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1.3 TERRITÓRIO, REDES E POLÍTICAS PÚBLICAS DE SEGURANÇA

1.3.2 A organização do espaço em redes e a era digital

O espaço geográfico, segundo muitas abordagens, constrói-se e articula-se a partir das redes, que transportam as regras e normas. Milton Santos fez reconhecidas constatações sobre a importância, complexidade e hierarquização das redes geográficas, formadas, segundo ele, por um conjunto de pontos fixos interligados por meio dos fluxos. Neste ínterim, formam-se diversos tipos e subtipos, como as redes de transportes, as digitais e as urbanas.

São os fluxos entre dois ou diversos elementos que criam as redes. Todavia, esses fluxos transfronteiriços são impulsionados pelos diferenciais que existem entre os conjuntos socioespaciais limítrofes. Esses fluxos perpassam os reflexos da economia e da sociedade e tem no deslocamento populacional sua representatividade.

A questão da mobilidade sobre a fronteira é essencial para se compreender aquele território. A forma de locomoção e comunicação utilizada pela grande parcela daquela população se estabelece em suas estratégias de sobrevivência quase que diária. Este fato se deve à sua posição sobre uma parcela do espaço, especialmente aquela carente das políticas públicas governamentais (PEITER, 2005).

A abordagem do presente estudo torna-se importante em virtude da relação entre a situação da fronteira e o risco dos homicídios e demais crimes particulares daquele território, para que possa pensar em políticas públicas adequadas que visem à diminuição da criminalidade na fronteira e no Brasil como um todo.

Assim, podem-se perceber as redes como um conjunto de locais da superfície terrestre conectado ou interligado entre si. Estas conexões podem ser materiais, digitais e culturais, além de envolver o fluxo de informações, mercadorias, conhecimentos, valores culturais e morais, entre outros. Este conceito servirá para entender, acima de tudo, como se formam e se difundem as redes do narcotráfico pela Tríplice Fronteira.

Ao conceito de rede se pressupõe uma sociedade inserida em um contexto onde os indivíduos estão integrados de maneira sistêmica constituídos de múltiplas relações. A rede propicia uma realidade complexa onde tudo está conectado. Na rede está intrínseca a realidade social, econômica e política em que se destacam as relações dos indivíduos e as zonas de concentração na rede (SCHNEIDER, 2005, p. 52).

Importante analisar como a concepção de redes de políticas públicas, assim como a rede do tráfico e contrabando, se desenvolveu acompanhado do aparecimento de novas tecnologias do conhecimento. A Era Digital oferece uma grande potencialidade de expansão da comunicação entre os mais diversos sujeitos e a transposição das fronteiras transnacionais (KENIS & SCHNEIDER, 1991).

O governo brasileiro investiu 76 bilhões de reais na área da segurança pública no ano de 2015. No ano seguinte houve um acréscimo de 2 bilhões12 nos investimentos nesta área. Ainda que os investimentos em segurança pública tenham aumentado, os níveis de violência não sofrem retrocesso no país. Conforme estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), entre os anos de 2005 e 2015, a taxa de homicídios evoluiu em mais de 10%.

Diante da Era Digital que vivemos, dificilmente tomaremos uma ação sem que essa interaja com algum tipo de tecnologia. Sendo assim, do ponto de vista da segurança pública, as forças de segurança devem ser cada vez mais equipadas e

12 Considerando que o dólar em dezembro de 2015 custava 3,87 reais, os investimentos brasileiros em Segurança Pública no mesmo ano contabilizaram 19,6 bilhões de dólares, conforme o Banco Central do Brasil.

especializadas de modo a aproveitar ao máximo as tecnologias a seu favor no combate ao crime.

De maneira geral, os criminosos aproveitam as tecnologias para cometer suas práticas criminosas, como contrabando e tráfico de drogas. As tecnologias utilizadas pelos criminosos são diversas, tais como serviços de telefonia, internet, softwares, transportes, rádios amadores, etc. A polícia deve se apropriar também das tecnologias para atuar na interceptação, investigação (descobrir quando e onde os criminosos irão agir e quem são esses criminosos) e gerar as provas para prender e manter encarcerados os criminosos.

A utilização das tecnologias pode ajudar a reduzir as taxas de homicídios no território transfronteiriço e no país como um todo. Para que isso ocorra, é fundamental a aplicação de uma metodologia correta. Pois, a partir de um planejamento devidamente estruturado é que as ferramentas tecnológicas atingirão seu máximo potencial.

Conforme Luciana Fernandes, diretora de marketing da Suntech / Grupo Verint, é relevante que a metodologia não seja a simples utilização das ferramentas digitais, mas a melhor maneira de colocar esses recursos em prática. Por mais eficientes que sejam as tecnologias, elas não estão em primeiro lugar. As táticas eficazes de segurança pública se iniciam nas observações dos problemas para, depois disso, tomar as atitudes corretas, investigar, gerar provas e solucionar os crimes. Pois, é necessário, antes de tudo, analisar o conceito operacional e definir a metodologia de trabalho, e, posteriormente, averiguar a melhor tecnologia a ser empregada.

Para acompanhar a era digital a serviço da segurança pública, é importante que os agentes das forças de segurança se mantenham atualizados com as ferramentas tecnológicas. Entende-se que a capacitação desses profissionais deve ser periódica, para que possam estar à frente dos criminosos na investigação, geração de provas, interceptação de pessoas e produtos e condenar os culpados.

O Plano Nacional de Segurança Pública institui a criação de Núcleos de Inteligência Policial. Embora diversos órgãos de segurança pública disponham de serviços de inteligência, uma grande parte do combate ao crime no Brasil tem sido o combate corpo a corpo ou o excessivo número de policiais nas fronteiras e nas ruas do país. O diferencial deve ser os serviços de inteligência ajustados ao uso das mais diversas tecnologias.

Os agentes de segurança convivem diariamente com o perigo. Por isso, é necessário ofertar um grande suporte para esses profissionais, como capacitação para o uso dos serviços de inteligência e tecnologias. Pois, existe uma grande urgência combater o crime organizado e diminuir as taxas de homicídios em nosso país.

A Figura 7 mostra a utilização das tecnologias a serviço da segurança pública.

Figura 7 - O uso das tecnologias a serviço da segurança pública

Fonte: Imagem disponível em: <https://suntech.com.br/artigos/4-opcoes-melhorar-seguranca-publica- era-digital>. Acesso em: 10 out. 2020.

Conforme demonstrado na Figura 7, o monitoramento preventivo é um importante aliado das forças de segurança, pois, em caso de acontecimento de um crime permite uma ação rápida da polícia e na identificação dos criminosos para que sejam punidos por suas ações.

Dentro da conjuntura regional que se desenha na tríplice fronteira, está a conexão das redes do tráfico, que se articula entre os municípios daquela região. Compreender como se formam essas redes, seja a do território paraguaio, argentino ou brasileiro, é relevante para verificar a disseminação da criminalidade e a atuação das forças de segurança na região transfronteiriça.

Castells (2005) afirma que as redes de tecnologias digitais é que proporcionam o surgimento de redes que vão além de sua abrangência histórica. De acordo com Castells (2005, p.17) as redes podem “ao mesmo tempo, ser flexíveis e adaptáveis graças à sua capacidade de descentralizar a sua performance ao longo de uma rede de componentes autônomos”.

Sendo assim, conforme aponta Castells, é nessa etapa de descentralização da performance dos agentes sociais no campo mediático que se coloca um processo de desterritorialização, o qual cede diante da distância inserida no espaço entre esses agentes. Esse processo propicia a coexistência em uma sociedade em redes, ou seja, abdica das fronteiras haja vista que não existe local de chegada ou de partida, uma vez que todas as conexões estão interligadas (MOURA; MOURA, 2011).

Giddens (1990, p.45) reitera que, nessa conjuntura, “as relações sociais são deslocadas dos contextos territoriais de interação e reestruturam-se por meio de extensões indefinidas de espaço tempo, favorecendo uma organização racional da vida humana, mudança esta só viabilizada por um sistema técnico que permite um controle do espaço e do tempo”. Ademais, Haesbaert (2009, p.107) frisa a relevância de não compreendermos a distinção entre territorialização e desterritorialização de uma maneira dicotômica:

pois mesmo no atual período técnico-científico, onde o “espaço desterritorializado”, esvaziado de “seus conteúdos particulares”, perde seu conteúdo relacional e identitário, transformando-se numa rede funcional ou “espaço abstrato, racional, deslocalizador” (ORTIZ 1994, p. 105/107), também há margem para importantes processos de reterritorialização.

De acordo com Haesbaert,

assim com a modernidade não pode ser definida sem sua contraface, o tradicional, a desterritorialização está indissociavelmente ligada com a (re) territorialização, pois na prática proliferam as interseções e as ambigüidades. Podemos afirmar que o que caracteriza o espaço moderno é tomado por empréstimos o termo de Latour (1991) num contexto um pouco diferente, a hibridização e os ritmos acelerados que transpassam territorialização e desterritorialização (HAESBAERT 2009, p.198)

Castells (2005) revê o papel da informação na sociedade moderna por via das redes formadas entre as suas características sociais, econômicas e políticas, ligadas pela tecnologia e pela informação. As alterações estruturais da economia mundial são desencadeadas por essas articulações em rede, no qual a informação e o conhecimento são pilares fundamentais nas dinâmicas laborais e empresariais.

Estes dois conceitos, na forma de meios concretos, materializam-se com o recurso à tecnologia, o que leva a que, à sua existência, esteja relacionada à polarização e a exclusão de países que não dispõem de tanta acessibilidade e, por isso, de tanta informação.

As transformações estruturais da economia global são desencadeadas por essas articulações em rede, onde a informação e o conhecimento são pilastras vitais nas dinâmicas laborais e empresariais. Estes dois conceitos, na forma de meios concretos, materializam-se com o recurso à tecnologia, o que leva à sua existência, que está incluída a polarização e a exclusão de países que não tem acessos a uma gama de informações. A globalização acaba por não servir como solução a essa contingência, não resolvendo questões associadas às distribuições desiguais de meios e fundos, levando a uma menor competitividade de quem sai prejudicado nessas distribuições (CASTELLS, 2005).

Já Milton Santos (1999) define rede como caráter de articulação e interdependência. Para Dias (2001) as redes implicam fluxos e conectividade. O tráfico (de drogas e/ou armas) evidencia sua internacionalização através da criação de redes. Conforme Milton Santos (1996, p.125): “a noção de rede global se impõe nesta fase da história [...]”.

O evento do contrabando e tráfico se assenta em alguns territórios e coloca sua lógica de produção, com a vantagem de possuir amplo conhecimento do espaço ocupado como fundamental condição para promover a livre circulação. A dispersão espacial e a flexibilização de ligação entre diferentes pontos dos territórios que ocorrem dentro do tráfico é que o torna articulado em redes, até mesmo ao nível internacional (GEMELLI, 2012).

Raffestin assinala que existe o controle cada vez maior das redes de circulação dos sujeitos e dos bens. No presente estudo destaca-se o controle das redes pelos traficantes de drogas e armas em face ao controle das redes em sua área de domínio pelos policiais do BPFron. Nesta relação de poder entende-se que “controlar as redes é controlar os homens e impor-lhes uma nova ordem que substituirá a antiga” (RAFFESTIN, 1993, p. 213).

É na Tríplice Fronteira e na região do Lago Itaipu que se formam as “redes do narcotráfico”. Por ser uma região de grande extensão territorial há uma grande dificuldade de se controlar esse território por parte das forças de segurança. Combater a criminalidade em uma grande área de cobertura, como o Lago Itaipu e

todos os cento e trinta e nove municípios da faixa de fronteira paranaense, com efetivo inferior ao previsto, é uma das grandes dificuldades encontradas pelo Batalhão de Polícia de Fronteira (BPFron).

O Lago de Itaipu vem sendo um dos principais pontos de atuação do BPFron. Formado em 1982, o Lago possui uma extensão de 170 km, com locais onde a distância entre as margens brasileira e paraguaia ultrapassa os 12 km, assim como há locais em que as distâncias são inferiores a 500 metros. São quinze municípios paranaenses banhados pelo Lago de Itaipu, conforme Figura 8, e que pertencem a área de atuação do BPFron.

Figura 8 - Municípios paranaenses lindeiros ao lago de Itaipu, sob jurisdição do BPFron

Fonte: IBGE, 2012.

As implicações da disputa pelo controle do tráfico não se limitam apenas à região da fronteira. As redes do tráfico se estendem por todo o território nacional e até para outros países. O Brasil é o segundo maior consumidor de cocaína, depois dos EUA, segundo a Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes, ligada às Nações Unidas.

Conforme o Observatório da Fronteira (2017), a rede formada pelos narcotraficantes dentro do território nacional e que conta com criminosos paraguaios, permite a difusão das drogas por diferentes regiões e dificulta a ação das forças de segurança.

1.3.3 Circuitos espaciais de produção das drogas (produção no território paraguaio,