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ORDENAÇÕES

Ponhamos em relevo uma nota prévia: o problema da fundamentação da sentença lato sensu (e não apenas da penal), é questão que deve preocupar os juristas não apenas de um ponto de vista dito endoprocessual (de persuasão dos destinatários e de racionalidade do sistema, sobretudo quanto aos recursos) mas também como problema dito extraprocessual, no sentido de ser factor de legitimação do poder judicial.

Ao nível contra-ordenacional, a culpa terá de ser apreciada e fundamentada na decisão administrativa e, havendo impugnação judicial dessa decisão em que se ponha em causa a culpa, será novamente apreciada na sentença do respectivo recurso de contra-ordenação.

Mas qual o grau de fundamentação exigível?

O dever de fundamentação na decisão administrativa será igual ao da sentença penal que constitui a sentença em sede de recurso de contra- ordenação?

Este é talvez um dos pontos mais sensíveis no seio da nossa Jurisprudência.

De um ponto de vista constitucional, a fundamentação das decisões é, desde logo, um imperativo que decorre do art. 205.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.

No que respeita ao grau de fundamentação exigível à sentença penal incidente sobre a impugnação judicial da decisão administrativa, não existem especialidades quanto ao dever existente em qualquer outra sentença penal (cfr. arts. 374.º e 375.º sobre os requisitos da sentença penal).

Da estrutura da sentença penal referida no art. 374.º do CPP (relatório, fundamentação, decisão) importa-nos, como é bom de ver, o segundo

segmento, quer na sua vertente de fundamentação de facto quer de Direito242.

Não se ignore, no entanto, que onde os problemas ganham especial densidade é quanto à fundamentação de facto.

Com efeito, em termos jurisprudenciais, vêm-se suscitando variadas questões: terão de estar na sentença todos os factos seja para dar como provados ou como não provados ou poder-se-á limitar a dar como provado ou não provada a factualidade que se tenha por relevantes para a decisão a proferir (não se pronunciando a sentença sobre os factos que a tanto se mostrem inócuos)? E que exigência ter quanto ao exame crítico da prova? É

necessário fundamentar facto por facto que elemento de prova foi relevante243?

O próprio Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre a constitucionalidade das diversas interpretações sobre a fundamentação exigida

pelo art. 374.º do CPP244.

No fundo, e no que diz respeito à fundamentação da matéria de facto, sendo a sentença penal feita por um ser humano, importa conhecer as suas

242

Veja-se a útil síntese sobre o que o dever de fundamentação exige em concreto, o que não exige, e ainda o que é ou não compatível com tal dever de fundamentação, em PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário, pp. 925 e ss.

243

Sobre tal questão dos factos não provados veja-se, v.g., o Ac. do STJ de 26.06.1995 (Proc. 048194), Ac. da Relação do Porto de 30.06.1999, Proc. n.º 9940546 e quanto ao exame crítico da prova, v.g., Ac. do S.T.J. de 01.03.2000, Proc. n.º 99P1179.

244

Na súmula empreendida sobre tal questão no Acórdão do STJ de 12.05.2005, Proc. n.º 05P657, refere-se o seguinte “E a norma que desenhou o dever de fundamentação no processo penal cumpre todas estas funções, como vem entendendo o Supremo Tribunal de Justiça e o Tribunal Constitucional. O Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre a constitucionalidade desta norma nos seguintes Acórdãos: - n.º 680/98 e 636/99: é inconstitucional a norma do n.º 2 do art. 374.º do CPP na interpretação segundo a qual a fundamentação das decisões em matéria de facto se basta com a simples enumeração dos meios de prova utilizados em 1.ª instância, não exigindo a explicitação do processo de formação da convicção do Tribunal; n.º 102/99: não é inconstitucional a norma do n.º 2 do art. 374.º do CPP quando interpretada no sentido de que, sendo vários os arguidos que, em co-autoria, praticaram os factos delituosos, o tribunal não tem que fazer uma fundamentação totalmente distinta para cada um deles; n.º 258/2001: não é inconstitucional a norma do n.º2 do art. 374.º do CPP quando interpretada em termos de não determinar a indicação individualizada dos meios de prova relativamente a cada elemento de facto dado por assente; n.º 382/98; não são inconstitucionais as normas do n.º 2 do art. 374.º (arts. 361.º, 368.º, n.º2), enquanto neste complexo normativo se não prevê a prévia quesitação de factos alegados pela acusação e pela defesa resultantes da discussão da causa e, consequentemente, a sua reclamação.”

motivações, o seu processo de formação de convicção, o processo lógico e racional pelo qual acedeu a uma concreta decisão quanto aos factos (em suma, conhecer os factos provados, não provados e o exame crítico da prova), pois só desta forma a sentença pode ser legítima, convencer e ser sindicável.

Percebe-se, por isso, que o legislador tenha ferido as decisões com falta de fundamentação com a nulidade. Com efeito, querendo indagar da sanção para o desrespeito dos requisitos previstos no art. 374.º do CPP, logo esbarraremos com o previsto no art. 379.º do mesmo Código, que estatui a nulidade da sentença penal com falta ou insuficiente fundamentação nos termos que a norma melhor explicita.

Isto quanto à sentença a proferir em sede de impugnação judicial da decisão administrativa contra-ordenacional.

Vejamos agora, brevemente, os requisitos de fundamentação exigíveis quanto à decisão administrativa que aplique uma sanção pela prática de uma contra-ordenação (sendo certo que o direito à fundamentação das decisões administrativas é um corolário do direito de audiência e que se aplica a todas as decisões, inclusive, as de arquivamento que ora nos não ocuparão).

O RGCO estatui, no seu art. 58.º, sob a epígrafe “decisão condenatória” que: “1 - A decisão que aplica a coima ou as sanções acessórias deve conter: a) A identificação dos arguidos; b) A descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas; c) A indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão; d) A coima e as sanções acessórias. 2 - Da decisão deve ainda constar a informação de que: a) A condenação se torna definitiva e exequível se não for judicialmente impugnada nos termos do artigo 59.º; b) Em caso de impugnação judicial, o tribunal pode decidir mediante audiência ou, caso o arguido e o Ministério Público não se oponham, mediante simples despacho. 3 – A decisão conterá ainda: a) A ordem de pagamento da coima no prazo máximo de 10 dias após o carácter definitivo ou o trânsito em julgado da decisão; b) A indicação de que em caso de impossibilidade de pagamento tempestivo deve comunicar o facto por escrito à autoridade que aplicou a coima”.

Face a este enquadramento legal, será de exigir o mesmo grau de fundamentação na decisão administrativa que expendemos quanto à sentença penal, designadamente, face ao objecto do presente escrito, ao nível da culpa? Sob a aparência de questão simples, a verdade é que tal questão vem agitando o pensamento quer na doutrina quer na jurisprudência, e, como é bom de ver, com importantes repercussões práticas.

Num dos extremos, poder-se-á, desde logo, entender que o grau de fundamentação da decisão administrativa será igual ou, pelo menos, análogo ao da sentença penal. Quem assim entende, ancora-se na aplicabilidade subsidiária do Código de Processo Penal em matéria de contra-ordenações, assim entendendo que se deverão exigir os requisitos de fundamentação previstos no art. 374.º do CPP ex vi art. 41.º do RGCO. Ainda que mitigadamente, já que apenas se referem à equiparação em termos de

estrutura, entendem OLIVEIRA MENDES E SANTOS CABRAL245 que

“Circunscrevendo-se o campo de aplicação ao processo contra-ordenacional

também aqui a decisão segue a estrutura da sentença em processo penal –

definida no artigo 374.º do Código de Processo Penal – embora de uma forma simplificada e proporcionada à fase administrativa daquele processo. Assim, teremos um relatório com a identificação dos arguidos: descrição do facto e das provas obtidas. Segue-se a fundamentação da decisão com indicação dos factos provados e a sua subsunção à norma contra-ordenacional. Por último a decisão termina com o dispositivo. (…) Importa, porém, salientar que nos encontramos no domínio de uma fase administrativa, sujeita às características de celeridade e simplicidade processual, pelo que o dever de fundamentação deverá assumir uma dimensão qualitativamente menos intensa em relação à sentença penal. O que de qualquer forma deve ser patente para o arguido são as razões de facto e direito que levaram à sua condenação, possibilitando ao arguido um juízo de oportunidade sobre a conveniência da impugnação judicial e, simultaneamente, e já em sede de impugnação judicial permitir ao tribunal conhecer o processo lógico de formação da decisão administrativa.”

Significa isto que, embora por referência à autonóma realidade contra- ordenacional, a fundamentação terá de ser a bastante para que o arguido possa exercer de modo conveniente os seus direitos de defesa, o mesmo sendo dizer que terá que ter descritos os factos relativos à culpa na prática da contra-ordenação e a apreciação crítica da prova que determinou a que os mesmos fossem dados como provados numa determinada modalidade (dando

conta do caso Alemanha vs Comissão 24/62, a este propósito, PAULO PINTO DE

ALBUQUERQUE246 não deixa de sublinhar que as decisões administrativas hão-

de ser precisas nos seus fundamentos de modo a permitir o exercício dos

direitos de impugnação. No mesmo sentido se pronuncia ANTÓNIO LEONES

DANTAS referindo que, na decisão administrativa não basta indicar as provas

mas sim indicar as bases do juízo de prova que conduziram a uma determina

decisão. Tal autor alicerça esta interpretação na seguinte premissa: “Acresce

que, nos encontramos num processo de natureza sancionatória, sendo fundamental para um exercício efectivo da defesa que quem é condenado conheça os fundamentos dessa condenação e saiba das razões pelas quais a entidade que decidiu o processo fixou os factos num determinado sentido. Só

desta forma pode contrariar esse juízo em sede de recurso de impugnação”247

. Noutro dos extremos estão os que entendem que o grau de fundamentação - designadamente da culpa - da decisão administrativa é muito menor ao da sentença penal já que os requisitos do art. 58.º do RGCO são menos exigentes que os previstos no art. 374.º do CPP, sendo que, nestas teses menos exigentes se inserem aqueles que admitem mesmo que a decisão administrativa se possa reconduzir a uma remissão para outra peça processual.

Que dizer?

No que tange à primeira das posições que defende um grau de fundamentação da decisão administrativa análogo ao da sentença penal por força da aplicabilidade subsidiária do art. 374.º do CPP ex vi do art. 41.º do

246

PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário, pp.18 e 19.

247 A

RGCO, salvo o devido respeito, parece-nos que parte de uma premissa errada: a da existência de lacuna.

Com efeito, na ausência de um Regime Geral das Contra-ordenações mais completo neste ponto (que, de iure condendo, nos pareceria preferível), em termos adjectivos, estabeleceu o legislador no art. 41.º do RGCO que “1 - Sempre que o contrário não resulte deste diploma, são aplicáveis, devidamente adaptados, os preceitos reguladores do processo criminal. 2 - No processo de aplicação da coima e das sanções acessórias, as autoridades administrativas gozam dos mesmos direitos e estão submetidas aos mesmos deveres das entidades competentes para o processo criminal, sempre que o contrário não resulte do presente diploma”.

Dir-se-á, ainda que óbvio, que apenas será de recorrer à legislação subsidiária (processo penal) quando constatemos estar perante uma lacuna e uma lacuna pressupõe sempre um vazio legal.

Ora, no caso dos requisitos da decisão administrativa, existindo norma expressa (art. 58.º do RGCO), não se vê que seja necessário - ou sequer

permitido - socorrermo-nos do regime processual penal248.

Sobre tanto, vejam-se os ilustrativos dizeres do Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 04.06.2008, Proc. n.º 0842856, quando sublinha que “No art. 58.º do Dec.-Lei n.º 433/82 estão especificados todos os requisitos que a decisão condenatória deve conter. A autoridade administrativa está obrigada ao cumprimento dessas especificações mas só ao cumprimento dessas. Se os requisitos da decisão administrativa condenatória estão enunciados no art. 58.º, não há lacuna pelo que não há que chamar à colação, nesta matéria, os requisitos do art. 374.º do CPP Por isso, a decisão da autoridade administrativa não tem que conter o esclarecimento do processo racional e

248 Concordamos pois com J. S

OARES RIBEIRO quando refere “temos a sensação que nem sempre se equaciona

devidamente esta realidade “sui generis” que é, ou deve ser, o processo de contra-ordenação na sua fase administrativa, fazendo-se por vezes, a nosso ver, um uso demasiado primário do princípio da aplicação subsidiária do processo penal consagrado no art. 41.º da lei-quadro, para não dizer uma errada equiparação da estrutura do processo de contra-ordenação na fase administrativa à estrutura processual penal.” – in «Questões», p. 122.

lógico subjacente à imputação dos factos que descreve (motivação da decisão de facto)”.

Com efeito, o recurso ao processo penal quando há norma expressa no RGCO poderá desvirtuar a diferente natureza que se quis imprimir às contra- ordenações, com prejuízo para a sua autonomia.

Mas o facto de haver norma expressa e não haver assim que aplicar o Código de Processo Penal leva-nos automaticamente à consideração de uma menor exigência quanto à fundamentação (designadamente da culpa) na decisão administrativa?

Não necessariamente…

Decisivamente a sentença penal e a decisão administrativa têm naturezas distintas e não se deve pretender equipará-las como se esta última fosse uma

“sentença penal menor”249, mas o diferente é isso mesmo… diferente, e não

menor ou menos exigente.

Há ainda quem defenda que a fundamentação da decisão administrativa é norteada não apenas pelos critérios do art. 58.º do RGCO mas ainda, por ser decisão de natureza administrativa, pelo art. 125.º do Código de Procedimento Administrativo (que admite decisões administrativas por remissão para outra peça processual, designadamente, para as propostas de decisão dos instrutores de processos contra-ordenacionais). Poder-se-á assim dizer que, sendo uma decisão administrativa, se lhe aplica subsidiariamente o art. 125.º do CPA na redacção ainda vigente.

Sem razão, a nosso ver.

Com efeito, sendo certo que se trata de uma decisão administrativa inserida numa fase administrativa, não é menos certo que o mesmo legislador que criou as fases administrativas e jurisdicional no processo contra- ordenacional, não consagrou regimes subsidiários distintos para cada fase, antes remetendo, em bloco, para o Código de Processo Penal (cfr. art. 41.º do RGCO).

249

A expressão não é nossa mas antes a utilizada no Ac. do Tribunal da Relação do Porto 09.02.2004, no Proc. n.º 0345075, “Não podem transformar-se as decisões das autoridades administrativos em sentenças penais, pois a natureza dos ilícitos é diferente, não sendo o direito contra-ordenacional um Direito Penal de grau menor”.

Significa isto que não se aceite que a decisão administrativa seja feita por remissão nos termos supra expostos? Não exactamente. Aceita-se, ainda que com diferente raciocínio.

De um ponto de vista formal, e se transpusermos as ideias processuais penais para o processo contra-ordenacional, enquanto que no processo penal temos uma magistratura do Ministério Público que investiga os factos e uma Magistratura Judicial que decide os factos, poder-se-á pensar que seria errado permitir que o instrutor que tem a seu cargo a recolha da prova quanto ao processo, seja a mesma pessoa que depois propõe a decisão, à qual só há uma adesão. No entanto, a Administração e os Tribunais, o processo penal e as contra-ordenações, são realidades distintas. No domínio contra- ordenacional não há duas magistraturas, o que há é um instrutor de um processo, na dependência hierárquica de quem adere à sua proposta, sendo certo que é esse instrutor quem teve a imediação com eventuais testemunhas, arguido, etc.

Por outro lado, pugnar pela não remissão para a proposta do instrutor por banda do decisor administrativo quando este concorda integralmente com a mesma, na era informática em que vivemos, apenas levará a exercícios de

“copy/paste”, que em nada aumentarão as garantias dos arguidos.

Tal como refere J. SOARES RIBEIRO, aqui seguido de perto, “Obrigar a

decisão a repetir literalmente considerações já expressas noutra peça processual é uma imposição vazia de sentido que apenas tem por resultado o

desperdício de tempo”250

.

Ademais, e do ponto de vista dos direitos e garantias dos arguidos, não vemos que tal decisão por remissão diminua as garantias e direitos do mesmo, desde que (e esta nota sim é importante!) a proposta do instrutor, que lhe foi notificada, tenha todos os elementos a que se refere o art. 58.º do RGCO.

Aliás esta é a linha de pensamento mais consonante inclusivamente com jurisprudência uniformizada. Com efeito, refere o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência (Assento) n.º 1/2003, publicado no D.R., IA, n.º21, de

25.01.2003, pp. 547 ss., que “Quando em cumprimento do disposto no art. 150.º do Regime Geral das Contra-ordenações o órgão instrutor optar, no termo da instrução contra-ordenacional, pela audiência escrita do arguido, mas, na correspondente notificação, não lhe fornecer todos os elementos necessários para que este fique a conhecer da totalidade dos aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito, o processo ficará

doravante afectado de nulidade, dependente de arguição, pelo

interessado/notificado, no prazo de 10 dias após a notificação, perante a própria Administração, ou, judicialmente, no acto de impugnação da subsequente decisão/acusação administrativa.”

De resto, a técnica legislativa da decisão por remissão não é algo completamente estranho mesmo ao Processo Penal.

Veja-se a redacção do art. 425.º, n.º 5 do CPP, ainda que relativamente a

Acórdãos absolutórios, quando refere que “Os Acórdãos absolutórios

enunciados no art. 400.º, n.º1 al. d), que confirmem decisão de 1.ª instância sem qualquer declaração de voto podem limitar-se a negar provimento, remetendo para os fundamentos da decisão impugnada.”. Note-se que apenas nos referimos a este artigo do CPP para sublinhar que a técnica legislativa da decisão por remissão também existe no Código de Processo Penal e não por entendermos que são situações equiparáveis. Efectivamente, não deixamos de reconhecer que num caso se está a falar de um Acórdão absolutório e no outro se está a falar de uma decisão administrativa condenatória.

No sentido de não ser válida a decisão administrativa por remissão, veja-

se SIMAS SANTOS E LOPES DE SOUSA quando referem “Como resulta dos

próprios termos da al. b) do n.º 1 deste artigo, é necessário incluir na decisão a descrição factual e a indicação das normas violadas e punitivas, não bastando uma mera remissão para qualquer outra peça processual, mesmo que se trate

de auto de notícia” 251

.

Outros autores, como é o caso de ANTÓNIO BEÇA PEREIRA, defendem

mesmo a inexistência de tais decisões por remissão, assinalando, a este

251 M

propósito, que “No caso de ser proferido apenas despacho de concordo, reportando-se a um parecer que o anteceda estar-se-á perante uma verdadeira inexistência de decisão, visto que desrespeitou em absoluto os requisitos

estabelecidos nesta norma” 252

.

A propósito de tal questão expendem ainda OLIVEIRA MENDES E SANTOS

CABRAL as seguintes considerações: “Relativamente à legitimidade da

remissão feita na decisão para a proposta elaborada por um instrutor, entidade que continua legalmente encarregada de elaborar a instrução e que esteve em contacto directo com a defesa, pois que presidiu à audição do arguido e à inquirição das testemunhas por aquele apresentadas ou constantes da acusação perfilhamos o entendimento de Soares Ribeiro no sentido de que os preceitos do processo penal deverão ser “devidamente adaptados” o que não pode ter outro sentido senão o de considerar que é diferente a natureza da decisão porque é diversa a estrutura organizatória e funcional da Administração. Por um lado é preciso ter em conta que a estrutura do processo de contra-ordenação na sua fase administrativa não é uma estrutura acusatória baseada em duas magistraturas autónomas e independentes, como se disse, ao contrário do que sucede com os processos judiciais. Na fase administrativa o processo obedece a uma estrutura inquisitória, tanto mais que quem instrui está na dependência hierárquica de quem decide. Por outro lado a função jurisdicional do juiz não é rigorosamente a mesma da autoridade administrativa quando decide aplicar a coima. Se mais diferenças não houvesse aí está a lei a dispor que a decisão administrativa é revogável em caso de invalidade relativa, ao passo que a função do juiz se esgota na sentença,

salvaguardando-se apenas a correcção de erros materiais”253

.

Em suma, o regime adjectivo é instrumental do substantivo e não um fim em si mesmo e, se a proposta do decisor continha todos os elementos a que alude o art. 58.º do RGCO, a fundamentação a ter em conta é a que daí resulte (posto que, claro, se tenha dado a mesma por integralmente reproduzida para