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O campo de pesquisa: o contexto e os colaboradores da pesquisa

GALPÃO DA ASSOCIAÇÃO CAIXA D ÁGUA

3.4 A chegada a Jacarandá e os primeiros contatos com as crianças

3.5.1 Contextualizando a sala de aula 1 A professora

3.5.1.2 A organização da sala de aula

A escola de Jacarandá iniciava as aulas às 7 horas e as encerrava às 11h20m (TAB. 7). A tolerância quanto aos atrasos era, geralmente, de 15 minutos. Mas a professora Mariana tinha uma tolerância maior, até 7h25m. Passado esse período, ela identificava os alunos presentes e ausentes e convidava a todos para uma oração em círculo na frente das carteiras. Todos os dias, após a oração, a professora Mariana anunciava quais seriam as matérias estudadas durante aquela aula.

A professora tinha certo controle da distribuição do tempo para os eventos na sala de aula (TAB. 7). Ela trabalhava uma disciplina antes do recreio e outra depois do recreio. Nessa organização, as disciplinas de Português e Matemática eram sempre trabalhadas nos primeiros horários e muitas vezes se estendiam um pouco mais após o recreio.

Tabela 7 - Distribuição do tempo em um dia de aula HORÁRIOS EVENTOS 7h Entrada 7h 25m Oração 7h 30m Leitura de histórias 7h 40m Disciplinas (1° e 2° horários) 9h15m Recreio 9h45m Disciplinas (3°, 4° e 5º horários) 11h20m Saída

Fonte: Trabalho de Campo.

No mês de agosto, a professora entregou o horário das disciplinas digitado para que cada aluno colasse em seu caderno (FIG.4). Com essa informação seria mais fácil organizar os materiais e o tempo de estudo. Foi preciso tempo para que os alunos se acostumassem a consultar o quadro e se lembrassem de trazer o material adequado para a aula.

Figura 4 -Quadro de horário das disciplinas

Fonte: Trabalho de campo, 2012.

O quadro de distribuição de horários (FIG. 4) das disciplinas revela uma organização em módulos de cinquenta minutos de segunda a sexta-feira, mas, na prática, o tempo não seguia rigorosamente nem os horários dos módulos nem tampouco o ritmo de aprendizagem dos alunos. A professora organizava o tempo conforme o sinal do recreio, que, em geral, soava entre 9 horas e 9h15m. As disciplinas Português e Matemática eram sempre trabalhadas antes do recreio.

Para o estudo dos conteúdos disciplinares os alunos eram organizados em agrupamentos muito variados. Nos primeiros dias de aula, a professora foi organizando os

alunos nas carteiras de forma a ter um maior controle da disciplina e maior contato com os alunos que apresentavam maior dificuldade. Dessa forma, alunos com ritmo mais lento e com a atenção mais dispersa ficavam nas primeiras carteiras e os outros alunos foram separados nas filas indianas.

Durante o desenvolvimento das atividades a professora dispunha os alunos individualmente, em grupos de três ou quatro, em duplas e no grupão (carteiras juntas no centro da sala) (Foto 6). No entanto, a maior frequência foi o trabalho nos grupos menores de três ou quatro alu os. Apesa da fo aç o os grupos durante as aulas, na maioria das vezes, o trabalho privilegiava a realização de atividades individualizadas. O que era evidente em alguns momentos desses agrupamentos eram os tipos de interações entre as crianças. Muitas vezes copiar as atividades do colega era o meio de se apropriar do texto escrito ou mesmo de se desocupar de uma atividade proposta pela professora. A professora não chegou a fazer comentários ou observações sobre a cópia feita por alguns alunos. Assim, não podemos saber se ela percebia que os alunos realizavam tal procedimento e como ela avaliaria sua pertinência ou validade.

Foto 6 - Agrupamentos na sala de aula em 2012

Fonte: Acervo da autora, 2012.

Do início do ano até setembro os grupos foram determinados pela professora. Observei, com o passar do tempo, que as relações professor-aluno foram ficando menos rígidas. Em outubro, os alunos começaram a sugerir os agrupamentos e a professora foi cedendo às sugestões deles. Nos agrupamentos formados pelos alunos, observei critérios que

se pautavam pela amizade fora da escola. Em geral, Rivaldo, Alice e Fernanda formavam um grupo; Neimar, Felipe e Ronaldinho outro; Cristiano, Messi, Leo Moura e Luís formavam um terceiro grupo. Em alguns momentos de atividades no final do ano, o grupo formado por Neimar e Cristiano se alterou. Essa forma de agrupamento me fez retomar as argumentações de Brandão (1995) quando este afirma que as crianças se encontram nos grupos de idade e de interesse.

O número reduzido de alunos não era um fator que amenizava as dificuldades na gestão da sala de aula, a professora ministrava o ensino a partir de atendimentos individualizados e acreditava que essa era a melhor forma de ensinar.

Quando a gente tá com eles é muito melhor a aprendizagem deles./ Porque às vezes / eu de cá e ele de lá,/ parece que não entra,/ sabe./ Têm vezes que eu falo,/ eu não vou (...)/ ocê mesmo observa aí./ Eu não vou ensinar nenhum,/ eu vou ficar esperando aqui./ Mas parece (...)/ eu fico daqui,/ eu observo,/ parece que eles ficam (...)/ sabe/ com medo de me perguntar,/ porque eu falei que não vou ensinar (...)/ e tentando fazer e não consegue. (Entrevista, Profa. Mariana, 2012)

No trecho acima observa-se que a professora adota como procedimento deixar os alunos, no primeiro momento, resolverem a atividade sozinhos. Ela aguardava que eles se esforçassem para resolvê-la. Entretanto, isso não funcionava, pois os alunos acabavam não perguntando e, na maioria das vezes, não conseguiam fazer sem a intervenção dela. Segundo a professora, pelo atendimento individualizado era possível verificar a compreensão dos alunos. Os alunos com maiores dificuldades exigiam maior atenção. Isso ocorria, em geral, com os alunos do 3º ano e um aluno do 4º ano que ainda não estavam alfabetizados. Observa- se que a professora possuía a percepção do conflito gerado entre a metodologia empregada em aula e a realidade objetiva com que estava lidando – uma sala multisseriada. Sua alternativa de priorizar o atendimento individualizado ainda trazia para ela tensão e incerteza. Até aqui, fiz uma descrição geral do contexto da pesquisa. A comunidade rural de Jacarandá nasceu com base no sistema patriarcal e na propriedade da terra. Hoje, ela é um caleidoscópio de cores, formas, imagens e movimentos de modelos sócio-político-econômicos e tecnológicos (re)produzidos localmente. Os pais, em sua maioria trabalhadores rurais, possuem saberes locais ou fundos de conhecimento específicos, que transformam as relações sociais no cotidiano familiar e se estendem aos vizinhos em relações de reciprocidade. A escola pode ser um espaço importante e é eficiente dentro do que as famílias esperam. Apesar de toda a riqueza de recursos culturais, fundos de conhecimento, da disponibilidade e acesso à

escrita, nada garante que os participantes da pesquisa (os meninos - uma seleção de craques - e as meninas, que valorizam o feminino) encontrarão no espaço escolar condições de ampliação das aprendizagens e práticas de letramento vivenciadas fora da escola.

Prosseguiremos com a análise de dados coletados na comunidade no próximo capítulo. Buscamos identificar a disponibilidade e o acesso à escrita fora da escola em eventos e práticas de letramento.

Capítulo 4