• Nenhum resultado encontrado

3 O SISTEMA VOCÁLICO E CONSONANTAL NO FAC-SÍMILE DE

3.6 Ditongos

Sabe-se que no latim, os ditongos reduziram-se a três, depois da fase arcaica, tais como: au, que era muito frequente, “ae” e “oe” não muito usado, pois só ocorria em palavras de empréstimo. (SILVA NETO, 1979).

Na passagem para o português, formaram-se os ditongos ae > é, como exemplo caelu > céu e au > ou e au: audace > audaz, tauro > touro. O ditongo ou alterna-se com o ditongo oi, sem que haja explicação fonética. Nos corpora como as estrofes de Harpa de Ouro e nos documentos da Guerra da Balaiada foram encontrados essa alternância, como exemplo temos: ouro e oiro, cousa e coisa. (CARVALHO e NACIMENTO, 1987).

Gramáticos e ortógrafos em suas gramáticas discorriam sobre ditongos. Ambos costumavam definir ditongos como sequência de vogais. Na gramática de Oliveira (1536), o autor define ditongo como:

Figura 3.5 - Definição de ditongos segundo Oliveira

Fonte: Imagens do arquivo pessoal do Professor Cagliari (FERNÃO DE OLIVEIRA, 1536).

Transcrição: Ditongo diz também ser dicção grega e quer dizer ou significa e diz dobrado som: [...] é

tua voz com um só espírito ou é sílaba na qual são duas vogais porque isto queremos entender da sílaba que sejam é ela todas as letras que tem unidas com um só espírito e destes temos muitos na nossa língua: mais cuido eu que em qualquer pode [...] ao menos das que eu conheço, e esta é uma das particularidades da nossa própria armonia.Os ditongos que eu achei entre nos portugueses são estes .ae. como tomae, como pães .ao. como pão, ao. .eo. como d’s .eu. como meu .io. como fugio .oe. coomo soe .oi. como caracóis .õe como põe .oi. como boi .ou. como dou .ui. como fuy nos que .a. grande e .a. pequeno e assim ,e,grande e grande sempre se prepõe e todas as outras as vezes se põe antes e as vezes depois umas das outras queremos aqui repetir quanto é necessária esta letra ou sinal til para os ditongos porque se em cidadão e escrivão e outras desta voz e outras escrevemos .m. ou ,n. no meio...

Oliveira menciona que os ditongos dizem também ser dicção grega e quer dizer ou significa dizer “dobrado som”. Percebe-se a presença dos ditongos, embora alguns confusos como “eo”, “eu” “eo” “oi” e a falta dos ditongos “i” que era representado na sua ortografia como “e” + “m” ou “~”, assim como o ditongo nasal

‘õu. Observou-se, também, na sua ortografia, que duas vogais de “mesma natureza” não constituíam ditongos (OLIVEIRA: 1536).

Não muito diferente de Oliveira, Leão (1576,16v), na sua gramática “Orthographia da Lingoa Portygyesa”, define os ditongos da seguinte forma:

Figura 3.6 - Definição de ditongos segundo Leão

Fonte: Imagens do arquivo pessoal do Professor Cagliari (LEÃO, 1576, p. 16).

Transcrição Ditongo é um ajuntamento ou concurso de duas vogais que guardam sua força em uma

só sílaba: e é palavra grega, que quer dizer dobrado som. E todas as línguas têm seus ditongos próprios [...]). E estes ditongos se formam em cada língua de diferentes maneiras e por diversos ajuntamentos de vogais. [...]. Umas nações têm mais ditongos e outras menos [...]. Mas em nossa língua dezesseis ditongos: ãa, ãe, ai, ão, au, ee, ei, eu, iy, ao, oi, õe, õo, ou, ui, ũu. Dos quais temos três comuns com os latinos, scilicet, au, ei, eu. E outros três comuns com os castelhanos, scilicet, ai, oi, ui. E dez são peculiares nossos e não de outra nação, scilicet, ãa, ãe, ee, ĩi, ão, õe, õo, ou, ũu.

Conforme o ortógrafo Álvaro Ferreira de Vera (1631) na Língua Portuguesa existem dezessete ditongos, tais como: ãa, ãe, áes, ai, ão, ao, au, ee, ei, eu, iĩ, oa, õe, oi, ou, ui, uũ. O autor na sua gramática “ Orthographia, ov modo para escrever certo na língua portuguesa” exemplificou: irmãa, capitães, vogáes, mais, mão,

mao,causa, beaphiaes, rei, meu, confiĩs, taboa, dões, foi, cousa, muito, alguũs [...]. A seguir trechoretirado da sua gramática onde o autor faz considerações sobre

tratados das vogais que juntas na linguagem portuguesa se fazem ditongos. (VERA, 1631, 25).

Figura 3.7 - Definição de ditongos segundo Vera

Fonte: Imagens do arquivo pessoal do Professor Cagliari (VERA, 1576, p. 25).

Transcrição: Ditongo é a palavra grega que quer dizer, som dobrado, ou ajuntamento: o de duas

vogais, que guardam sua força em uma só sílaba. Estes se formam em cada língua de diferentes maneiras. ou por ajuntamento de vogais. Na nossa língua há dezessete, que são estes incluídos nos exemplos: irmãa, capitães, vogáes, mais, mão, mao, causa, beaphiaes, rei, meu, confiĩs, taboa, dões, foi, cousa, muito, alguũs. [...].

Podem-se observar as semelhanças existentes entre as concepções dos autores acima citados. Eles mencionam sobre ditongos como um som dobrado e partiam da escrita de vogais contíguas para encontrar os ditongos.

Tem-se em português uma sequência de dois fonemas vocálicos pronunciados, isto é, vogais contíguas, como diziam os antigos. Essa sequência é constituída de uma vogal denominada de vogal silábica que é a base do ditongo, e por uma vogal assilábica que pode vir antes ou depois da base, isto é, da vogal. Esse fenômeno é o que se chama de ditongo.

Diz-se que quando situa-se antes da base, trata-se de uma semivogal e este ditongo é classificado de ditongo crescente E quando a vogal assilábica situa-se após a base, forma o ditongo decrescente.

Para Silva (2003, 94, p. 98), a vogal do ditongo tem proeminência acentual e o glide29 não tem. A vogal e o glide são pronunciados na mesma sílaba. A autora

apresenta a classificação deste encontro mostrando que na sequência de glide  ou  + vogal tem-se um ditongo crescente, e estes em português são sempre orais. Os ditongos decrescentes, ainda segundo a autora, é uma sequência de vogal + glide.

Câmara Jr. (1980) reconhece um ditongo crescente e doze decrescentes em português, tais como:

 - pai  - boi  - pau  - vou  - papeis  - fui  - rei  - sol  - viu  - céu  - rói  - meu

Câmara (1980) e Bisol (2005) postulam que em português os verdadeiros ditongos são os decrescentes e que os ditongos crescentes variam com os hiatos, isto é, ora esses fonemas podem ser um ditongo, ora um hiato, como nos exemplos: históri-a, história, glóri-a, gló-ria. Por outro lado, se houver uma consoante velar /k/ e /g/ mais o glide /w/ tem-se um ditongo crescente pós-lexical, como se vê no gráfico a seguir.

29 O termo glide, tomado de empréstimo à fonética inglesa, designa os fonemas tradicionalmente

chamados, e com uma grande imprecisão, semiconsoantes ou semivogais. Esses fonemas o 

de ”sério”, o  de ”água”, constituem uma classe de fonemas como as

consoantes e as vogais, caracterizada pelo fato de que não são nem vocálicos nem consonânticos. (DUBOIS, 2007, p. 306).

Fonte: Adaptado pela autora(CÃMARA JR. 1980)

Observa-se que a consoante velar + glide quando seguida de a/o forma uma só unidade fonológica, isto é um segmento consonantal.

Cagliari (2007) apresenta dois modos para a noção de ditongos, um com base na ideia de silabicidade e outro com base no movimento articulatório ligado a mudança de qualidade vocálica. Para o autor, “discutir a noção de ditongo sem analisar os problemas da sílaba é impossível”. (CAGLIARI, 2007, p. 66-67).

O especialista acima relata em sua obra, ”Elementos de Fonética do Português Brasileiro”, que alguns autores afirmam que os ditongos em português são formados foneticamente de uma vogal e uma semivogal, mas Cagliari contrapõe que a “análise de ditongos em vogais e semivogais é um artifício fonológico”. (CAGLIARI, 2007, p. 72).

Ditongos encontrados nos corpora

Poesias de Harpa de Ouro

Soidão, doidissima, etherea, hei, ceos, paixão, oiro, lei, annelão, theologaes, pão, meiga, rouxinoes, deus, vão rósea, chão, doirado, orgãos, thesoiro, oiço, vêa, também, pães, derradeiro, cheiro, capitão, ouviu, eólia , naufragado, gratidão,vaidoso, veiu, ankea, , auroral, vária, maya, tropheos, ideaes, bénção, oitubro, roseiral, agoiro, mausoléos, cansais, teem, pae, ideaes, volcão, thesoiros, inferneo, epopéia, refractaio, moysés, odysseus,

metamorphoseia, memoria, relógios, pluvia,, visão, victoria , malicioso, hóstia, suicida, gênio. pátria, azues, contagião, orião, lírio, praias, navio, rios, água, permittiu, eólia industria, incêndio, effigie, phrygie, raiara, lyrios, Floriano.

Documentos da Guerra da Balaiada

Oitocentos, oito, reunião, primeiro, cidadãos, prefeitos,. imperio, despeijarem, provincia, familias, brazileiras, beira, tutóia, achavão, eu, meu, capitão, negocio, pecontrario, consecuençias, ofício, meo, inteira, pleitos, inteligencia, elleição, achão, coreiro, tãobem, cautella, ção, aconteceo, relegião, oratorio, rezão, deichando, secourro, varios, ouver, cauza, achão, legoas, officiaes, Deos, seo, subprefeito, auxílios, dirigio, oito, moléstias, repugnância.

Jornais

Orgão, negocios, céu, mayo, revolução, baixo, Sousândrade, Reis, idolatrias, deixar, ousaria, inumeraveis, principaes, escolheo, Deus,diluvio, assyrios, hebraico, moysés, lingua, comprai-o, respeito,directoria, thesouraria, arreios, fevereiro, cidadãos,baile, noites, lei,pulseiras,deixarão, Lyceu, officios, caução, brasileira,enfeites, dinheiro, queijos,cuotas,

Cagliari (2007) afirma que quando há uma vogal de qualidade constante durante uma articulação ocorre a monotongação, como exemplos tem-se: La, só,

ma, avó, há, és. Foram encontrados alguns casos de variação, tais como: ditongos

reduzidos a monotongos, na representação escrita de palavras: isso se deve a erros ortográficos causados por pronuncias diferentes, que deram formas gráficas diferentes. Nos documentos em análise observou-se esse processo.

Harpa de ouro

Leito, deixo, sacrário, creu, então, ahi (ai), imagem, verdadeira, peito

Documento da Guerra da balaiada

Assemblea (assembleia), ahi (ai), correjo(correio), quera (queira), debaxo (debaixo), cidadãos, achavão, também, inteira, brazileiras.

Jornais

Idéa, (ideia), assembléa (assembleia),

Houve pouquíssima ocorrência deste processo nas primeiras páginas dos jornais analisados, possivelmente, o fato da ausência de monotongação, deve-se por se tratar de jornais que circulavam na sociedade maranhense, escrito por poetas, escritores e jornalistas, daquela época, assim como nos poemas de Sousândrade. Mas, nos documentos da guerra, pode-se observar uma frequência maior. Isso, provavelmente, deve-se ao fato de estes documentos serem escritos, de certa forma, como se pronunciava.

Houve também variação no ditongo com relação à troca da vogal  por ,  por ,  por ,  por ,  por .

Harpa de ouro

ouro ( oiro), agouro (agoiro) thesouro (thesoiro), dourado (doirado), outubro (oitubro) pousavam (poisavam), ouço (oiço), rouxinóis (rouxinoes),pai (pae), cai, (cae) ideais (Ideaes), triunfais (triumphaes), céus (ceos), véus (veos), Mausoléus (mausoléos), frigio (phrygie), veio (veiu), troféus (tropheos).

Documento da Guerra da Balaiada

ai (ahi), cidadãos (cidadões), dois (dous), meu (meo), Deus (Deos/Dios), oficiais (officiaes), esmoreceu (ismoreceo), atendeu (atendeo), vendeu (vendeo), água (agoa), gerais (geraes), prometais (promitaes), conduziu (conduzio), dois (dous), dirigiu (dirigio), réu (reo), legais (legaes).

Jornais

Principais (principaes), Judeus, (Judeos), céu, (céo), dois (dous), Hebreus, (Hebreos), iguais (iguaes), essenciais (essenciaes), chapéus (chapeos), municipais (municipaes).