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Espaço industrial

No documento Colecao Diplomata - Tomo II - Geografia (páginas 127-131)

GEOGRAFIA DA INDÚSTRIA E GLOBALIZAÇÃO

3.2. ORGANIZAÇÃO INDUSTRIAL

3.2.1. Espaço industrial

Alfred Weber criou a Teoria da Localização Industrial a fim de estabelecer em que área deveria ser instalada certa atividade industrial. Ao contrário da teoria de Von Thunen, a de Weber permite alternativas para a localização de uma indústria, já que se fundamenta no custo mínimo de transporte das matérias-primas para a indústria e do produto final, da fábrica para o mercado consumidor. Conforme Guilherme de Matos (2005: 41), “o custo de transporte das matérias-primas e do produto final depende do peso do material a ser transportado e da distância a ser percorrida”.

Assim, a localização da indústria “não influencia[ria] o comportamento de outras, sendo um regime de concorrência perfeita” (MATOS, 2005: 41). No modelo de Weber, “o preço dos produtos e as taxas de transporte das matérias-primas e produtos são iguais e constantes” (loc. cit.). Outros

dois fatores que definiriam a localização industrial são o custo de mão de obra e as economias de aglomeração. Estas interferem diretamente na redução dos custos da firma, uma vez que diversas empresas que compartilham, por exemplo, a mesma infraestrutura urbana, conseguem reduzir o valor do produto final. Segundo Anita Kon (1999: 164),

[...] as vantagens representadas por redução nos custos de implantação e operacionalização das plantas industriais, advindas da existência no local de uma infraestrutura de serviços públicos e privados – em forma de transportes, comunicações, suprimento de energia, atividades financeiras, comerciais, de assessoria, de manutenção e outras –, constituem as denominadas “economias de aglomeração”. A localização industrial em tais áreas, de um modo geral, implica concentração de uma série de indústrias, tendo em vista que os recursos concentrados visam extrair o máximo rendimento, alternativamente à pulverização dos investimentos em infraestrutura. A administração pública, com este intuito, pode criar distritos industriais, através da atração de indústrias, seja por legislação específica ou por subsídios e isenções vantajosas. Neste sentido, as economias de aglomeração devem incluir serviços sociais que atendam à população que para lá se dirige, com a criação de núcleos habitacionais, serviços de ensino, saúde, e outros equipamentos comunitários. No entanto, a criação de economias de aglomeração e a atração de indústrias para um determinado local podem ocorrer independentemente do planejamento governamental específico. Uma das razões pode ser a economia de escala obtida com a produção de certos componentes ou produtos industriais intermediários, comuns às varias indústrias da região, que acarretam maior intensidade da demanda para essas indústrias ali localizadas. É o caso das indústrias de autopeças, que se concentram junto às montadoras de veículos.

Acerca das economias de escala, comumente acompanhando as economias de aglomeração, Benko (2002: 229-30) afirma que, por muito tempo,

[...] grande parte da explicação da realidade industrial repousou na análise dos custos, e notadamente na análise da evolução dos custos de cada bem produzido em virtude da dimensão das unidades que o produziam. Desde os começos da análise econômica moderna, e sobretudo depois dos estudos de A. Marshall, admite-se que os preços de custo unitários devem diminuir com o tamanho das unidades, até certo estágio – por causa da presença de economias de escala – para aumentar depois – por causa da presença de deseconomias de escala. [...] Numa dada atividade, quando a quantidade dos fatores de produção cresce (trabalho, capital, etc.), existem

ganhos de eficácia tais que a quantidade de bens produzidos cresce proporcionalmente mais depressa que a quantidade de fatores: fala-se então de “rendimentos de escala crescentes”. Nessas circunstâncias, os custos de produção de cada bem diminuem: aparecem as economias de escala. A partir de certo estágio, os rendimentos de escala se esgotam. [...] Os custos de produção unitários se põem a aumentar: aparecem as “deseconomias de escala”.

As economias de aglomeração são um entre diversos aspectos que influenciam a macrolocalização industrial. Os demais são: custos e eficiência dos transportes, áreas de mercado, disponibilidade e custos de mão de obra, custo da terra, disponibilidade de energia, suprimento de matérias-primas, disponibilidade de água, eliminação de resíduos, dispositivos fiscais e financeiros, chegando mesmo à conhecida guerra fiscal, e elementos intangíveis, como tradição familiar (Hermès), produtos artísticos de alto valor comercial (cristal da Boê​mia), ou produtos certificados de origem (champagne) (KON, 1999: 158-66).

A microlocalização industrial decorre de fatores como condições do relevo, qualidade do solo, vias de acesso e comunicação, serviços públicos, capacidade da infraestrutura, situação legal da propriedade, outros dispositivos legais, como os referentes a critérios ambientais e às limitações nos padrões construtivos, e instalações físicas no terreno a que se destina a indústria (ibid: 166-8). De todo modo, independente dos fatores micro e macrolocacionais, o espaço industrial é descrito por Pierre George (1970: 101) como concentrado, universal, descontínuo, móvel e organizado em feixes de relações.

Para o geógrafo francês (GEORGE, 1970: 101), é concentrado porque “as atividades de produção industrial só interessam a um número reduzido de países, que apresentam relativa densidade de industrialização”, ocupando a produção, mesmo nesses países, superfícies restritas. Universal porque os sistemas técnicos são basicamente os mesmos, ou seja, as técnicas industriais utilizadas no Brasil são as mesmas que na França, por exemplo. Se considerarmos o maior desenvolvimento tecnológico dos países desenvolvidos, devemos lembrar que há a disseminação – ou imposição? – das tecnologias e das técnicas.

Descontínuo porque, ao contrário do espaço agrícola, as indústrias ocupam “manchas isoladas e pontos aglomerados em alguns setores do globo, quando todo o resto é desprovido deles”. O

resultado disso é que “o espaço industrial é sempre um espaço de relações” (ibid.: 105). A densidade destas determina se a área em que as indústrias estão localizadas é classificada como complexo, região ou centro industrial. No complexo industrial, há diversificação dos produtos fabricados e interdependência das fábricas; a região abarca área mais extensa que a do complexo, mas a densidade industrial é inferior a deste, podendo não se verificar a mesma diversificação. O centro industrial é o complemento de um núcleo urbano.

O espaço industrial é móvel porque há a possibilidade de as fábricas serem transferidas para outros locais, seja para reduzir custos de mão de obra, seja por qualquer outro motivo, como energia mais barata, mercado consumidor, qualificação de mão de obra etc. Contudo, um dos principais fatores que orientam a mudança de plantas industriais, além também das deseconomias de escala/aglomeração, são os incentivos fiscais concedidos por governos a fim de atrair indústrias, a chamada guerra fiscal. Isso acarreta, no Brasil, forte competição entre os Estados e entre os municípios, devido ao apelo eleitoreiro que esses empreendimentos criam.

Pierre George (op. cit.), ao afirmar que o espaço industrial é uma teia de relações, fundamenta-se na teoria do desenvolvimento regional, bastante disseminada na França, já que uma das principais influências dessa teoria foi a obra de François Perroux. Este autor, conforme Anita Kon (1999: 170) acreditava que as mudanças estruturais na economia eram causadas pelo “aparecimento e desaparecimento de indústrias”, pela “proporção variável das diversas indústrias no fluxo do produto industrial global durante períodos sucessivos” e por “taxas diferenciadas de crescimento entre indústrias”. Por sua vez, essas mudanças estruturais

[...] refletem também a propagação do crescimento de uma indústria ou de um grupo de indústrias, possibilitando novas invenções que originam novas indústrias. Dessa forma, Perroux descreve um modelo alternativo, em que o crescimento não surge em toda a parte ao mesmo tempo, porém manifesta-se com intensidades variáveis, em pontos ou polos de crescimento, e propaga-se segundo vias diferentes e com efeitos finais variáveis no conjunto da economia. A base de observação dessa modalidade de crescimento está em determinadas indústrias que se desenvolvem mais cedo que as outras, segundo formas de grandes indústrias modernas caracterizadas pela forte concentração de capitais, decomposição técnica de tarefas​, mecanização e separação dos fatores de produção entre si. São denominadas “indústrias ​motrizes” [...]. Estas

[...] têm a propriedade de, mediante o aumento do volume de sua produção, acarretar aumento do volume de produção de várias outras indústrias ditas “movidas”. [...] A indústria motriz e as movidas compõem um “complexo industrial”, em que coexiste um regime não concorrencial e uma concentração territorial (KON, 199: 171).

Desse modo, “a teoria do desenvolvimento regional sempre se interessou pela questão das trocas inter-regionais” (BENKO: 2002: 68), visto que “as trocas constituem um dos fundamentos de especialização local. A abordagem tradicional empregada” está assentada “no estudo da vantagem comparativa (a partir de dotações preestabelecidas), na troca mercantil e nos fluxos espaciais concomitantes de capital e trabalho” (loc. cit.). Ainda de acordo com Benko,

[...] um enfoque mais recente se articula em torno da nova divisão espacial e internacional do trabalho – introduzida pela empresa multinacional e, de maneira mais geral, pela empresa de estabelecimentos múltiplos –, na qual as diferentes fases do processo de produção são atribuídas no espaço de modo diferenciado, em função de suas características tecnológicas e do nível de qualificação que requerem. Nesta ótica, as atividades de alta tecnicidade e as funções direcionais são reservadas às regiões centrais, ao passo que as tarefas repetitivas, pouco qualificadas e que requerem considerável mão de obra se veem relegadas à periferia. As trocas se fazem entre as diferentes regiões, permanecendo internas à firma (loc. cit.).

Voltaremos a esse tema no tópico 6.4, à frente.

No documento Colecao Diplomata - Tomo II - Geografia (páginas 127-131)