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O caminho metodológico na pesquisa

2.1 Etnografia na Educação

Neste trabalho, cujo foco foi compreender como os alunos de uma turma multisseriada da comunidade de Jacarandá engajaram-se em práticas sociais de letramento dentro e fora da escola, optamos por uma metodologia de pesquisa que permitisse participar e observar a interação com a escrita em muitos momentos e situações da vida cotidiana – a pesquisa de perspectiva etnográfica.

As leituras acerca da pesquisa etnográfica que eu tinha antes do ingresso no doutorado em Educação foram de textos específicos da Antropologia: Argonautas do Pacífico Ocidental (MALINOWSKI, 1976, U jogo a so e te: otas so e a iga de galos balinesa GEERTZ, 1989), O vapor do diabo: o trabalho dos operários do açúcar (LOPES, 1978), A partilha da vida (BRANDÃO, 1995) e muitos outros. A discussão realizada em torno desses textos e a convivência com o professor Carlos Rodrigues Brandão15 durante as disciplinas e oficinas sobre pesquisa etnográfica mostravam-me as possibilidades oferecidas por esta abordagem, não somente pela riqueza na descrição dos povos pesquisados, mas também pela propriedade com que os pesquisadores tratavam a análise dos dados. Isso, de certa forma, me fascinava. Dessas leituras, alguns aspectos foram compondo meu entendimento da pesquisa etnográfica: era um estudo que demandava a imersão no campo de pesquisa por um tempo prolongado; era uma descrição densa, inclusive de eventos triviais do cotidiano das pessoas; os conflitos vivenciados pelo pesquisador se revelavam na redação do texto, muitas vezes com

características de um texto narrativo; a etnografia utilizava-se da observação e da pesquisa participante, mas também poderia incluir entrevistas, histórias de vida e outros instrumentos que seriam construídos quando o pesquisador ainda estivesse em campo - caderno de campo era uma ferramenta fundamental.

A partir desses estudos, desenvolvi o entendimento de que a pesquisa etnográfica tratava do estudo de um grupo cultural em sua totalidade: uma investigação da vida e da organização social desse grupo. Nesse aspecto, eu imaginava que a pesquisa etnográfica na educação era um investimento inviável, pois obrigava o pesquisador a abandonar várias conquistas em sua vida, já que a permanência por longo período no campo poderia trazer conflitos em vários aspectos de sua vida social. Essa visão foi alterada após o ingresso no Doutorado (FaE/UFMG), quando tive acesso à bibliografia acerca da etnografia na educação. Pe e i, e t o, ue e a e ess io pe ea ilidade MANYAK; DANTAS, e t e os conhecimentos anteriores da Antropologia e os novos da etnografia na educação.

Para Green e Bloome (1997), a etnografia modificou-se significativamente ao longo das últimas três décadas. A pesquisa etnográfica e uso dela tornaram-se mais sofisticados e os pesquisadores mais conscientes da complexidade e questões envolvidas em torno da etnografia. Como consequência dessas mudanças houve o entendimento de como esse tipo de pesquisa poderia ser usado para contribuir com mudanças em diversas instituições sociais. Por isso, a etnografia constituiu-se de um recurso para várias pessoas e cientistas sociais. Os educadores também recorreram à etnografia como base para a criação de uma disciplina dentro do campo da Educação. Sob essa perspectiva, subsidiados pelas teorias sociais e culturais, a disciplina foi estruturada com um conjunto de métodos, teorias, questões, metas e práticas que definem o que compõe a etnografia-em-educação e quais os conhecimentos necessários para se dedicar à etnografia (GREEN; BLOOME, 1997).

O desenvolvimento desta pesquisa, tendo em vista uma abordagem interpretativa, buscou observar os princípios metodológicos da etnografia na educação, conforme indicado por Green, Dixon e Zaharlick (2005). De acordo com essas autoras, a etnografia na educação se diferencia da etnografia feita por antropólogos justamente nos questionamentos e nos propósitos esboçados para sua realização, demandando maior envolvimento e disponibilidade de observação para a compreensão de aspectos de uma cultura e incluindo o ponto de vista dos sujeitos que estão nela inseridos. Sendo assim, para a compreensão de como as crianças na comunidade de Jacarandá se envolviam com a língua escrita dentro e fora da escola,

adotamos a perspectiva etnográfica. O que vem a ser a perspectiva etnográfica?

Green e Bloome (1997), após estudos feitos a respeito dos critérios para se definir a utilização da pesquisa etnográfica na educação, observaram que existia pouco acordo entre os teóricos para avaliar o que conta como etnografia. Tendo em vista essas dificuldades, os autores estabeleceram uma distinção entre três abordagens para a etnografia em Ciências Sociais: fazendo a etnografia, a adoção de uma perspectiva etnográfica e usando ferramentas etnográficas. Essas abordagens foram explicadas por Green e Bloome (1997, p. 6) da seguinte forma:

Fazendo etnografia – envolve a definição, conceituação, realização, interpretação, escrita e relatórios associados a um estudo amplo, profundo e por longo prazo de um grupo social ou cultural (este deve estar enquadrado dentro de uma disciplina ou campo, por exemplo, a Antropologia);

Adotar uma perspectiva etnográfica – é uma abordagem mais focalizada (ou seja, fazer menos do que uma etnografia abrangente) para estudar aspectos particulares da vida cotidiana e práticas culturais de um grupo social (importante nessa abordagem é o uso de teorias de práticas culturais e de conceitos derivados da Antropologia ou Sociologia);

Utilizando ferramentas etnográficas – refere-se à utilização de métodos e técnicas e geralmente associados com o trabalho de campo.

Tendo em vista essas discussões, afirmo que adotei uma perspectiva etnográfica, pois busquei construir uma análise focalizada em aspectos particulares da vida cotidiana e das práticas culturais de um grupo de crianças da comunidade de Jacarandá a partir da adoção de uma abordagem social do letramento.