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1 PANORAMA HISTÓRICO DA LÍNGUA PORTUGUESA

1.7 A ortografia portuguesa

A história da ortografia da língua portuguesa deu-se com a preocupação dos filólogos que tinham a escrita como evidência em seus estudos. Cagliari (1994b, p. 103) a esse respeito afirma que “organizar os caos20ortográficos num cosmo teórico

da Linguística Comparada foi uma tarefa de montagem de um grande quebra- cabeça, com resultados surpreendentes no bom e no mal sentido”

Para melhor entender a história da ortografia da língua portuguesa, relata-se a seguir a divisão em períodos que fizeram parte dessa história. Foram as etapas denominadas: período fonético, período pseudo-etimológico e período simplificado

ou das reformas.

Não se discutirá cada período, detalhadamente. Far-se-á uma breve exposição das principais características do primeiro e do terceiro período, dando-se maior atenção ao segundo período, pois contextualiza os documentos que compõem os corpora deste estudo.

1.7.1 A periodização da história da ortografia da língua portuguesa

A história da ortografia da Língua Portuguesa divide-se em três grandes períodos: o fonético, o pseudo-etimológico e o simplificado. O primeiro vai do século XII ao XV, o segundo, do século XVII ao XIX; e, o último diz respeito ao século XX. (COUTINHO, 1976).

No fonético, alguns estudiosos acreditavam que as palavras eram grafadas mais ou menos de acordo com a pronúncia, sem nenhuma sistematização criteriosa. Em linhas gerais, caracterizava-se por uma flutuação na grafia das palavras. Não havia um padrão uniforme na transcrição das palavras. Por exemplo, a vogal I era representada também por Y e J. Cagliari (1994), com relação a este período, faz a seguinte colocação:

[...] atribuir o período arcaico a uma Ortografia Fonética, como se naquela época as pessoas escrevessem como falavam, e achar que os textos refletiam as variações dialetais, sem levar em conta a ortografia arcaica é um erro que tem levado muitos estudiosos a conclusões estranhas e até mesmo a erros. (Op. cit., p. 2).

Para Cagliari (1998, p. 67) o que ocorria não era a ortografia fonética, mas uma escrita baseada no modelo latino, na qual, por causa da variação dialetal, ocasionava uma confusão ortográfica. Nota-se que com a regulamentação de uma ortografia, a grafia das palavras já não pode ser escrita de acordo com o que as pessoas decidem. E é nessa perspectiva que o autor enfatiza o postulado de que a função básica da ortografia é neutralizar a variação linguística na escrita.

Este período coincide com o surgimento das primeiras gramáticas do português, a de Fernão de Oliveira, em 1536, e as de João de Barros e de Nunes de Leão, 1540.

Para Melo (1967 apud CAGLIARI, 2006) este período vai das origens da escrita da Língua Portuguesa até o início do século XVII, e a principal preocupação deste período fonético era, também, de retratar a pronúncia.

Melo assinala que a nossa grafia começou simples e bastante relacionada à prosódia. Não ocorriam as chamadas letras mudas que não correspondem a nenhum som, nem se dobravam as consoantes, com exceção de “r”, “s”, “f”, “l”, “m”. (MELO, 1967, p. 211 apud SCLIAR-CABRAL, 2003).

Os documentos em português mais antigo que aparecem nessa fase foram o

Testamento de Afonso II, datado de 1214, e a Notícia do Torto, escrita em 1214-

1216. (SCLIAR-CABRAL, 2003).

Para Coutinho (1971) esse primeiro período começa com os primeiros documentos redigidos em português e se estende até o século XVI. Nota-se, no período citado, que apesar da certa flutuação existente na grafia das palavras, a preocupação fonética transparece a cada momento.

A preocupação pseudo-etimológica, no segundo período, inicia-se no Sec. XVI e vai até o século XX em 1904, quando a ortografia nacional de Gonçalves Viana foi publicada. Dentro desse período, as palavras eram escritas de acordo com a grafia de origem, reproduzindo-se todas as letras do étimo, mesmo quando não pronunciadas. As consoantes intervocálicas se duplicavam. Buscou-se a origem do vocábulo através do francês, que se imitava largamente. Assim escrevíamos:

sepulchro, thesoura, cysne, systhema, dentre outros. Não havia padrão uniforme de

ortografia. (HIGOUNET, 2003, p. 52-56).

Coutinho (1971) afirma que este período caracteriza-se pelo uso das consoantes geminadas e “insonoras” e também das letras gregas y, k, e w, que existiam nas palavras, por princípio anacrônico,21 que marca a separação entre

língua falada e escrita.

Melo (1967) comenta que nesse período faltava aos usuários da língua o conhecimento da filologia com relação às transformações fonéticas, assim como a representação gráfica. Estudiosos criavam seu próprio sistema sem uma noção científica sólida. Foi nesta fase que o português foi invadido por dígrafos, levando a ortografia portuguesa a uma grande confusão.

Nesse período, há uma necessidade de se respeitar as letras originárias das palavras, embora não represente nenhum valor fonético, mas Coutinho (1971, p. 75) afirma que é apenas para os que seguem a grafia etimológica. Os primeiros tratados de ortografia surgem com uma obra intitulada Regras de escrever a ortografia da

língua portuguesa, de Pêro de Magalhães de Gândavo, em 1574 e a Ortografia da língua portuguesa, de Duarte Nunes de Leão, em 1576.

Houve outros destaques deste período como Álvaro Ferreira de Vera, com

Ortografia ou modo para escrever certo na língua portuguesa; João Franco Barreto,

com a obra Ortografia da língua portuguesa. Teve-se também Madureira Feijó, com a Ortografia ou arte de escrever e pronunciar com acerto a língua portuguesa e Monte Carmelo, autor de Compêndio de ortografia.

Williams (1973, p.41) relata que não foi dada atenção necessária à pronúncia, às grafias latinas e gregas, nesse período. Encontra-se a presença dos dígrafos CH,PH,RH,TH em palavras de origem grega e as letras S e C, S e Z

21Princípio anacrônico - é o princípio que apresenta anacronismo; que contraria a cronologia, que

aparecem de forma confusa e algumas consoantes duplas em palavras de origem latinas.

Os gramáticos e ortógrafos daquela época reagiram contra esse sistema de escrita etimológica. Dentre várias reações tem-se a publicação da Gramática de Port-Royal, em 1660 ou Grammaire générale et raisonnèe, de Arnauld e Lancelot, que representa uma ruptura com o modelo latino. Essa gramática serviu de base para outras gramáticas filosóficas publicadas na Europa. (COUTINHO, 1976, p. 109).

E, finalmente o terceiro período, o simplificado, assinalava a renovação dos estudos linguísticos em Portugal, surge Aniceto dos Reis Gonçalves Viana, com a obra ‘Ortografia Nacional’. Foneticista que, depois de algumas tentativas, consegue apresentar um sistema racional de grafia, com base na história da língua. Gonçalves Viana persiste em dizer que é comum confundir uma grafia simplificada de uma fonética. O sistema da grafia fonética tem como base a pronúncia, mas o sistema simplificado, além, da pronúncia, baseia-se na etimologia e no elemento histórico. (CAGLIARI, 2007, p. 20).

Este período teria iniciado pelo governo português, em 1911, e foi oficialmente adotado em Portugal em 1916, com o fortalecimento da nova ortografia. Corresponde a escrita atual, com alterações propostas pelo vocabulário ortográfico, em 1940, organizado por Rebelo Gonçalves. (WILLIAN, 1973).

No Brasil, encontra-se João Ribeiro, com sua Gramática Portuguesa datada de 1887, trazendo questões ortográficas. Mario Barreto foi defensor da grafia simplificada de Gonçalves Viana, e mais tarde aquele aderiu à reforma portuguesa de 1911. Destacaram-se também como um dos batalhadores da ortografia simplificada Silva Ramos, Rego Monteiro e Sousa da Silva. Em 1931, Mattoso Câmara Jr. adotou a ortografia simplificada no Brasil. (SCLIAR-CABRAL, 2003, p. 71).

O sistema ortográfico da Língua Portuguesa apresentava grande variação ortográfica, apesar de apresentarem modelos diversos de estudiosos da língua. Segundo Cagliari (2007), nenhum autor conseguiu impor um modelo e formar uma tradição. Os próprios governos só passaram a se interessarpela ortografia no final do século XIX. Durante muitos séculos, cada povo escrevia de acordo com os

modismos da época, fazendo idiossincrasias22 quando apresentavam dúvidas ortográficas.

Diante desse quadro, pode-se notar que a ortografia do Português empregada no Brasil vem sempre se modificando através dos tempos. Alguns pontos da ortografia passaram a ser insuficientes, e houve necessidade de transformações, até mesmo porque a língua pode ser falada ou escrita. Como ocorre em todos os pontos do planeta, essas formas diferem muito entre si. Ninguém fala como escreve, como também ninguém escreve como fala.

Nesse sentido, reformas e acordos ortográficos serviram como ponto de conexão neste longo processo, em que sempre se ia em busca de uma uniformidade, a fim de não haver complexidades tão extremas numa mesma língua.

Quanto à metodologia utilizada para análise do sistema ortográfico nesses

corpora encontrados no Arquivo Público em São Luís-MA, no século XIX,

apresenta-se no capítulo seguinte toda a análise, desde a escolha dos corpora, da sua organização e distribuição dos gêneros até as explicações de cada tabela.

22Diante de um conjunto de dados idênticos, os sujeitos têm tendência a organizá-los de maneira

diferente, conforme suas disposições intelectuais, ou afetivas particulares. A maioria dos “erros” individuais deve-se a comportamentos idiossincrásicos.