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Parte II – Os conceitos aplicados

3. Cultura e eficácia empresarial

3.1. O que é a eficácia?

3.1.4. A perspectiva integrada

Uma das questões para a qual não se encontra facilmente uma resposta, é o facto de todos os modelos que relacionam cultura e eficácia de um ponto de vista da integração de julgamentos dos constituintes múltiplos, chegarem invariavelmente a quatro dimensões descritivas da eficácia, de cujo equilíbrio resultaria uma noção mais global de eficácia organizacional. Porquê quatro e não cinco ou três? Talves a explicação para isso seja de índole eminentemente cultural, mas não é essa agora a questão em apreço. Segundo a perspectiva integrada a eficácia empresarial resulta do equilíbrio instável e negociado entre portadores de valores e interesses contrastantes. Os modelos que

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reflectem esta perspectiva são vários e, de um modo geral, induzidos a partir de material empírico.

Esther Morin (1996: 79), cujo trabalho tem vindo a ser seguido, considera que é possível inscrever em quatro dimensões básicas a avaliação da eficácia, nomeadamente: (1) uma dimensão psico-social, correspondente ao valor atribuído aos recursos humanos na organização; (2) uma dimensão económica, que julga a eficiência; (3) uma dimensão política que avalia a legitimidade da organização junto dos grupos externos, nomeadamente os que constituem o ambiente relevante; (4) e uma dimensão sistémica que se interessa pela perenidade da empresa. Sendo assim, uma organização globalmente eficaz será aquela que atribui aos recursos humanos o valor que estes julgam suficiente para colaborar; economicamente eficiente, de tal modo que os detentores de capital considerem válida a continuidade do investimento; suficientemente legítima aos olhos dos grupos externos para proporcionar o seu apoio e, como consequência de tudo isto, capaz de assegurar a sobrevivência e o crescimento.

Uma outra representação quadridimensional da eficácia organizacional é a proposta por Daniel Denison (1990). Este autor refere quatro hipóteses, que em conjunto constituem um modelo explicativo da relação cultura/ eficácia. A primeira hipótese é a do envolvimento (Idem:6), e parte do princípio de que existe uma relação entre o envolvimento dos recursos humanos, a sua participação activa e autónoma e a eficácia da organização. Esta hipótese, directamente ligada à teoria das relações humanas, pode também ser relacionada com a dimensão psico- social proposta por Morin. Em segundo lugar, Denison refere a hipótese da consistência (Idem:8), ou seja a da «cultura forte» baseada num núcleo de princípios básicos partilhados, que conduzem a acção dos membros e potenciam a comunicação.

Embora tanto a hipótese do envolvimento como a da consistência associem eficácia a inclusão, distinguem-se pela forma como a concebem: como um processo democrático, com uma ênfase evidente em meios informais de integração interna (bottom – up); ou como integração normativa, acção coordenada a partir de cima, oferecendo a vantagem de proporcionar um processo mais rápido de tomada de decisão (top- down). Esta hipótese da consistência não é facilmente identificável com nenhuma das dimensões propostas por Morin, uma vez que a dimensão política que esta autora propõe está ligada à legitimidade face aos grupos externos, por um lado, e à negociação interna entre grupos com valores e interesses diferentes, o que contradiz a ideia de consistência

integradora proposta por Denison, a qual está muito mais próxima do modelo de processo interno sugerido por Quinn154 (1991:51).

A terceira hipótese de Denison é a da adaptabilidade (Idem:11). Virada para o ambiente externo, esta hipótese baseia-se na perspectiva sistémica da organização, mas Denison vai um pouco mais além, propondo uma distinção entre a adaptação passiva, imposta pelo ambiente, e a adaptação pró-activa, sendo que a tendência para esta última pode ser potenciada ou contrariada pela cultura.

«To formulate a proactive, cultural theory of organizational adaptation, one needs to describe a system of norms and beliefs that can support the capacity of an organization to receive, interpret, and translate signals from its environment into internal behavioural changes that increase its chances for survival, growth, and development. Theorists such as William Starbuck and Walter Buckley, for example, using the language of general systems theory, have discussed the concept of morphogenesis, or the capacity of a system to acquire an increasingly complex adaptive structure. Such concepts can readily be used to describe the means by which an organization continually alters its internal structure and processes in a manner that increases its chances for survival. The system of norms and beliefs that supports this capacity can help to define a theory of the way in which culture can influence the adaptation process.» (Denison, 1990:11-12)

Por fim, Denison refere a hipótese da missão (Idem:13), entendida simultaneamente como atribuição de significado à existência e à actividade da empresa, assim como à função do indivíduo no seu seio; e como “farol” direccionador da acção individual e colectiva para determinados fins pré- estabelecidos. Parte-se do princípio que a existência de um sentido de missão claro e partilhado promove a acção eficaz.

Denison, tal como Morin, tal como Quinn consideram que uma cultura organizacional eficaz é precisamente aquela que consegue «reconciliar exigências contraditórias» (Idem:15) e embora esta perspectiva integrada seja também ela capaz de reconciliar a dinâmica dos compromissos com o equilíbrio básico desenhado pelo seu conjunto, é forçoso questionar se a cultura, que pode promover a adaptabilidade do sistema, assim como pode contrariá-la, não poderá infligir ao equilíbrio quadridimensional proposto por estes modelos, um desvio constante, com o qual haverá que contar, não contrariando-o, mas gerindo-o, numa perspectiva de inovação adaptativa.

3.1.4.1. O desvio cultural constante

A ideia é a de uma adaptação pró-activa tendo em consideração o meio, as contingência e, obviamente, a questão cultural, nos seus vários sentidos, nacional, organizacional e

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mesmo profissional, e nos resultados entrelaçados dos mesmos. Para dar um exemplo concreto desta problemática complexa tome-se o problema dos quadros superiores moçambicanos em empresas portuguesas. Está-se, neste caso, perante uma questão que envolve pelo menos essas três dimensões culturais interligadas: as culturas nacionais (portuguesa e moçambicana), a cultura organizacional (ela própria problemática, pois pode-se estar a falar de empresas constituídas por portugueses em Moçambique, ou de filiais de empresas sediadas em Portugal, o que levanta desde logo a questão do desenvolvimento de uma cultura própria ou da imposição da cultura da casa- mãe) e as culturas profissionais (já que se trata de quadros profissionalizados e não de trabalhadores indiferenciados). A estas dimensões poder-se-ia ainda acrescentar a étnica, que é frequentemente tornada muito visível155, em grande medida por ser a forma mais evidente de explicar os problemas sentidos. E se não vale a pena referir a cultura de género, é porque ela não parece ser ainda muito relevante neste âmbito, já que a maioria esmagadora dos quadros são homens. Perante isto, parece que a melhor forma de abordar a eficácia organizacional em empresas com um grau de complexidade tão elevado como o que se entrevê pela simples menção desta única questão, é a metáfora da «floresta húmida» evocada por Weick (Morin, 1996:49), em que a ordem mínima que permite a continuidade e o crescimento se afirma como o resultado de uma dinâmica caótica. Nesta organização tipo «floresta húmida», o jogo é encorajado, no sentido da recombinação de elementos que acaba por conduzir à criação de novas formas, mais adaptadas ao meio, mas simultaneamente exercendo uma acção transformadora sobre este. Nesta linha, também Minzberg (Idem:52) conclui pela inexistência de modelos ideias de gestão eficaz, defendendo que cabe a cada organização construir a sua estrutura própria, adoptando formas estabelecidas ou combinando-as de maneira criativa. No caso das empresas portuguesas em Moçambique, não existem formas estabelecidas - já que o modelo colonial deixou de fazer qualquer sentido - pelo que estão condenadas à criatividade. No entanto, a criatividade está ela própria condicionada, quer pelo “material disponível” para criar, ou seja, as formas existentes susceptíveis de serem combinadas; quer pela capacidade “cultural” de operar essas recombinações. Essas condicionantes são responsáveis pela presença de um “desvio cultural” constante, que altera o equilíbrio entre os valores contrastantes proposto pelos vários modelos que interpretam a relação cultura/ eficácia a seguintes.

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esta luz. Defende-se aqui que este “desvio” não deve ser contrariado, mas criativamente explorado, tendo em conta o conjunto das condicionantes já referidas, inseridas nos seus respectivos contextos. E é precisamente por causa da importância que aqui assume o contexto, que ele vai merecer pelo menos uma abordagem descritiva, antes de passar à apresentação da metodologia e dos resultados obtidos em campo, que vêm precisamente revelar a constância do “desvio cultural”, para além de oferecer alguns exemplos, quer da utilização criativa do mesmo, quer das consequências negativas da sua negação.

Parte III – O contexto

«Aucune civilisation ne forme un tout qui doive être adopté ou rejeté en bloc. Les civilisations sont le produit d’un bricolage incessant. (…) Rien ne change que par reprise de l’héritage local. » (Warnier, 1993:285)

Seria certamente interessante, no âmbito da exposição do contexto que se propõe, não só abordar alguns dos traços mais salientes da cultura dos actores sociais que aqui se cruzam (portugueses e moçambicanos), mas também o percurso desse encontro, que é longo e deixou marcas que influenciam hoje, de forma indelével, o carácter dos actuais reencontros. Infelizmente tal empresa alargaria desmesuradamente a extensão deste trabalho e sobretudo a sua complexidade disciplinar, o que acabaria por implicar uma descentragem em relação ao objecto principal, ou seja a gestão de recursos humanos nas actuais empresas portuguesas em Moçambique. Seja como for, e uma vez que se defende a ideia da utilização de instrumentos e políticas de gestão propiciadoras de uma adaptação pró-activa tendo em consideração o meio, é normal que este seja referido com alguma profundidade, procurando ir entretecendo considerações que esclareçam minimamente a razão de ser das diferentes interpretações.

Sendo assim, nesta abordagem necessariamente limitada do contexto, referir-se-ão as empresas africanas em geral, assim como as moçambicanas e também as portuguesas. Abordar-se-á o processo de internacionalização da economia portuguesa, centrado na primeira metade da década de 90 do século XX, que corresponde ao grande boom inicial e finalmente falar-se-á dos expatriados, que é um tema da máxima importância por três motivos: (1) em primeiro lugar porque são eles que basicamente estabelecem o contacto directo como o Outro, e são, por conseguinte, a face humana da internacionalização; (2) em segundo lugar porque, se a relação humana é fundamental em qualquer latitude156, ela adquire um protagonismo essencial no continente africano; (3) e finalmente, porque apesar de tudo isto, é um dos factores mais desprezados pelos empresários portugueses que investem no estrangeiro.