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Segundo o padre Benevenuto de Sousa, um dos grandes divulgadores da

E «NACIONALISTA CONVICTO»

3. Segundo o padre Benevenuto de Sousa, um dos grandes divulgadores da

obra dos círculos e fundador do Apostolado da Boa Imprensa, «foi ele, [isto é, Fructuoso da Fonseca], só ele, que concebeu, planeou, executou a ideia de se criar

14 Cf. J. F. de Almeida Policarpo – O pensamento social do grupo católico de «A Palavra» (1872-1913). Lisboa: INIC, 1992, p. 124.

15 Pe. Roberto Maciel – Os Circulos Catholicos e as associações de classe. O Grito do Povo. 5: 211 (20 Junho de 1904), p. 1.

16 Eduardo Cordeiro Gonçalves – Luís Maria da Silva Ramos e a Crítica dum Socialista. A Propósito da Rerum novarum. In Organização Francisco Ribeiro da Silva, et alli – Estudos de Homenagem a Luís António

de Oliveira Ramos. Vol. 2. Porto: FLUP, 2004, p. 561-568; Manuel Clemente – A sociedade portuguesa à data

da publicação da encíclica Rerum novarum: o sentimento católico. Lusitana Sacra. 6 (2004) 47-60. 17 Cf. J. M. Mayeur – Catholicisme intransigeant, catholicisme social, democratie chrétienne. Annales.

Économies, Sociétés, Civilisations. 27: 2 (1972) 483-499.

18 Cf. Pierrand Pierre – Le laics dans l’Église de France (XIXe-XXe siècle). Paris: Les Éditions Ouvrières, 1988. 19 Cf. Marie Christine Volovitich – O Circulo Católico de Operários do Porto (1898-1911): um pré-corpo- rativismo? In O Fascismo em Portugal: Actas do Colóquio realizado na Faculdade de Letras de Lisboa em Março

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em Portugal a mais bela de todas as obras – os circulos católicos de operários». E conclui: «Pode bem dizer-se que [Fonseca foi] a alma, a vida de todo o movimento católico do norte». 20

Em Maio de 1897, Fructuoso da Fonseca viria a fundar Os Amigos de Santo António no âmbito do qual passou a funcionar um núcleo denominado União dos Operários com o único propósito de preparar a fundação do que viria a ser o Circulo Católico de Operários do Porto, inaugurado a 9 de Junho de 1898.21 Nos anos seguintes vai desenvolver-se uma teia de cerca de 25 novos círculos, cujo universo rondava os 12 000 associados, como refere o próprio Fructuoso da Fonseca na sua comunicação ao 2º Congresso da democracia cristã realizado no Porto, em 1907.22 Embora estes números sejam de dimensão assinalável, não fazem com o catolicismo social deixe de ter uma representatividade minoritária na globalidade do operariado. De facto, em 1910, o quadro da população agremiada em associações de classe operária ou mista, que respondeu ao questionário da Repartição do Trabalho, apresenta mais de 8 mil operários concernentes às 43 associações do Porto e Vila Nova de Gaia, sendo que o conjunto das associações inquiridas a nível nacional regista cerca de 26 mil associados.23

Sob o patrocínio do bispo do Porto, D. Américo Ferreira dos Santos Silva24, o Circulo Católico de Operários do Porto teve como primeiro presidente da Direc- ção Manuel Fructuoso da Fonseca, segmentando-se em vários grupos anexos, onde se saliente a existência de duas associações de classe, a dos alfaiates e a dos fabricantes de calçado. Além disso, contíguo ao Circulo, após 1901, funcionava o Grupo Dramático 9 de Junho, o Grupo Defensor da Boa Imprensa, os Amigos de Santo António, uma célula vicentina (fundada por Fructuoso da Fonseca), um centro eleitoral nacionalista, uma cooperativa de produção, de crédito e consumo, bem como um Grupo de Estudos Sociais.

20 O padre Benevenuto de Sousa foi um dos grandes dinamizadores da imprensa católica dos inícios do século XX e, simultaneamente, uma das principais figuras do movimento social católico em Portugal. Nas vésperas da República revelou-se também um ardente propagandista do Partido Nacionalista. Cf. Pe. Bene- venuto de Sousa – Instantâneo – Manuel Fructuoso da Fonseca. O Grito do Povo. N.º 53 (9 de Junho de 1900), p. 1-2.

21 Cf. Eduardo C. Cordeiro Gonçalves – O Circulo Católico de Operários do Porto e o catolicismo social em

Portugal (1898-1910). Porto: CCOP, 1998.

22 Cf. Manuel Fructuoso da Fonseca – Discurso do sr. Manuel Fructuoso da Fonseca no Congresso das Agremiações Populares Catholicas. O Grito do Povo. 9: 420 (22 Junho de 1907), p. 1.

23 Cf. J. Oliveira Simões [Relator] – Inquirição pelas Associações de Classe sobre a situação do operariado.

Boletim do Trabalho Industrial. 49 (1910). Sobre o assunto, ver ainda Manuel Villaverde Cabral – O opera- riado nas vésperas da República (1909-1910). Lisboa: Presença/G.I.S, 1977.

24 Cf. Eduardo Cordeiro Gonçalves – D. Américo Ferreira dos Santos Silva e a génese do catolicismo social em Portugal. Algumas reflexões. In Congresso sobre a diocese do Porto. Tempos e Lugares de Memória: home-

nagem a D. Domingos de Pinho Brandão. Actas, 2002. Vol. II. Porto: Universidade Católica Portuguesa – FLUP,

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Em termos programáticos, o Circulo deveria «melhorar o estado moral e material dos associados», oriundos de todas as classes sociais, como o consignado nos seus Estatutos.25 Sob a divisa «Por Deus e Pela Pátria», o programa deveria ter a família como base da reforma sugerida, contemplando gradativamente o religioso, o social e, só depois, o político e o económico. No plano reivindicativo salienta-se a questão do descanso dominical que vai dar lugar a vasta campanha de apoio, não só da imprensa católica, mas ainda de um leque alargado de associações católicas. Por outro lado, são também relevadas questões ligadas ao horário de trabalho, ao trabalho de menores, à obrigatoriedade das caixas de auxílio à doença, velhice e acidentes laborais.

A partir daqui, e de forma intrépida, Fructuoso da Fonseca defende, por um lado, a «unidade do capital e trabalho» contra o socialismo, por outro, insurge-se contra o que consideram a «prepotência liberal». Aliás, a originalidade da orien- tação programática dos círculos reside, justamente, na criação de uma forma moderna de corporativismo, de resto, bem visível na criação de um Conselho de Trabalho de composição mista. A este desiderato acresce a intenção de se fazer eleger representantes operários no Parlamento.

Tendo na sua génese uma tentativa de resposta moral à questão social, os círculos católicos de operários acabam por desempenhar uma função de matriz política e ideológica, postergando o carácter «económico-reivindicativo» com vista a potenciar uma verdadeira «promoção social». Demais, sendo o modelo de Cir- culo implementado entre nós o de uma agremiação cuja intervenção se caracteriza essencialmente por um reformismo interclassista, o movimento dos círculos vai orientar a sua acção, face ao movimento operário de então, em dois segmentos claros: o reformismo social alternativo à luta de classes, por um lado; e a luta anti-socialista, anti-anarquista na disputa do controlo do operariado, por outro.26

Derivado de uma composição interclassista, a acção dos círculos católicos de operários vai assentar, assim, no compromisso social, na religião e na assistên- cia caritativa, contrariando eventuais antagonismos de classe e qualquer tipo de «agitação reivindicativa». Lançados como «tampão à organização socialista do operariado»27, o seu reformismo social, embora tímido, privilegia aspectos ati- nentes às condições gerais de vida e de trabalho do operariado, mormente o debate sobre o descanso dominical, o horário laboral, o trabalho nocturno, o trabalho feminino e de menores, o salário mínimo, a habitação operária e o mutualismo.

25 Cf. Estatutos do Circulo Catholico de Operários do Porto. Porto: Typ. Fonseca, 1908, p. 7.

26 Cf. Marie Christine Volovitich – O Circulo Católico de Operários do Porto (1898-1911): um pré- corporativismo?, p. 1205.

27 Manuel Braga da Cruz – As origens da democracia cristã em Portugal e o salazarismo. Lisboa: Editorial Presença, 1980.

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O reformismo social que caracteriza o Circulo Católico de Operários dos Porto, entendido como contraponto à perspectiva revolucionária, vai ser acompanhado de luta cerrada ao socialismo a partir do prelo e do periodismo, destacando-se o semanário O Grito do Povo, que Fructuoso da Fonseca fundou e dirigiu entre 1899 e 1895, com um alinhamento programático sintetizado na expressão «Os socialistas gritam: Abaixo o capital! Nós, os operários catholicos, gritamos: Viva a união do capital e do trabalho!»28 Por sua vez, a greve é considerada quase sempre um «elemento de desordem moral», constituindo, como tal, um pólo nevrálgico das clivagens entre católicos e socialistas e as suas organizações.29 Por exemplo, em 1903, no âmbito do surto grevista que assolou a cidade do Porto, através de

O Grito do Povo, o seu círculo católico de operários promoveu campanha cerrada

contra o recurso à greve, não deixando, porém, de considerar justo o motivo que a desencadeou, preconizando: «Essa parte mal remunerada deveria ter feito a sua louvável reclamação, directamente ou por meio das suas associações, e quando não fosse atendida pelos industriais, deveria levar recurso para o Estado, que a protecção d’elle nestas circunstancias é um dever sacratíssimo».30 Entre as raras circunstâncias detectadas onde os católicos apoiam uma iniciativa das associações operárias, é a que diz respeito às reivindicações da Federação das Associações de Classe a propósito do «insuficiente» subsídio concedido pelo Governo Civil do Porto às famílias afectadas pela paralisação do trabalho, na sequência da «peste bubónica», no Verão de 1899.

Sendo a questão do descanso dominical, sobre a qual também escreve Fruc- tuoso da Fonseca, uma das principais preocupações reivindicativas do Círculos, em Março de 1903 foi enviada ao Parlamento uma «representação» do operariado católico, portadora de uma petição com vista à resolução do problema. Um ano depois, Jacinto Cândido e o Conde de Bertiandos, deputados nacionalistas, fazem subir à Câmara Alta um Projecto de Lei sobre o descanso dominical, pese embora só já na ditadura franquista virá a ser promulgado o decreto sobre a concessão daquele desiderato.

Ora, no confronto entre catolicismo e socialismo não se detectam, todavia, «soluções intermédias», embora inicialmente tenha sido política do Circulo do Porto a tentativa de penetração em alguns meios associativos de operários por- tuenses. Exemplo disso é a acção desenvolvida pelo operário alfaiate Rodrigues Pereira Cardoso, militante da Associação de Classe dos Oficiais e Costureiras de Alfaiate do Porto e, por conseguinte, membro da Federação das Associações de Classe, ao propor, sem êxito, um recrutamento conjunto, passando os católicos sociais do Porto a angariar isoladamente alguns activistas socialistas e anarquistas

28 O nosso brado. O Grito do Povo. N.º 1 (10 de Junho de 1899), p. 1.

29 Conde de Samodães – Greves. Correio Nacional. N.º 689 (27 de Maio de 1895), p. 1.

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dissidentes. Entre os trânsfugas destaca-se o operário José Martins Gonçalves Viana – José Ferro, que, além de destacada figura socialista, foi um dos mentores do movimento anarquista português e fundador do Grupo Comunista Anarquista, em 1887.31 Aliás, em assembleia-geral do Circulo, de 12 de Novembro de 1905, sob proposta de Fructuoso da Fonseca, aquele ex-socialista foi nomeado primeiro- secretário da Direcção.32

Perante o exponencial crescimento do movimento social católico, põe-se cada vez com maior acuidade a necessidade de unificar e coordenar os vários segmentos do catolicismo social, cujo enraizamento residia nos círculos católicos de operários, nos centros académicos da democracia cristã de Coimbra, Lisboa, Porto e Braga, nas associações católicas destas três últimas cidades, nas várias células da Sociedade de S. Vicente de Paulo, nos grupos femininos, nas agremiações de juventude cató- lica e, bem assim, na imprensa católica militante. Face a este desiderato, Fructuoso da Fonseca irá liderar o lançamento dos congressos das Agremiações Populares Católicas, realizados entre 1906 e 1910, embora só tenha participado no primeiro, realizado em Lisboa em 1906 (que presidiu), e no segundo, já no Porto, em 1907. Nestes fóruns pressente-se, pois, a necessidade de federar as obras católicas, pretendendo-se populares em contraponto à visão liberal da sociedade e à própria «territorialidade eclesiástica» de então, embora entre o seu núcleo dirigente se encontre uma representação significativa do clero.