3 O SISTEMA VOCÁLICO E CONSONANTAL NO FAC-SÍMILE DE
3.2 O sistema Vocálico do Português
No sistema vocálico do português no Brasil, segundo Bisol (2005), existem regras fonológicas que nele atuam às vezes por razões prosódicas, fonotáticas e por razões morfológicas. Muitas vezes são as vogais médias, alvo destas regras fonológicas que sofrem mais alterações, ora alternando entre si,ora alternando com as vogais altas. (BISOL, 2005, p. 171).
Conforme já afirmado, Mattoso Câmara (2008) representou as vogais de forma triangular, assim como fez Trubetzkoy. De acordo com a figura 3.4 abaixo, o autor apresenta esses fonemas dividindo-os em partes, de um lado do triângulo, ele colocou uma série de vogais, que denominou de anteriores, devido ao avanço da parte anterior da língua e do outro lado, outra série de vogais, com um recuo d a parte posterior da língua gradualmente elevada. Nestas vogais também há um arredondamento gradual dos lábios. Ainda de acordo com o autor, o sistema vocálico do português é composto por sete vogais que contrastam em sílaba tônica, b/a/la, b//la, b/o/ca, s//ca, s/e/co, f/u/ja, f/i/go. Para Cagliari (2007) as vogais articulam-se em quatro níveis de altura em relação à posição mais fechada até a mais aberta dos articuladores. Elas podem ser também articuladas com ou sem protrusão. As vogais são fonemas produzidos apenas pela vibração da glote, e passam pela boca, sem encontrar obstáculo.
Além do que foi dito até aqui, é preciso chamar a atenção para o fato de as vogais portuguesas serem normalmente representadas pelo que Trubetzkoy chamou de triângulo vocálico e que Câmara Jr. (2008), no sistema do português organizou conforme mostrado a seguir:
Figura 3.4 Triângulo das vogais
Fonte: CÂMARA Jr, 2008.
No português do Brasil a posição da vogal tônica diante de consoante nasal na sílaba seguinte elimina as vogais médias do 1º grau // e // e torna a vogal baixa central levemente posterior em vez de anterior, o que auditivamente lhe imprime um som abafado. (BISOL, 2005).
Segundo Câmara Jr. (2008), a configuração do sistema de vogais do português se modificaria caso o /a/, como disse o autor, “abafado” posterior que aparece diante de consoante nasal, como em ano, amo, fosse levado em conta.
Nos corpora em estudo encontraram-se várias palavras como em:
Quadro 3.6 - Letra /a/ diante de consoante nasal
Harpas de Ouro Documento da Guerra Jornais
Chamma Annos, também Anjo
Manhan Vantajozo Programma
Annelão Anhelamos Maranão
O autor denomina esse processo de alofonia, que é uma variante posicional ou combinatória.
No Português Brasileiro, encontra-se no sistema vocálico: a vogal baixa /a/, as vogais médias baixas // e // as vogais médias /o/ e /e/, e as vogais altas /u/ e /i/, sendo assim caracterizado desde Câmara Jr. (1980). Na variedade oral, devido à alternância nas articulações da fala, mapeamentos diferentes ocorrem nas posições pretônica, tônica, postônica e átona final. Dessa forma, o sistema vocálico do português brasileiro passa por um processo de redução que pode ser identificado por sete vogais na sílaba tônica, as quais são reduzidas para cinco na posição pretônica, para quatro na posição postônica não-final e três na posição átona final.
A distribuição das vogais do Português Brasileiro conforme Câmara Jr., (1980) é apresentada nos quadros abaixo.
(1) Vogais em posição tônica
Quadro 3.7. Vogais tônicas
Fonte: CÂMARA JR. (1980, p. 41).
Isso significa que, no contexto da sílaba tônica, os sons vocálicos criam oposição do tipo: sco, sco, sco, sco, sco, slo, sco. Sendo assim, Câmara Jr. (1980) apresenta as vogais em posição tônica diante de consoante nasal da seguinte forma:
VOGAIS TÔNICAS
POSTERIOR CENTRAL ANTERIOR
ALTAS // //
MÉDIAS 2O GRAU // //
MÉDIAS 1O GRAU / / //
BAIXA //
(2) Vogais em posição tônica diante de consoante nasal
Quadro 3.8 - Vogais tônicas diante de nasal
Fonte: CÂMARA JR. (1980, p. 43).
Desta mesma forma Câmara Jr. reduziu essas vogais para cinco na posição pretônica, o que o autor denominou de neutralização, isto é, a perda de um traço distintivo, reduzindo-se dois fonemas em uma unidade fonológica: blo - bleza, caf - cafteira.
(3) Vogais em posição pretônica
Quadro 3.9 - Vogais pré-tônicas
Fonte: CÂMARA JR. (1980, p. 43).
Constata nessa posição – pretônica além da neutralização das vogais mé dias de 1º e 2º graus, a harmonia vocálica, na qual as vogais médias pretônicas assimilam a altura da vogal alta da sílaba seguinte. Sendo assim, encontram-se variantes do tipo: - , - . Bisol (2005, p. 173) mostra
VOGAIS TÔNICAS DIANTE DE NASAL POSTERIOR CENTRAL ANTERIOR
ALTAS // // MÉDIAS 2O GRAU // // MÉDIAS 1O GRAU - - BAIXA // - // ARRED. NÃO-ARRED. VOGAIS PRÉ-TÔNICAS
POSTERIOR CENTRAL ANTERIOR
ALTAS // // MÉDIAS 2O GRAU // // MÉDIAS 1O GRAU / / // BAIXA // ARRED. NÃO-ARRED.
que “esse fenômeno não possui o caráter fonológico da neutralização mencionada. Trata-se de variação, que não provoca alteração no sistema”.
Quando a vogal aparece em posição postônica não-final, a neutralização dá- se entre as posteriores // e //, mas não entre as anteriores // e //, como se observa abaixo:
(4) Vogal em posição postônica não-final
Quadro 3.10 - Vogais pós-tônicas não finais
Fonte: CÂMARA JR. (1980, p. 44).
Enfim, as vogais em sílabas átonas finais seguidas ou não de s, ficam reduzidas a três uma vez que ocorre a neutralização entre as vogais médias e as altas.
(5) Vogais em posição final diante de s ou não
Quadro 3.11 - Vogais pós-tônicas finais diante de s ou não
Fonte: CÂMARA JR.(1980, p. 44).
VOGAIS PÓS-TÔNICAS NÃO FINAIS
POSTERIOR CENTRAL ANTERIOR
ALTAS // //
MÉDIAS 2O GRAU - -
MÉDIAS 1O GRAU // //
BAIXA //
ARRED. NÃO-ARRED.
VOGAIS PÓS-TÔNICAS FINAIS DIANTE DE S OU NÃO
POSTERIOR CENTRAL ANTERIOR
ALTAS // //
MÉDIAS 2O GRAU - -
MÉDIAS 1O GRAU - -
BAIXA //
Com essas vogais átonas finais diante de /s/ ou não, Câmara Jr (1977) afirma que do ponto de vista fonêmico não há oposição distintiva entre essas vogais reduzidas // e //. Na posição átona final essas vogais são falsamente tidas como intermediárias que figuram sistematicamente em vez do // e do // de um lado e de outro, em vez do // e do //. O autor lembra que a atual ortografia, inspirada em Gonçalves Viana (1892), adotou as formas quase e tribo em vez dos tradicionais
quasi e tribu. Para Câmara Jr. (1977), o princípio fonêmico que subjaz nesse
contexto, é a indistinção entre // e /i/ e // e // em posição átona final.
Nos corpora em estudo foram encontrados todos os grafemas do sistema vocálico. Apresenta-se a seguir uma relação de algumas palavras encontradas nas análises feitas e distribuídas em cada corpus.
3.2.1. Ocorrências da vogal A
Em início de palavras:
Quadro 3.12 - Ocorrência da vogal a no início de palavras
Harpa de Ouro Documentos da Guerra Jornais
Asacinar - assassinar Aureo porto - aeroporto Anno - ano Agoa - água Abysmo - abismo Aparas - aparas Asem - assim Areial - areia Acções - ações
Amanhan - amanhã Aquellas - aquelas Cathecismo - catecismo Altar. - altar Acta - ata Aulas - aulas
Fonte: Elaborado pela autora.
No interior de palavras:
Quadro 3.13 - Ocorrência da vogal a no interior de palavras
Harpa de Ouro Documentos da Guerra Jornais
Cajás - cajás Officiaes - oficiais Manda - manda Gerais - gerais Familias - famílias Cadeia - cadeia
Paes - pais Armada - armada Aberta - abertas Brasil - Brasil Attacal-a, - atacá-la Garrafas - garrafas Paixão - Paixão Patria - pátria Baptista - Batista
No final de palavras:
Quadro 3.14 - Ocorrência da vogal a no final de palavras
Harpa de Ouro Documentos da Guerra Jornais
Esposa - esposa Peleija - peleja Moda - moda Fòrma - forma Provincia - província Alugada - alugada Exalma - exalta Dezeja - deseja Musica - música
incarna - encarna Sima - cima Lingoa - língua S'esmigalha-se
esmigalha Caza - casa Profana - profana
Fonte: Elaborado pela autora.
3.2.2 Ocorrências da vogal E
Em início de palavras:
Quadro 3.15 Ocorrência da vogal e no início de palavras
Harpa de Ouro Documentos da Guerra Jornais
Elle - ele elles - eles Effectuar - efetuar Espelhos - espelho Endagar - Indagar Espera-se - espera-se
Eterno - eterno Estão - estão Economia - economia Ella - ela Eu - eu Effeito - efeito Escravo - escravo Entre - entre Evangelho – evangelho
Fonte: Elaborado pela autora.
No interior de palavras:
Quadro 3.16 - Ocorrência da vogal e no interior de palavras
Harpa de Ouro Documentos da Guerra Jornais
Leito - leito Demettido - demitido Semmanario – semanário Ceos - céus Prezidente – presidente Tecido – tecido Cabellos - cabelos Leys – leis Poesia – poesia Lealdade - lealdade Geraes – gerais Céo - céu
No final de palavras:
Quadro 3.17 - Ocorrência da vogal e no final de palavras
Harpa de Ouro Documentos da Guerra Jornais
Sente Elles - eles Baile – baile
Prudente Deixeçe - deixasse Expediente- expediente Lealdade - lealdade Deçe - desse Café - café
Noite – noite Chorre - chore Vende-se - vende-se
Fonte: Elaborado pela autora.
3.2.3 Ocorrências da vogal I
Em início de palavras:
Quadro 3.18 - Ocorrência da vogal i no início de palavras
Harpa de Ouro Documentos da Guerra Jornais
Imperio - império Iguará - Iguará Içada – içada Idylico - idílico Imperio - império Intendencia- intendência Idade - idade Imediato- imediato Imprensa – imprensa Infesto - infesto Intento – intento Inspectoria – inspetoria
Interga – entrega
Fonte: Elaborado pela autora.
No interior de palavras:
Quadro 3.19 - Ocorrência da vogal i no interior de palavras
Harpa de Ouro Documentos da Guerra Jornais
Lyrios - lírios Villa - vila Acima - acima Victima - vítima Seburbios - subúrbios Sortimento– sortimento Ouvide - ouvide Emissarios- emissários Prateleira – prateleira
Oiro - ouro Mil - mil Linguas - línguas Quase - quase
No final de palavras:
Quadro 3.20 - Ocorrência da vogal i no final de palavras
Harpa de Ouro Documentos da Guerra Jornais
Aprendei vós - aprendi Bemtevi -bem-te-vi Ali - ali Hei - hei Quase - quasi Lei - lei Forjai vós - forjar Somenti - somente
Assi - assim Illustri - ilustre
Fonte: Elaborado pela autora.
3.2.4 Ocorrências da vogal O
Em início de palavras:
Quadro 3.21 - Ocorrência da vogal o no início de palavras
Harpa de Ouro Documentos da Guerra Jornais
Oromaso - oromasco Oito - oito Obra - obra Oh - oh Officiaes - oficiais Ovidio - ovídio Onde - onde Ontem - ontem Os - os
Oiço - ouço Oratorio – oratório
Odios - ódios
Fonte: Elaborado pela autora.
No interior de palavras:
Quadro 3.22 - Ocorrência da vogal o no interior de palavras
Harpa de Ouro Documentos da Guerra Jornais
Ho! Hostia - hóstia Fogo - fogo Povo Amor - amor Deos - deus Moysés - Moises Cofres - cofres Portos - portos Prosa - prosa Consorte - com sorte Motivo - motivo Dominio - domínio
No final de palavras:
Quadro 3.23 - Ocorrência da vogal o no final de palavras
Harpa de Ouro Documentos da Guerra Jornais
Creio - creio Facto - fato Disto - disto Hombro - ombro Aconteceo - aconteceu Efeito - efeito
Lirio - lírio Piqueno - pequeno Intervallo - intervalo Comtigo - contigo Socego - sossegar Assumpto – assunto
Estylo – estilo
Fonte: Elaborado pela autora.
3.2.5 Ocorrências da vogal U
Em início de palavras:
Quadro 3.24 - Ocorrência da vogal u no início de palavras
Harpa de Ouro Documentos da Guerra Jornais
Uns - uns Um - um Um - um
Um - um União - união Uma – uma
União - união Única - única Unam - unam unace - una-se
Fonte: Elaborado pela autora.
No interior de palavras:
Quadro 3.25 - Ocorrência da vogal u no interior de palavras
Harpa de Ouro Documentos da Guerra Jornais
rumor - rumor Reuna - reúna Literattura - literatura Fructos - frutos Jurarão - juraram Musica - música Sepulchro - sepulcro Absuluta - absoluta Salutare - salutar Juvente - juventude Povuação - povoação Capitulo - capítulo
No final de palavras:
Quadro 3.26 - Ocorrência da vogal u no final de palavras
Harpa de Ouro Documentos da Guerra Jornais
Apagou - apagou Abreu - Abreu Creou – criou
Corou - corou Chegou - chegou Cururupú – Cururupu
Eu - eu Estou - estou Chapeu - chapéu
veiu - veio Au - ao Despachou-se - despachou
Fonte: Elaborado pela autora.
Pode-se observar na análise dos corpora que a vogal acontece no final de palavras, com maior frequência em verbos no pretérito perfeito do indicativo, e nos ditongos; e a vogal i em final de palavra e, também em ditongos. Acredita-se que essas ocorrências sejam marcas de oralidade dos falantes produtores dos textos. Nos quatro jornais que circulavam em São Luís, naquela época, a ocorrência da vogal em início de palavras foi restrita, talvez pelo não uso nestes jornais.
Observa-se que a vogal i apresenta pouquíssima ocorrência em final de palavras, isso pode ter ocorrido devido ao tipo de gênero - o jornalístico – que se valia de uma linguagem mais formal e, possivelmente, era produzido para leitores com nível de letramento maior. As vogais , , e aparecem com maior ocorrência, nos contextos: inicial, medial e final, em todas as classes gramaticais.
No levantamento das ocorrências em posição de núcleo silábico, todas as vogais ocorrem nos contextos: inicial, interior e final. A seguir demonstram-se as semivogais i e .