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IV. O PRINCÍPIO DA CULPA NAS CONTRA ORDENAÇÕES

2. Contributos para a caracterização da culpa nas contra-ordenações

3.1. A culpa como fundamento da sanção contra-ordenacional

3.1.1. A negação da responsabilidade contra-ordenacional objectiva

Dizer que a culpa é fundamento da coima e das eventuais sanções acessórias equivale a dizer que ainda que se verifique uma acção típica e ilícita contra-ordenacional, se não houver culpa, a mesma não será sancionável.

A afirmação precedente tem como primeiro corolário lógico a ideia de que a responsabilidade contra-ordenacional não é puramente objectiva.

Não obstante, não é assim em todos os países. Na Grécia, por exemplo, é admitida a responsabilidade objectiva ao nível do Direito Administrativo

sancionador149. Também o Tribunal Constitucional colombiano, v.g., vem

aceitando que existem situações de responsabilidade objectiva ao nível do

derecho administrativo sancionador, sobretudo na área tributária, sem que tal

seja manchado com a nódoa da inconstitucionalidade. Num estudo sobre a jurisprudência do Tribunal Constitucional colombiano sobre a culpa nesta área

148

MANUEL SIMAS SANTOS e JORGE LOPES DE SOUSA. Contra-ordenações – Anotações, p.169.

149Disso dá conta K

LAUS TIEDEMANN, «El Derecho Penal Económico en la Comunidad Europea», Revista de Derecho y

ciências politicas, Facultad de Derecho y Ciências Politicas de la Universidad Nacional Mayor de San Marcos, Vol 50,

año 1993, Lima, pp. 417-436, também disponível em

http://www.unifr.ch/ddp1/derechopenal/articulos/a_20080527_19.pdf, consultado, pela última vez em 21.08.2013 (citado: «El Derecho Penal Económico»);

(anos de 1991-2007) MARIA LOURDES RAMÍREZ TORRADO dá-nos conta de que em matérias cambiárias e tributárias vem-se admitindo, excepcionalmente, a responsabilidade objectiva no paralelo que é o Direito Administrativo sancionador, o que, segundo cita, está relacionado com a manutenção da ordem pública e eficácia sancionatória. Por exemplo, no Acórdão C-10/2003

desse Tribunal decidiu-se que “En desarrolo de este objetivo que el Estado

impone deberes a quienes ejecuten actos, contratos y operaciones en el mercado cambiário, cuyo control, para que sea oportuno y eficaz, demanda total objectividad por parte de la administración, lo cual no se lograria si la efectividad del régimen sancionatório en esta materia dependiera de la demonstración de factores subjetivos como el dolo y la culpa”.

De todo o modo, este mesmo Tribunal assume a excepcionalidade desta responsabilidade objectiva, estabelecendo aliás, no Acórdão C-616/2002 alguns requisitos gerais para que a mesma seja constitucionalmente admissível: “En efecto, las sanciones por responsabilidad objetiva se ajustan a la Carta siempre y cuando (i) carezcan de la naturaleza de sanciones que la doctrina llama “rescisórias”, es decir, de sanciones que comprometen de manera específica el ejercicio de derechos y afectan de manera directa o indirecta a terceros; (ii) tengan un carácter meramente monetário; y (iii) sean de menor entidade en términos absolutos (tal como sucede en el caso de las sanciones de tránsito) o en términos relativos (tal como sucede en el régimen cambiário, donde la sanción corresponde a un porcentage del monto de la

supracción, o en el caso del decomiso, en el que la afectación se limita

exclusivamente a la propriedad sobre el bien cuya permanência en el território

es contraria a las normas aduaneiras”150

.

Na maioria dos países, contudo, não se admite a responsabilidade contra- ordenacional objectiva. Veja-se, v.g., no ordenamento jurídico espanhol, GARCIA DE ENTERRIA e TOMÁS-RAMÓN FERNANDEZ referindo que o também

paralelo (mas ainda assim bastante diferente) Direito Administrativo

150

MARIA LOURDES RAMÍREZ TORRADO, «Consideraciones de la Corte Constitucional acerca del principio de

culpabilidade en el âmbito sancionador administrativo», Revista de Derecho, n.º 29, Universidad del Norte, Colômbia, 2008, pp. 153-177 (citado: «Consideraciones de la Corte Constitucional»).

sancionador se abandonou a responsabilidade objectiva em virtude da

aplicação dos princípios penais. No Uruguai, SUSANA LOURENZO evidencia

também que nesse país se exige o dolo ou negligência nesta área do

jurídico151. Alguns Autores, como CESAR LOURENÇO SOARES NETO vão mesmo

ao ponto de afirmar que a admissão da responsabilidade objectiva nesta área

seria um “afronte a todos os conceitos da ciência jurídica152”.

A necessidade do fundamento da culpa é também afirmada ao nível comunitário.

A um tal nível é interessante verificar que o Tribunal de Justiça da União Europeia já tomou posição sobre a necessidade da culpa no Direito

Administrativo sancionador. Referem OLIVEIRA MENDES e SANTOS CABRAL“Com

esta elaboração analítica do Direito Administrativo sancionador da comunidade europeia produz-se uma curiosa transmissão do pensamento jurídico através

dos flexíveis casos comunicantes da jurisprudência (…) Para ilustrar este

fenómeno pode utilizar-se o exemplo da culpabilidade que só se reconhece nalguns países comunitários (Alemanha, Itália, Espanha) mas não do Reino Unido e França onde só aceitavam as strict liability offences e os delits

purement matériels. Em transe de escolher entre uma e outra possibilidade o

Tribunal de Justiça fez sua a doutrina da culpa a partir das sentenças de 16 de Novembro de 1983 (188/82 Thyssen contra AG) e 30 de Novembro de 1983

(270/82: Estel). Imediatamente a seguir o Tribunal da Cassação francês –

apegado até então à doutrina tradicional de denegação do princípio da culpa – na sua sentença de 5 de Dezembro de 1983 o aceitou declarando a prioridade dos princípios comunitários europeus do Direito Administrativo sancionador sobre os princípios de cada um dos Estados membros começando pelos

franceses”153

.

Desta europeização da culpa no dito Direito das contra-ordenações ou

análogos nos dá ainda conta KLAUS TIEDMANN quando refere “En el Derecho

comunitário, al respecto de las infracciones del TCECA la Comission ya en los

151

Citada por CESAR LOURENÇO SOARES NETO, Responsabilidad Ambiental subjetiva, p. 231.

152

CESAR LOURENÇO SOARES NETO, Responsabilidad Ambiental subjetiva, p. 236

153A

años ochenta mantenia todavia que era supérflua la prueba de la culpabilidad

individual. Mientras que al contrario, el TJCE154 lo más tarde en el caso

Thyssen declaraba la necessidad de constatar la culpabilidade”155

.

Entre nós, não é admitida a responsabilidade contra-ordenacional objectiva porquanto a própria definição de contra-ordenação contém o elemento da censurabilidade (art. 1.º do RGCO) nem tal se nos afiguraria admissível nas águas do Direito sancionatório.

Assim, é - parece-nos - a todos os títulos censurável a existência de normas do nosso ordenamento jurídico que admitem ainda assim o sancionamento de contra-ordenações sem pressuporem um juízo de culpabilidade, violando o princípio da culpa, sobretudo a propósito de responsabilidades solidárias e subsidiárias como pareciam insinuar v.g. os arts. 10.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 237/2007, de 19 de Junho, art. 551.º do Código do Trabalho ou art. 226.º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social.

Existiu até jurisprudência de certa maneira desvalorizadora da culpa nas contra-ordenações, como, v.g., o Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 08.10.2012, Proc. n.º 196/11.6TTBCL.P1, no qual, a propósito do art. 551.º do

Código do Trabalho, se sumaria que “A responsabilidade dos administradores,

gerentes ou diretores relativamente a coima atribuída a pessoa coletiva ou equiparada traduz-se apenas e tão só numa solidariedade pelo pagamento, pelo que não é necessário provar-se a sua culpa.” Existe contudo e compreensivelmente jurisprudência no sentido da inconstitucionalidade material de um tal entendimento. Neste sentido, cfr. Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, de 20.12.2011, P. 356/11.0T4AVR.C1 em que se sumaria que “A

norma do nº 3 do art. 551º do Código do Trabalho de 2009 padece de

inconstitucionalidade material, por violar o disposto no nº 3 do art. 30º da CRP, devendo, por esse motivo, ser recusada a sua aplicação”.

154

Actualmente Tribunal de Justiça da União Europeia.

155 K

Entendimentos inconstitucionais à parte, há que olhar o Direito das contra-ordenações como um Direito sancionatório que não prescinde do princípio da culpa, inexistindo, assim, responsabilidade contra-ordenacional objectiva.

Em suma, e como se sintetiza de forma lapidar no Ac. do Tribunal da

Relação de Coimbra de 11.03.2009, Proc. n.º 529/08.2TBMGR.C1 “I. - Um dos

princípios basilares do direito contra-ordenacional é o princípio da culpa. II. - Para que exista culpabilidade do agente no cometimento do facto é necessário que o mesmo lhe possa ser imputado a título de dolo ou negligência, consistindo o dolo «no propósito de praticar o facto descrito na lei contra-ordenacional» e a negligência na «falta do cuidado devido, que tem como consequência a realização do facto proibido por lei.”

3.1.2. A pessoalidade e intransmissibilidade da sanção contra-