• Nenhum resultado encontrado

Parte II – Os conceitos aplicados

4. A internacionalização da economia portuguesa no âmbito do processo de globalização

4.4. A “opção africana” das empresas portuguesas

Os PALOP têm constituído um dos principais destinos do IDPE (cerca de 5% em 1995 e 3,2% em 1996), mas a curva do investimento não tem sido muito sustentada, apresentando altos e baixos contínuos, ao sabor de projectos vultuosos mas isolados. É interessante verificar que Angola, mesmo durante a guerra, já era o único destino na África de expressão portuguesa a manter um ritmo crescente de captação do investimento, embora com montantes muito abaixo das potencialidades. Entre 1996 e 1999 o investimento privado no país mais do que triplicou247.

Moçambique é o país que até ao final da década de 90 mais fortemente atraiu o investimento português, embora não escape ao padrão dos altos e baixos ao sabor dos anos. Este país, tal como Cabo Verde, apresenta uma estabilidade política e macro- económica invejáveis no contexto africano, e tem vindo a adaptar a sua legislação no sentido de atraír o capital externo, apesar da polémica lei restritiva da contratação de expatriados.

246

Produzidos pelas empresas alemãs em Portugal.

247

O investimento português nos PALOP Países 1994 1995 1996 Angola 256 446 1301 Cabo Verde 48 3081 80 Guiné-Bissau 42 1 107 Moçambique 4005 269 2343 S.Tomé e Príncipe 5 5 0 Total 4351 3782 3831 Fonte: (Oliveira, 1997:135)

Ao contrário do investimento em países da União Europeia, nomeadamente em Espanha, em que o principal objectivo é a comercialização de produtos e serviços, o investimento nos PALOP tem por objectivo imediato deslocalizar a produção, de forma a obter vantagens ao nível dos custos, aproveitando sobretudo o preço exíguo da mão- de-obra, a proximidade das matérias-primas e contando com o desenvolvimento positivo do mercado interno emergente. Em termos de custos da mão-de-obra, por exemplo, importa referir que o salário mínimo na indústria em Moçambique era de cerca de 272 mil meticais em 1995, o que corresponde a um valor inferior a 4 mil escudos mensais (+- 20 euros)248. No entanto, enveredando por formas mais “avançadas” de internacionalização, as empresas estão naturalmente sujeitas a riscos acrescidos, pois os montantes envolvidos são maiores e o seu retorno mais incerto. A este facto acresce ainda o risco político, a ausência de muitas infraestruturas de apoio, a obsolescência das instalações, a falta de recursos humanos qualificados, a fraca produtividade do trabalho e a inoperância do Estado de direito.

Nestas circunstâncias, as empresas voltam-se para as instituições da Cooperação Portuguesa em busca de apoios e incentivos, os quais têm sido concedidos de forma bastante parcimoniosa. Os projectos apoiados foram poucos, 662 ao todo durante cinco anos de vida (1992-96) do Fundo para a Cooperação Económica (Oliveira, 1997: 136), entidade responsável pelo apoio ao investimento em países subdesenvolvidos, que durante os três primeiros anos de existência funcionou sem quadro de pessoal e desviando fundos para actividades de funcionamento interno, que nada tinham a vêr com o apoio à cooperação empresarial (Oliveira, 1994:229). Além disso, faltam apoios a nível de capital de risco – os programas limitam-se a financiar os estudos prévios e a bonificação dos juros - e durante muito tempo estiveram centrados no apoio às

248

exportações, garantias que se saldaram em dívidas monstruosas por insolvência dos compradores (MNE,1995). A Cooperação Portuguesa tem estado mais ocupado em reorganizar-se sucessivamente, presa a querelas inter- institucionais, do que em exercer as funções normais de organismos deste tipo, até por falta de uma visão estratégica global, capaz de orientar uma acção, que até ao presente tem primado pela fragmentação e ineficácia249. Apesar disso, os empresários continuam interessados em procurar oportunidades de negócio nos PALOP, pois as missões sucedem-se e apesar dos solavancos dos fluxos de investimento, não há notícia de desinvestimento. A banca portuguesa está sobre- representada nestes países, sobretudo em Moçambique, onde praticamente domina o sector, o que desde logo trai uma expectativa elevada em relação ao desenvolvimento positivo da cooperação empresarial. No mesmo sentido vai o empenho da Associação Industrial Portuguesa e da Câmara do Comércio e Indústria, que participaram activamente na apresentação de programas de incentivos para as empresas com projectos para Angola e Moçambique (PIEP Moc e PIEP Ang).

4.4.1. O caso de Moçambique250

Moçambique constituiu um exemplo de interesse particular para as empresas portuguesas, pois detém uma posição privilegiada entre os PALOP no que diz respeito à capacidade de captação de investimento externo251. Só o investimento privado passou de 3 472 mil milhões de meticais em 1996, para 42 913 em 2002. Grande parte deste investimento é estrangeiro, uma fatia considerável do mesmo é proveniente de Portugal, mas a maior é sul- africana e está relacionada com o mega- projecto de produção de alumínio da Mozal.

A primeira retoma do crescimento económico em Moçambique coincidiu com a expansão da economia portuguesa após a recessão de 92/93. A conjugação de uma série de factores, em ambos os países, sobretudo entre 94 e 1999, promoveu um certo encontro de interesses ao nível das relações comerciais e mesmo do investimento.

O fim do conflito armado e a pacificação que se seguiu ao sucesso do processo eleitoral, assim como a estabilização nominal, foram determinantes para a criação de um ambiente propício ao investimento, tal como uma série de medidas de reforma estrutural

249

Basta para tal lêr as crónicas anuais de Jorge Costa Oliveira «Cooperação com os PALOP», publicadas nos Anuários da Economia Portuguesa, publicados pela Associação Portuguesa de Economistas.

250

Todos os dados numéricos apresentados foram extraídos de: Banco de Portugal, 1997; Banco de Portugal, 1998; Indicadores económicos 1989-1994 e 1994-1996 do Banco de Portugal e Instituto Nacional de Estatística, 1998 e Banco de Portugal, 2000.

simultâneas a nível económico (controle da inflacção252e da dívida externa253, redução dos desiquilíbrios da balança de pagamentos, com sensível retoma das exportações e alguma quebra nas importações durante o ano de 1997254), jurídico (panóplia legislativa que permitiu liberalizar e flexibilizar o investimento privado e o processo de privatizações) e financeiro (reforma do sistema financeiro a partir de 1987 e sobretudo 1989, que permitiu a multiplicação de instituições financeiras, sobretudo bancárias, a liberalização gradual das taxas de juro, a redução do spread entre as taxas de câmbio do mercado oficial e paralelo, a introdução do Mercado Monetário Interbancário e do mercado de capitais). Acompanhando os processos de estabilização política, económica e monetária e as privatizações, o investimento directo estrangeiro também cresceu bastante entre 1994 e 1996255, mas caíu ligeiramente em 1997, ficando sobretudo muito aquém do previsto256 para este ano. A poupança interna bruta subiu quase ininterruptamente desde 1993, e sobretudo desde 1997 (dada a quebra registada em 1996) e as taxas de juro também diminuíram bastante no final da década de 90, embora tenham voltado a aumentar significativamente depois disso, situando-se nos 20,6% em Abril de 2002. O investimento interno em Moçambique é desde 1998 fundamentalmente privado, embora o investimento público também tenha crescido, nomeadamente devido aos programas de combate à pobreza. O deficit das contas do Estado é, em grande medida, sustentado pelas contribuições dos doadores bilaterais e multilaterais257, embora a parte de receita pública gerada internamente, sobretudo devido à melhoria do sistema fiscal, tenha vindo a aumentar. Resta portanto a captação do investimento estrangeiro, que registou só entre 2000 e 2001 um crescimento de 83,5%258, embora continue dificultado pelas deficientes infraestruturas, escassez de recursos humanos qualificados e sobretudo, a permanência de uma grande desconfiança entre os eventuais investidores.

Mesmo assim, os sucessos macroeconómicos, que transformaram Moçambique, em pouco tempo, num “aluno modelo” do FMI, fizeram do país um destino relativamente

251

Pelo menos até ao surto de expectativas em relação a Angola.

252

5,8% de taxa de variação homóloga em 1997, depois de ter atingido os 70,07% em 1994 e apresentar valores da ordem dos 16,56 no final de 1996.

253

Reescalonamentos vários e participação na Iniciativa HIPC.

254

Devido em parte ao aumento de produção interna de bens de consumo, o que explicaria a fatia

considerável de máquinas e aparelhos nas importações. Ex: 30% do total das importações provenientes de Portugal, 2º parceiro comercial, depois da África do Sul.

255

Em milhões de USD – 35,0 em 1994, 45,0 em 1995 e 72,5 em 1996.

256

Previsão de 132,0 milhões de USD para uma realização efectiva de 64,4.

257

Saldo orçamental global – 1997 (est.) –20,1 excluindo donativos e –5,7 incluindo donativos.

258

apetecível para o investimento externo259, nomeadamente o sul-africano e o português. Na segunda metade da década de 90 do século XX, quando se registou o grande boom do IDPE, também a economia portuguesa apresentava indicadores positivos, tanto ao nível do crescimento económico, como do controle da inflação em níveis muito baixos (3,1 em 1996), como ainda às reduzidas taxas de juro, que convidaram ao investimento. Muitas empresas procuram encontrar novos clientes para os seus produtos e parcerias para negócios e empreendimentos de grande potencial e menos sujeitos à intensa concorrência que caracteriza os mercados centrais da Europa ocidental e da América do Norte. Neste sentido, Moçambique oferece, aparentemente condições ideais260, aliando uma invejável estabilidade política, com uma economia controlada e em crescimento, incentivos ao investimento externo e a atracção exercida pela língua e por capítulos de história vividos em comum.