dia seguinte ao ocorrido, o jogador e a Federação Uruguaia de Futebol enviaram suas declarações ao Comitê Disciplinar, que declarou Suárez como culpado por infringir o artigo 48, parágrafo primeiro, alínea “d” combinado com o artigo 57, ambos do Código Disciplinar da FIFA, lhe aplicando a seguinte punição: suspensão de nove jogos oficiais pela Seleção Uruguaia de Futebol, com base no artigo 11 do Código Disciplinar; um banimento de quatro meses de qualquer atividade ligada ao futebol (administrativa, esportiva ou outro tipo), com base no artigo 22 do Código Disciplinar; durante os quatro meses do banimento das atividades ligadas ao futebol, o jogador ficou proibido de entrar em qualquer estádio de futebol, além de não poder entrar nos estádios em que a Seleção Uruguaia jogasse pelo prazo dos nove jogos oficiais, com base no artigo 21 do Código Disciplinar; uma multa no valor de CHF$ 100.000,00 (cem mil francos suíços), com base no artigo 10 do Código Disciplinar315.

A decisão do Comitê Disciplinar foi informada ao jogador e à Federação Uruguaia em 26 de junho de 2014, que manifestaram interesse em recorrer da mesma, o que aconteceu em 01 de julho e 3 de julho, respectivamente, junto ao Comitê de Apelação da FIFA, que manteve, em julgamento realizado no dia 8 de julho do mesmo ano, a decisão do Comitê Disciplinar. Em 23 de julho de 2014, Luis Suárez, a Federação Uruguaia de Futebol e o FC Barcelona (equipe espanhola que havia contratado o jogador, após a Copa do Mundo, e não poderia utilizá-lo, por conta da punição), apresentaram recursos separados ao Tribunal Arbitral do Esporte, nos termos

314 O artigo 48 do Código Disciplinar da FIFA fala em “má-conduta contra adversários ou outras pessoas que não

sejam oficiais da competição”, versa, portanto, sobre condutas violentas contra os atletas e outras pessoas, com exceção dos árbitros e auxiliares. O teor do artigo 48, parágrafo primeiro, alínea “d”, prevê que “além da suspensão automática, prevista no artigo 18, parágrafo quarto, qualquer jogador que receber um cartão vermelho será suspenso da seguinte forma: pelo menos dois jogos por agredir um adversário ou outra pessoa que não seja um dos oficiais da partida”. Já o artigo 57, que fala discorre sobre “comportamento ofensivo e jogo limpo”, prevê que “qualquer pessoa que insulta alguém de qualquer forma, especialmente usando gestos ofensivos ou linguagem, ou que viole o princípio do jogo limpo ou cujo comportamento é antidesportivo de qualquer outra forma, está sujeito às sanções previstas no artigo 10”. FIFA. FIFA Disciplinary Code. 2011 edition. Disponível na internet em: <http://resources.fifa.com/mm/document/affederation/administration/50/02/75/discoinhalte.pdf>. Acesso em 04 out. 2016.

315 TAS. Luis Suárez, FC Barcelona & Uruguayan Football Association v. FIFA, 2014, p. 4. Disponível na internet

em: <http://www.tas-cas.org/fileadmin/user_upload/award_3665-3666-3667__FINAL__internet.pdf>. Acesso em 06 out. 2016.

do artigo R47, e seguintes, do Código de Arbitragem em Matéria do Esporte, objetivando a anulação de decisão contestada ou o abrandamento da punição importa ao atleta.

Assim, para garantia de um processo célere e eficaz, o Presidente da Corte de Apelação do TAS agrupou os apelos do atleta, seu clube e federação uruguaia, recebendo um acordo entre as partes sobre as datas de interposição de suas manifestações, a fim de que os Árbitros tivessem tempo para analisar cada um dos apelos. Assim, em 27 de julho de 2014, Suárez e Barcelona interpuseram seus apelos, com igual teor e forma, postulando pela anulação da decisão tomada pelo Comitê de Apelação da FIFA, requerendo a imposição de uma sanção menos severa, consistindo em:

a. Uma suspensão em jogos consecutivos oficiais pela Seleção Uruguaia, em um número variável, entre dois e nove jogos, ou;

b. Alternativamente, uma suspensão em jogos consecutivos oficiais pela Seleção Uruguaia, em um número variável, entre dois e nove jogos, e uma multa monetária em um valor não maior do que os CHF$ 100.000,00 (cem mil francos suíços) estabelecidos na decisão recorrida316.

Além disso, atleta e seu clube postularam pela condenação da FIFA ao pagamento das custas processuais oriundas de todo o processo. Já no dia 28 do mesmo julho de 2014, a Federação Uruguaia remeteu a manifestação de sua apelação, requerendo a anulação da decisão do Comitê de Apelação da FIFA ou sua reforma para reduzir drasticamente as sanções impostas ao atleta Luís Suárez, objetivando, também, a condenação da FIFA ao pagamentos das custas processuais.

Intimada para se manifestar, a FIFA remeteu sua manifestação requerendo:

1. A declaração da ilegitimidade do F.C. Barcelona para figurar como parte; 2. A rejeição do pedido da Federação Uruguaia de Futebol para anulação da decisão do Comitê de Apelação da FIFA; 3. A rejeição do pedido do atleta Luís Suárez e do F.C. Barcelona para anulação da decisão do Comitê de Apelação da FIFA e a emissão de nova decisão; 4. A confirmação integral da decisão recorrida; 5. A condenação de todos os apelantes ao pagamento das custas processuais referentes à demanda em questão317.

Garantindo os princípios gerais do Direito, como ampla defesa e um processo justo, foi garantido a todas as partes a indicação de testemunhas a serem ouvidas, bem como depoimento pessoal do atleta e dos representantes do F.C. Barcelona e da Federação Uruguaia de Futebol.

316 Ibid.

317 TAS. Luis Suárez, FC Barcelona & Uruguayan Football Association v. FIFA, 2014, p. 6. Disponível na internet

em: <http://www.tas-cas.org/fileadmin/user_upload/award_3665-3666-3667__FINAL__internet.pdf>. Acesso em 06 out. 2016.

Em 08 de agosto de 2014 foi realizada, na sede do TAS, em Lausanne, audiência para ampla produção de prova oral, em que pese não tenha sido ouvida nenhuma testemunha, houve vasto debate entre os representantes das partes, tendo sido respeitado o direito à manifestação de todos os envolvidos. Na solenidade, o atleta e seu clube manifestaram que sua apelação não objetivava a anulação completa da decisão recorrida, mas, sim, uma redução da sanção que lhe fora imposta, considerando que o profissional reconhecia que sua conduta merecia punição. Todavia, o patamar imposto era desproporcional e inadequado, pois foram impostas quatro sanções por conta de uma única ação, além de que o mesmo já prestara desculpas públicas ao jogador agredido, as quais foram aceitas, e que, também, se obrigava a tratamento médico pessoalizado para melhorar seu autocontrole.

Na mesma solenidade, o representante da Federação Uruguaia reforçou o pedido de anulação da decisão recorrida, em sua totalidade, em razão da aplicação extensiva das regras da FIFA bem como a condenação a uma punição muito severa, considerando que o dano causado ao agredido foi mínimo, praticamente inexistente, que seguiu jogando após o incidente. Como razão principal da apelação, a Federação Uruguaia de Futebol postulou o reconhecimento da aplicação equivocada do art. 77, alínea ‘a’ do Código Disciplinar na decisão recorrida, já que o referido artigo fala sobre a responsabilidade do Comitê Disciplinar para punir infrações graves que não tenham sido observadas pelo árbitros e seus assistentes, sendo que o árbitro teria marcado lance livre em favor da Seleção Italiana, levantando outros casos como paradigma, em que houve maior dano aos agredidos, como da cotovelada do lateral-direito brasileiro Leonardo, na Copa do Mundo FIFA de 1994, que desmaiou e retirou do jogo o estadunidense Tab Ramos318, sendo punido por quatro jogos; bem como a fatídica cabeçada do francês Zinedine Zidane319 no zagueiro italiano Marco Materazzi, na final da Copa do Mundo FIFA de 2006, que teve punição de três jogos

O representante da FIFA manifestou-se, primeiramente, pela ilegitimidade do F.C. Barcelona para figurar na demanda, e, posteriormente, pela manutenção da decisão do Comitê Disciplinar. Reforçou a autonomia da FIFA e de seus órgãos para aplicação de suas regras internas, as quais limitam a revisão possível pelo TAS. Por derradeiro, afastou a comparação proposta pela Federação Uruguaia de Futebol, em relação aos casos citados (Leonardo e

318 Punição da FIFA a Suárez é a mais rigorosa da história das Copas; lembre outros casos. ESPN.com.br.

Disponível na internet em: <http://espn.uol.com.br/noticia/421206_punicao-da-fifa-a-suarez-e-a-mais-rigorosa- da-historia-das-copas-lembre-outros-casos>. Acesso em 10 out. 2016.

319 Zidane é suspenso pela FIFA por cabeçada em Materazzi. BBC. Versão Online. Disponível na internet em:

<http://www.bbc.com/portuguese/noticias/story/2006/07/060720_zidanesuspensao_crg.shtml>. Acesso em 10 out. 2016.

Zidane), já que com nada se pode comparar o ato do atleta Luís Suárez, qual seja, morder outro atleta, bem como a justificativa para a severidade da punição se deu pela reincidência do mesmo, que já havia praticado a mesma conduta antidesportiva em outras duas oportunidades em sua carreira.

Ouvidos os representantes de todos os envolvidos, o TAS reconhecendo sua jurisdição sobre, estabeleceu que a decisão deveria ser tomada com base nas regras internas da FIFA, já que os eventos da partida não foram contestados pelas partes e outras normas não foram levantadas. Assim, a Apelação foi condensada em duas grandes questões: a) se o Comitê Disciplinar da FIFA detinha o poder para punir o atleta nos termos do art. 77, ‘a’ de seu Código Disciplinar; e, b) se, sim, a punição foi imposta em um patamar adequado.

A primeira questão foi formulada como referência ao apelo da Federação Uruguaia, com intenção de afastar totalmente a sanção imposta ao atleta, já que, caso os órgãos da FIFA não detivessem poder para iniciar procedimentos disciplinares com base no art. 77, ‘a’ do Código Disciplinar, subsistiria qualquer punição ao mesmo. O segundo questionamento, por sua vez, refere-se aos apelos promovidos pelo próprio atleta e pelo F.C. Barcelona, acerca da necessidade de redução da punição imposta, sob alegação de que foi aplicada com violação aos princípios disciplinares e de forma desproporcional, além de que deveriam ser levados em consideração os atos do atleta para mitigar o resultado da agressão.

Como resposta ao questionamento da Federação Uruguaia de Futebol, sobre a possibilidade de punir o atleta com base no art. 77, ‘a’, o entendimento do TAS compreendeu que, sim, os organismos disciplinares da FIFA podem investigar os eventos da partida e punir o jogador, a partir do art. 77, ‘a’, do Código Disciplinar, em razão do teor do art. 108, 1, do mesmo Código Disciplinar, que prevê que “infrações disciplinares são processadas de ofício”320. Em relação ao segundo quesito, sobre o patamar adequado da punição imposta, o TAS reconheceu que a suspensão de nove jogos oficiais consecutivos pela Seleção Uruguaia, somada à inelegibilidade para qualquer partida oficial por quatro meses foi uma punição dura, porém, considerando os fatos envolvendo o caso, a sanção não se mostra excessiva e desproporcional, compreendendo, ainda, que a impossibilidade de que o atleta não pudesse participar de qualquer ações relativas ao futebol, sim, se mostrou desnecessária.

A decisão do TAS, analisadas todas as manifestações das partes, garantido acesso à ampla defesa e produção de todos os meios de prova cabíveis, foi: i) Reconhecer a legitimidade

320 FIFA. FIFA Disciplinary Code. 2011 edition. Disponível na internet em:

<http://resources.fifa.com/mm/document/affederation/administration/50/02/75/discoinhalte.pdf>. Acesso em 10 out. 2016.

do F.C. Barcelona para litigar na Apelação; ii) O recurso interposto por Luís Suárez, Federação Uruguaia de Futebol e F.C. Barcelona foi parcialmente acolhido; iii) A decisão do Comitê de Apelação da FIFA foi completamente anulada e substituída pela decisão do TAS; iv) O atleta foi considerado culpado pela violação do art. 48, parágrafo primeiro, alínea ‘d’ do Código Disciplinar da FIFA, pelo ato de agressão durante a partida entre as seleções nacionais de Itália e Uruguai na Copa do Mundo FIFA 2014; v) Em aplicação do art. 11, alínea ‘c’, combinado com o art. 19 do Código Disciplinar da FIFA, Luís Suárez foi suspenso por nove partidas oficiais consecutivas da Seleção Nacional Uruguaia de Futebol, iniciando no jogo entre Colômbia x Uruguai, no dia 28 de junho de 2014, na Copa do Mundo FIFA 2014; vi) Em aplicação do art. 11, alínea ‘c’, combinado com o art. 19 do Código Disciplinar da FIFA, Luís Suárez foi declarado inelegível de disputar qualquer partida oficial de futebol, em qualquer nível, por quatro meses consecutivos, a partir de 25 de junho de 2014; vii) Em aplicação do art. 10 combinado com o art. 15 do Código Disciplinar da FIFA, Luís Suárez foi multado no montante de CHF$ 100.000,00 (cem mil francos suíços), a serem pagos à FIFA, no prazo de trinta dias da decisão321.

Como as decisões do TAS são irrecorríveis, já que atua como última instância desportivo-jurídica em âmbito global, atleta, clube e federação aceitaram a decisão, reconhecendo sua jurisdição e eficácia, proveniente dos contratos e estatutos que são firmados por todos as pessoas, físicas e jurídicas, que atuam profissionalmente no futebol, e em todos os esportes do Movimento Olímpico, como demonstrado no capítulo em que foi abordado o funcionamento do Tribunal Arbitral do Esporte como principal centro emissor de juridicidade na Lex Sportiva. A decisão referente à punição imposta ao atleta Luís Suárez é paradigmática em razão dos institutos jurídicos abordados durante todo a tramitação do julgamento, desde as punições preventivas, internas ao âmbito da FIFA, até o processo junto ao TAS. Em todas as manifestações favoráveis à suspensão do atleta foram levantadas questões como reincidência, obrigação de reparação dos danos, caráter pedagógico da punição, garantia de um meio sadio no esporte. Já as manifestações pela redução da punição se basearam em proporcionalidade da pena imposta, caráter ofensivo mínimo da ação do atleta e proibição de dupla punição.

Por sua vez, a decisão final tomada pelo TAS é extremamente elucidativa e didática, foram resguardados todos os direitos e garantias fundamentais da Declaração da ONU, como ampla defesa, duplo grau de jurisdição, produção geral de provas, presunção de inocência.

321 TAS. Luis Suárez, FC Barcelona & Uruguayan Football Association v. FIFA, 2014, p. 28. Disponível na

internet em: <http://www.tas-cas.org/fileadmin/user_upload/award_3665-3666-3667__FINAL__internet.pdf>. Acesso em 06 out. 2016.

Ademais, a despeito do reduzido grau do dano causado ao atleta vítima, a severidade da punição foi pautada pelo histórico lesivo do atleta Luís Suárez, reincidente na ação de morder adversários, ou seja, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do mesmo, bem como as circunstâncias e consequências da ação, em jogo oficial de Copa do Mundo FIFA, foram considerados no momento de estabelecimento do quantum de pena imposta, sempre atuando com base nas previsões do Código Disciplinar da FIFA, norma norteadora da punição.

A punição de quatro meses de afastamento de qualquer partida oficial pode maquiar, um pouco, a severidade da punição. Porém, quando se analisa a suspensão de nove jogos oficiais pela Seleção Uruguaia de Futebol é que o caráter rígido se apresenta. A data da decisão final do TAS impôs como data inicial da punição o dia 28 de junho de 2014, primeira partida da Seleção Uruguaia de Futebol após o incidente, na qual a mesma foi eliminada da Copa do Mundo FIFA 2014 pela Seleção Colombiana de Futebol. Assim, restaram oito partidas oficiais para que Luís Suárez pudesse retornar a representar a seleção nacional de seu país, o que se deu somente em 25 de março de 2016322, portanto, 21 meses após a data de início da punição. Ou seja, a punição imposta ao atleta uruguaio perdurou por mais tempo do que se tivesse sido condenado pela justiça criminal brasileira323, o que demonstra e deixa cristalina a autonomia da Lex Sportiva e sua eficácia e eficiência em processar e julgar situações que lhe sejam inerentes,

enquanto ordem jurídico-desportiva transnacional.

O atleta permaneceu por 21 meses com sua liberdade de exercício profissional relativizado em relação a partidas oficiais pela seleção de futebol de seu país. Ainda que se possa dizer que os atletas não são assalariados pelas seleções nacionais, sua participação tem potencial gerador de contratos de patrocínios, já que as partidas oficiais entre seleções são televisionadas e amplamente divulgadas na imprensa. A liberdade de exercício profissional é um dos direitos garantidos pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, especialmente em

322 De volta ao Uruguai após 21 meses, Suárez tem um tabu contra o Brasil. ESPN Brasil. Versão Online.

Disponível na internet em: <http://espn.uol.com.br/noticia/586963_de-volta-ao-uruguai-apos-21-meses-suarez- tem-um-tabu-contra-o-brasil>. Acesso em 11 out. 2016.

323 O Código Penal Brasileiro regula, em seu art. 129, o tipo penal lesão corporal leve, com pena de detenção

estabelecida entre três meses e um ano. BRASIL. Decreto-Lei nº. 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Disponível na internet em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm> Acesso em 11 out. 2016. Além disso, como a ação de Luís Suárez causou lesão ínfima, sequer teria tramitado na ordem jurídica nacional, em razão da insignificância do ato na esfera penal. Apenas como comparativo, tanto o Código Penal Uruguaio, quanto o Código Penal Italiano (países de agressor e vítima), trazem o mesmo patamar punitivo do