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A par de uma fundamentada e singular carreira de jornalista e de director

E «NACIONALISTA CONVICTO»

2. A par de uma fundamentada e singular carreira de jornalista e de director

de jornal, Manuel Fructuoso da Fonseca foi um expoente do movimento social católico na viragem do século XIX para o século XX. Num longo e sentido elogio póstumo, o seu amigo Abúndio da Silva destaca, além de tudo o mais, o «aposto- lado de amor» desenvolvido por Fructuoso da Fonseca junto do operariado, onde se revelou o «orador popular que arrasta e seduz os trabalhadores», em ordem à necessária (re) cristianização dos meios laborais.6 Fructuoso da Fonseca pertencia aos Terceiros S. Francisco, «os grandes cruzados da democracia christã»7, remata o Autor de O Dever do presente, livro que dedica ao «amigo leal» Manuel.

Sob os auspícios da Associação Católica do Porto, em Outubro de 1895, Manuel Fructuoso da Fonseca vai fundar e presidir à Associação da Mocidade Católica, inicialmente com sede no edifício onde funcionavam as oficinas tipográficas do jornal A Palavra, à rua da Picaria nº 74, no Porto. Acompanhado pelo padre José Rodrigues Cosgaya, faziam parte do núcleo fundador alguns membros da Asso- ciação Católica da Cidade: José d’Almeida Nazareth, Domingos José Monteiro e Joaquim José Jorge.8

Por conseguinte, Fructuoso da Fonseca é figura nodal da estruturação do movimento social católico nesta espessura temporal, distinguindo-se como prin- cipal obreiro do movimento dos círculos católicos de operários, mormente do Circulo Católico de Operários do Porto, que fundou em 1898 como casa-mãe do movimento de difusão destes círculos. De resto, tais estruturas, formadas não só para operários mas, sobretudo, por operários, constituem um marco nas ten-

3 Pe. Manuel Marinho – Vinte e cinco annos de jornalista. O Grito do Povo. Porto. N.º 316 (25 Junho de 1905), p. 1.

4 Gomes Santos – Impressões diárias: Lisboa, 10. A Palavra. Porto. N.º 53 (12 Agosto de 1908), p. 1. A este propósito, cf. ainda o artigo de Damião Martins do Rio – Manoel Fonseca. O Grito do Povo. Porto. N.º 316 (25 Junho de 1905), p. 4.

5 Cf. Marie Christine Volovitich – La presse de la democratie chretienne au Portugal de 1870 à 1913. Clio:

Revista do Centro de História da Universidade de Lisboa. Vol. 2. (1980).

6 M. Abúndio da Silva – Manoel Fructuoso da Fonseca. O Grito do Povo e A Democracia Christã. Porto. 10: 480 (15 Agosto de 1908), p. 1.

7 M. Abúndio da Silva – Manoel Fructuoso da Fonseca, p. 1.

8 Cf. Eduardo C. Cordeiro Gonçalves – A Associação Católica do Porto há 125 anos. Contributo para a sua

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tativas organizativas do operariado católico português nos finais de Oitocentos, sendo comummente aceites como um primeiro esboço de «criação em Portugal de um movimento sindical católico».9 Juntamente com as organizações católicas da juventude, os círculos dão início ao movimento social católico entre nós, cujo teor redimensiona as primeiras organizações católicas que no nosso país se ocuparam da designada «questão social e operária», tal o caso da Associação Protectora de Operários fundada por Mendes Lajes em 1878.

Numa observação mais englobante, já os congressos católicos realizados em Braga e Lisboa, respectivamente em 1891 e 1895, tinham apontado o sentido do movimento católico em Portugal10, destacando-se o primeiro congresso por consti- tuir o lastro que permitirá a prossecução da política de aceitação dos regimes libe- rais preconizada pelo ralliement do papa Leão XIII11, e o segundo por apresentar entre nós as grandes linhas de acção do catolicismo social. De forma inequívoca, este momento marca ainda a viragem do movimento católico do anti-liberalismo para o anti-socialismo.

Com efeito, o catolicismo português assume novo vigor após a realização do Congresso Católico Internacional de Lisboa, por altura das comemorações do 7º Centenário de Santo António, em 189512, reunião concorrida por destacados militantes do catolicismo português da época, bem como por algumas outras con- ceituadas personalidades do catolicismo internacional, os casos de Toniolo, conhe- cido professor da Universidade de Pisa e grande impulsionador do movimento social católico italiano, e do padre Pascal, autor de referência da sociologia cristã Oitocentista. Durante os trabalhos do congresso, além de largamente questionado o modelo de desenvolvimento preconizado pelo capitalismo liberal, são apontadas algumas das principais linhas de acção com que se pretendia «travar o avanço revolucionário» nos meios urbanos «através de uma política de reformas sociais».13

Acresce a tudo isto o incomensurável impacto da encíclica Rerum novarum em todo o mundo católico. Alertando para os designados «deveres do Estado», estava

9 Maria Inácia Rezola – Sindicalismo católico e Estado Novo. Lisboa: Editorial Estampa, 1999, p. 28; a este propósito, ver ainda Manuel Braga da Cruz – O movimento dos círculos católicos de operários: primeira expressão em Portugal do sindicalismo católico. Separata dos nºs 37-38 da Revista Democracia e Liberdade. Lisboa: Instituto Democracia e Liberdade.

10 Sobre os sentidos do movimento católico desabrochado nos inícios da década de 1870, ver Marie Christine Volovitich – Le mouvement catholique au Portugal à la fin de la Monarchie Constitutionnelle. Paris: Universitè de la Sorbonne nouvelle, 1983 [Tese de doutoramento]; Eduardo Cordeiro Gonçalves – Católicos e Política:

o pensamento e a acção do conde de Samodães. Maia: Publismai, 2004.

11 Cf. Chronica do Segundo Congresso Catholico da Provincia Eclesiástica de Braga, inaugurado na sua metró-

pole no dia 6 de Abril de 1891. Braga: Typ. Lusitana, 1892.

12 Cf. Actas do Congresso Catholico Internacional de Lisboa, de 25 a 28 de Junho 1895. Lisboa: Typ. Mattos Moreira & Pinheiro, 1896.

13 Marie Christine Volovitich – As organizações católicas perante o movimento operário em Portugal (1900- -12). Análise Social. 18: 72 -74 (1992) 1197.

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já eivada de uma nova noção de justiça, de responsabilização dos proprietários, da promessa de relações laborais renovadas através do associativismo operários.14 Embora reflectindo as duas vias de sindicato, separado e misto, em Portugal os círculos católicos de operários vão seguir, na sua essência, esta última, não envol- vendo qualquer ideia de separação ou confronto, pelo contrário, como defendia na época o padre Roberto Maciel, os círculos «eram um meio prático de reforma social».15

Assim, a recepção da Rerum novarum em Portugal16 – amplamente divulgada no templo e fora dele, mormente na imprensa – contribuiu para uma certa «uni- dade prática» da militância católica, cuja tónica era agora posta na «questão social». A esta luz, mais do que esboçar timidamente uma «primeira expressão em Portugal do sindicalismo católico», o movimento dos círculos católicos de operários por- tuguês segue o exemplo de outros países europeus de forte implantação católica, onde o catolicismo social nasce de uma tradição contra-revolucionária.17 Tal é o caso da experiência francesa e das soluções corporativas paternalistas de uma dita «geração nova» de católicos sociais como Albert de Mun, René La Tour du Pin e Léon Harmel18, experiências dissonantes dos movimentos caracteristicamente «mais abertos» do «Abbés Democrates» e do movimento do «Sillon» que exerce- ram pouca influência entre nós. Note-se também que, em Portugal, não existiram, como em França nos finais do século XIX, sindicatos anti-socialistas ateus, os célebres «sindicatos amarelos», tal como não existiu um movimento independente de trabalhadores católicos e sindicatos cristãos como, então, se regista em vários outros países. Em suma, a experiência portuguesa dos círculos progrediu sempre reactiva e desenquadrada do movimento revolucionário operário.19