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A organização do trabalho na fábrica

No documento Colecao Diplomata - Tomo II - Geografia (páginas 140-144)

GEOGRAFIA DA INDÚSTRIA E GLOBALIZAÇÃO

3.2. ORGANIZAÇÃO INDUSTRIAL

3.2.3. A organização do trabalho na fábrica

A I Revolução Industrial teve como espaço industrial o manchesteriano, assim chamado em referência à cidade de Manchester, Inglaterra. A tecnologia empregada é “a máquina de fiar, o tear mecânico, o descaroçador do algodão. O ramo básico é o têxtil de algodão. E a classe trabalhadora típica é o operariado das fábricas têxteis” (MOREIRA, 2006: 136). Segundo Ruy Moreira, “a base do sistema manchesteriano é o trabalhador por ofício, um trabalhador assalariado, geralmente pago por tarefa e ainda egresso dos tempos da manufatura” (loc. cit.).

Dessa forma, “a organização do trabalho por ofício determina a forma de organização do espaço interno da fábrica, cujo traço mais específico é a porosidade”, já que o operário utiliza diversos tipos de ferramenta e de matérias-primas, causando grande “número de interrupções do trabalho dentro da jornada, obrigando-se [...] a parar a produção a cada momento que pega uma ferramenta ou desloca-se entre os diferentes pontos da fábrica” (ibid.: 137). Isso prejudica a produtividade e

influencia no custo da mercadoria. As jornadas podiam chegar a doze horas em um ambiente, com frequência, insalubre.

Na II Revolução Industrial, conforme citado anteriormente, a reação do capitalismo à crise foi a concentração econômica e a administração científica. Essa se baseou na organização do trabalho dentro da fábrica e surgiu, primeiramente, com o taylorismo. Para Benko (2002: 246),

[...] F. W. Taylor (1856-1915) não inventou a divisão do trabalho, mas deu-lhe um novo impulso ao desenvolver uma organização científica do trabalho. Taylor estudou a organização do trabalho partindo da análise do trabalho individual na oficina para remontar até a organização da direção da fábrica. Esquematicamente, o taylorismo assenta em alguns procedimentos ou princípios para tornar o trabalho mais eficaz, aumentar o rendimento: a seleção dos operários; a aplicação, a única maneira de executar uma tarefa, que deve ser imposta ao operário; a especialização, isto é, a limitação da variabilidade das tarefas; a subdivisão do trabalho em elementos simples que se encadeiam; a aplicação de um método de observação rigoroso; as responsabilidades da direção na preparação do trabalho. Nesse sistema, os operários não qualificados se “especializam” numa tarefa, que eles executam a um ritmo imposto. Nos princípios taylorianos, a separação entre a engenharia e o escritório dos métodos, a fabricação qualificada das máquinas e a execução desqualificada (as cadeias de montagem) é muito nítida. O taylorismo continua marcando os sistemas de organização do trabalho. Sua base de decomposição das tarefas em unidades simples e de cronometragem está em aplicação na maioria das empresas pelo menos até os anos recentes.

Ruy Moreira (2006: 139) complementa Benko:

[...] com o taylorismo, surge o trabalho por tarefa, específico, fragmentário, mediante o qual o tempo se encurta pela repetição, ao infinito, dos mesmos gestos corporais, num ritmo de velocidade crescente. O cerne dessa lógica é o vínculo produto-máquina-operário, em que a especialização do produto especializa a máquina-ferramenta e esta especializa o trabalhador. A arquitetura da fábrica da segunda revolução industrial, alicerçada no fluxo da energia elétrica, favorece a implantação das regras do taylorismo [...], tornando a fábrica um ambiente mais arejado, iluminado e espaçoso. Este novo arranjo do espaço desfaz o arranjo manchesteriano e impõe seu molde em toda extensão do espaço interno da fábrica.

Ford se utiliza do taylorismo em sua fábrica, criando “o princípio da cadeia contínua, que implica submissão à cadência do conjunto da máquina” (BENKO, op. cit.: 236). Assim, os operários são distribuídos ao longo da esteira rolante e “repetem como autômatos o movimento ininterrupto e contínuo da montagem” (MOREIRA, loc. cit.). O taylorismo inaugura a separação entre trabalho manual e trabalho intelectual, entre execução e direção, e, dessa forma, ocorre a revolução organizacional do capitalismo mencionada por Bresser Pereira.

Ford, outrossim, introduziu a “estandardização das peças e dos produtos para a fabricação de produtos baratos, únicos suscetíveis de se venderem em massa” (BENKO, loc. cit.) e “a concessão de salários elevados para desenvolver a produção em massa pelo consumo em massa” (loc. cit.). Desse modo, o fordismo ultrapassou “o simples domínio da organização do trabalho” (loc. cit.), correspondendo também “a uma lógica particular de crescimento no nível macroeconômico” (BENKO, 2002: 236). Ruy Moreira (2006: 140) acrescenta que

[...] completa essa separação espacial entre quem pensa (o engenheiro) e quem executa (o operário), principal característica estrutural desse período técnico, um sistema espacial de gestão fortemente hierarquizado. [...] O projeto é explicado pelo engenheiro e a explicação percorre de chefe a chefe toda a fábrica, até chegar à execução do operário. Para isso, o chão da fábrica é dividido em várias porções de espaço, cada qual sob a gestão de um chefe. E, se o número de trabalhadores do setor é ainda grande, divide-se este número em grupos de quatro ou cinco, quebrando-se as chefias em novas sub-chefias, fragmentando a organização do espaço fabril numa rede hierárquica de chefias tão ampla que, por vezes, esta engenharia gerencial chega a atingir um quinto ou um quarto do número de trabalhadores envolvidos na tarefa de produção. A hierarquia ganha tal dimensão, que a vigilância, supostamente um meio e uma regra, torna-se um fim. Por meio desta regulação taylorista-fordista, a fábrica se automatiza e vira um sistema de produção padronizada, em série e em massa, com sua correspondência no trabalho padronizado, parcializado e massificado, e corolário no regime de salariato mensal, que elimina o salário por peça e extingue a porosidade do paradigma anterior.

Esse novo espaço da fábrica é reproduzido fora dela, e cria-se “um sistema de hierarquia territorial entre as cidades, com base em seus respectivos equipamentos terciários, que se reproduz no espaço como um todo” (loc. cit.). Da cidade, a hierarquia atinge os campos, e ao reorganizar o

espaço nacional, é reproduzida também entre os países, o que torna a logística e a infraestrutura motor dessa divisão do trabalho; cabe ressaltar que nada disso seria possível sem a ativa participação do Estado e do planejamento territorial. Benko (op. cit.: 236-7), por sua vez, lembra que o fordismo

[...] é um modo de regulação que repousa na manutenção de forte aumento da produtividade, condição necessária para aumento da demanda sem baixa das taxas de lucro. A intervenção do Estado, o desenvolvimento dos acordos entre parceiros sociais nos países industrializados, depois de 1945, favorecem o aumento regular da demanda, que é condição necessária desse modo de regulação. Esse modo de regulação está em crise desde o começo dos anos [19]70, e sua substituição por um sistema flexível está em curso.

Harvey (2005) assegura que houve dois impedimentos à disseminação do fordismo no entre- guerras. O primeiro é a dificuldade de aceitação pelo trabalhador desse modo de regulação, e o segundo é a forma de intervenção estatal a ser utilizada. Esse problema só foi resolvido após a II Guerra Mundial, com a associação entre fordismo e keynesianismo, a qual criou “um longo período de expansão pós-guerra que se manteve mais ou menos intacto até 1973” (ibid.: 125). Segundo o autor (ibid.: 125; 129),

[...] o período pós-guerra viu a ascensão de uma série de indústrias baseadas em tecnologias amadurecidas no período entre-guerras e levadas a novos extremos de racionalização na Segunda Guerra Mundial. Os carros, a construção de navios e de equipamentos de transporte, o aço, os produtos petroquímicos, a borracha, os eletrodomésticos e a construção se tornaram os propulsores do crescimento econômico, concentrando-se numa série de regiões de grande produção da economia mundial – o Meio Oeste dos Estados Unidos, a região do Ruhr-Reno, as Terras Médias do Oeste da Grã-Bretanha, a região de produção de Tóquio-Iocoama. As forças de trabalho privilegiadas dessas regiões formavam uma coluna de uma demanda efetiva em rápida expansão. A outra coluna estava na reconstrução patrocinada pelo Estado de economias devastadas pela guerra, na suburbanização (particularmente nos Estados Unidos), na renovação urbana, na expansão geográfica dos sistemas de transporte e comunicações e no desenvolvimento infraestrutural dentro e fora do mundo capitalista avançado. [...] A forte centralização do capital, que vinha sendo uma característica tão significativa do capitalismo norte-americano desde 1900,

permitiu refrear a competição intercapitalista numa economia americana todo-poderosa e fazer surgir práticas de planejamento e de preços monopolistas e oligopolistas. A administração científica de todas as facetas da atividade corporativa (não somente produção como também relações pessoais, treinamento no local de trabalho, marketing, criação de produtos, estratégias de preços, obsolescência planejada de equipamentos e produtos) tornou-se o marco da racionalidade corportativa burocrática.

O fordismo, contudo, não alcançava a todos. Isso gerou uma onda de insatisfação com aqueles que se viam privados do padrão de vida veiculado pelo consumo de massa, como negros e mulheres, bastante marginalizados no mundo desenvolvido. Nos países subdesenvolvidos, essa insatisfação também foi vivenciada, ainda que direcionada às classes dominantes que se favoreciam do fordismo periférico. A legitimidade do Estado keynesiano dependia, portanto, de sua capacidade em levar os benefícios trazidos pelo fordismo – acesso generalizado à saúde, à educação, ao saneamento e à moradia –, a todos, e para isso, era fundamental a “contínua aceleração da produtividade do trabalho no setor corporativo” (HARVEY, 2005: 133).

No documento Colecao Diplomata - Tomo II - Geografia (páginas 140-144)