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Introdução da temática da aula: o que é higiene?

Registrando e copiando para aprender: o que é higiene e saúde?

9.1 Introdução da temática da aula: o que é higiene?

O evento aqui analisado ocorreu na Aula 62 (16 de outubro de 2012), durante a disciplina de Ciências. A introdução ao tema da aula de Ciências ocorreu em cinco minutos. Abaixo, transcrevo a interação da professora com os alunos no primeiro momento de discussão sobre o tema proposto. Nessa transcrição, podemos ver como essas crianças participavam com seus recursos de aprendizagem das discussões sobre o tema abordado na aula e como a professora percebia a interação das crianças.

Profa.: Todo mundo já abriu o caderno de Ciências aí?

Alunos: Já.

Profa.: Já pegou, Leo? ((Leo balança a cabeça afirmativamente.)) Nós vamos começar falar sobre higiene e saúde hoje. Daqui pra frente vai entrar o período da chuva, né. E o período da chuva, se a gente não tiver muito cuidado com o nosso quintal, com a nossa casa, as doenças começam a aparecer. Tem várias doenças que podem acontecer por causa de chuva, por causa de porqueira, por causa de sujeira.

Leo Moura: A dengue.

Profa.: Tem a dengue. É... por causa do mosquito, não é Leo? Muito bem! Então nós vamos falar de Ciências agora, de higiene e saúde, porque nós temos que ter higiene pra gente ter saúde. Vocês sabem o que é higiene? Higiene é o quê?

Alunos: Limpeza.

Profa.: Limpeza. Higiene é limpeza, mas é limpeza do quê?

Ronaldinho: Do mundo.

Profa.: Do quê, do mundo? Também é do mundo, mas quando eu falo de higiene, se eu falar higiene pessoal, é higiene de quê?

Cristiano: É higiene de nós. [...]

Profa.: Então eu tenho que ter esse cuidado. Essa higiene com o corpo. Com o corpo inteiro, não só com a boca, mas com o corpo inteiro. Certo? Se eu tiver higiene, eu vou ter ótima, excelente saúde. Todo mundo adoece, não precisa achar, nem o mais cuidadoso do mundo, não tem como, ele adoece, mas adoece muito menos do que aqueles que não gostam de tomar banho, que não gostam de escovar dentes, que não gostam de limpeza numa casa, no quintal e tudo que come joga lá no quintal (...)

Cristiano: (Inaudível) foi na casa dele e encontrou no pneu.

Profa.: Pois é. Então isso acontece, a gente tem que cuidar para a gente ter boa saúde. E aí ocês vão escrever aqui (...) não é grande não. Hoje nós vamos fazer mais atividades é do quadro mesmo. Eu quero todo mundo escrevendo juntinho.

No trecho acima, a professo a ap ese tou o te a da aula Higie e e Saúde . Ao introduzir o assunto e mencionar o período das chuvas naquele mês, ela estimulou a participação de Leo Moura, o qual se mostrou interessado. Os comentários feitos pela professora envolviam referência ao quintal e ao período de chuvas, e Leo Moura respondeu a ela fazendo referência à dengue. O posicionamento de Leo Moura, em resposta à professora, indica que esse aluno trouxe à tona sua experiência sobre o assunto, um problema de saúde pública, que afetava a comunidade. É provável que ele tenha participado de eventos na comunidade em que as pessoas desenvolveram ações para o combate ao mosquito, por exemplo, durante as campanhas de prevenção promovidas pelo estado em que os agentes de saúde se deslocaram até a comunidade para verificar as casas e orientar os moradores.

A professora assumiu o controle da discussão evidenciando sua autoridade ao di e io a o assu to pa a o ue ela ha ia pla ejado o o estudo da aula, a higie e o po al . Em resposta a Leo Moura, a professora dá indicações de que a dengue teria relação com a temática abordada em aula (higiene e saúde), para, em seguida, retomar a condução dos trabalhos ao perguntar: Vocês sabem o que é higiene? Higie e o u ? . A pergunta foi feita com o propósito de us a a defi iç o do o eito de higie e . As ia ças espo de a se t ata da li peza do u do e do o po .

Ao prosseguir com a explicação e antes de iniciar o registro no quadro, a professora novamente mencionou os cuidados com a limpeza do quintal: [...] que não gostam de limpeza, numa casa, no quintal e tudo que come joga lá no quintal (...) . Dessa ez foi C istia o ue asso iou a e posiç o a u a situaç o so e a De gue, (inaudível) foi na casa dele e encontrou no pneu . Nesse comentário, Cristiano se referia às larvas do mosquito da Dengue no quintal de um morador da comunidade.

Os trechos acima evidenciam certa tensão entre a necessidade de manutenção do controle, por parte da professora, sobre o assunto a ser abordado em aula, conteúdo do currículo de ciências, e a consideração dos recursos de aprendizagem trazidos pelas crianças para o espaço escolar. Nesse caso, vê-se que as experiências prévias das crianças com a dengue e as campanhas para combater o mosquito serviam de referência para as contribuições que traziam para a discussão proposta pela professora. Pode-se ver que a consideração das experiências dos alunos fora da escola relacionadas ao tema da aula não é algo fácil de ser realizado pela professora, que está centrada em um programa curricular e em perspectivas tradicionais de ensino. Essa dificuldade e formas para superar o distanciamento dos recursos de aprendizagem dos alunos foi também evidenciada por pesquisadores que buscam compreender as relações entre o letramento escolar e o letramento como prática social, conforme apresentado por Dantas e Coleman (2010). Essas autoras abordam um trabalho realizado com professores em visitas domiciliares às famílias dos alunos. Guiadas por uma lente etnográfica, elas analisam dois estudos de caso em que professores assumiram uma atitude investigativa no contexto familiar com o propósito de identificar os fundos de conhecimento e os recursos de aprendizagem de seus alunos. O objetivo era destituir um ponto de vista do déficit e de expectativas negativas em relação aos alunos. Esse trabalho resultou em mudanças nas práticas pedagógicas dos professores. Eles perceberam as funções complexas da família das crianças dentro do contexto social e histórico delas. Isto propiciou o desenvolvimento de atividades de instrução mediadas entre os recursos de aprendizagem das crianças, os fundos de conhecimento das famílias e as experiências em sala de aula.

A professora da comunidade de Jacarandá vivencia experiências culturais semelhantes aos seus alunos entretanto, encontra limitações no desenvolvimeno do trabalho docente. As dificuldades encontradas refletem como o conhecimento e os fundos de conhecimentos são

recebidos, processados e repassados (ou não) no interior da escola. Observe-se que o conteúdo apresentado indicava foco num aspecto do tema que trazia menos de ciência e mais de orientação de comportamento. Evidenciava-se mais o medo do que aspectos que esclarecessem compreensões de fenômenos e a relação do homem com a natureza. O processo propiciava a produção fragmentada de pensamentos envolvendo ideias sobre chuva, mosquito, imundície, cuidados com o corpo. A experiência de um aluno envolvendo ações externas ao espaço escolar para exterminar mosquitos foi mencionada e usada como recurso para reforçar o conteúdo proposto. Não houve espaço, todavia, para a expressão do que o aluno pensava naquele momento sobre sua experiência ou de contribuições para o desenvolvimento do conteúdo. Em resumo, produziram-se pensamentos sobre o que cada um deve fazer, sem esclarecer aspectos que, se conhecidos, poderiam levar o ser a escolher ações para sua autoproteção, para proteção do entorno ou para enfrentar perigos.