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Ríos 39 En varias ocasiones presidente de gobierno, se convirtió en el paradigma del católico defensor de la laicidad del Estado, simbolizada a través de su defensa

3. Métodos de acção

No intuito de melhor formar os seus militantes, a JOC implementou a meto- dologia de trabalho baseada na trilogia: Ver, Julgar, Agir, criada pelo fundador do jocismo, Joseph Cardijn (1882-1967)23, posteriormente consagrada pelo papa João XXIII na encíclica Mater et Magistra, em 196124.

A primeira etapa, Ver, tinha por objecto colocar o militante perante a realidade social para que examinasse o que se passava no seu meio e no mundo porque a Igreja devia estar consciente do mundo em que se encontrava o povo e ela mesma. Para concretizá-la, os organismos usavam inquéritos com temáticas específicas25. A

19 Cf. Sandra Duarte – A imprensa católica durante o Estado Novo: o caso da Voz do Trabalho. In Revista

Estudos do Século XX. (2007) 255-269.

20 A partir de Maio de 1974, tornou-se o órgão oficial dos movimentos masculino e feminino da LOC. 21 Existia uma rubrica dedicada exclusivamente ao futebol, intitulada «Enquanto o árbitro não apita». 22 No caso de Vida e Alegria, estas visavam preparar as militantes para o seu futuro papel de donas de casa. 23 Cf. Roger Aubert – Cardijn: o apóstolo da juventude trabalhadora: a mensagem da JOC para os jovens do

mundo operário. Coimbra: Gráfica de Coimbra, 1999, 93 p.

24 Cf. João XXIII – Mater et Magistra. In AA.VV. Caminhos da justiça e da paz: doutrina social da Igreja. Lisboa: Rei dos Livros, 1993, p. 188.

25 Por exemplo, em Abril de 1954, foi entregue aos locistas um inquérito versando a temática «Saneamento do ambiente de trabalho».

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segunda fase, Julgar, remetia para uma análise rigorosa por parte dos leigos daquilo que tinha observado, com o apoio do Evangelho e da doutrina social da Igreja. Passava-se então à última fase, Agir, em que, individualmente, ou em conjunto, os militantes procuravam soluções para os problemas do seu meio. As propostas de acção tinham que ser respostas às urgências e necessidades examinadas à luz dos ensinamentos sociais cristãos.

No seio do JOC, a metodologia foi aplicada desde os anos 40 para resolver os problemas concretos da vida do jovem operário. Na década de 50, alargou-se ao resto da A.C.P. Porém, esse método cingiu-se, sobretudo, à teoria e foi pouco posto em prática pelos locistas inicialmente26. Pouco a pouco, a LOC sentiu contudo a necessidade de encontrar novos métodos de trabalho e acção. Um novo rumo foi dado após o Conselho-Geral de 14 e 15 de Julho de 1962, em que foi decidido adoptar o método Revisão de Vida Operária (R.V.O).

Este consistia numa uma reflexão dos problemas do dia-a-dia e pretendia culminar numa acção concreta no meio27. Era considerado pelos organismos operários católicos fundamental para a formação e o compromisso eclesial e cívico dos seus elementos. Possibilitava um conhecimento social e cultural mais profundo em que todos participavam na reflexão e na procura das soluções porque «cada jovem trabalhador tem um destino eterno, divino, que se incarna na sua vida de todos os dias28».

Esta metodologia da R.V.O. estava patente em toda a imprensa católica operá- ria, independentemente do público-alvo, contribuindo para despertar a motivação religiosa nos militantes.

4. Ver

Desde o final do século XIX, a Igreja católica debateu, através de diversas encíclicas29, a questão social, propondo-lhe soluções, à luz do Evangelho. Ao olhar para o contexto sociopolítico e religioso português das décadas de 60 e 70, a A.C.P. deparava-se com um mundo com importantes problemas políticos, económicos e sociais.

Impunha-se portanto colocar os militantes perante o seu meio e fazer ver-lhes as suas lacunas de forma crítica. Esta etapa era parte integrante das páginas de

26 Cf. A verdade no Movimento. Boletim de Militantes. (Novembro e Dezembro de 1953) 7.

27 Cf. Narciso Rodrigues – A revisão da vida operária como escola de formação apostólica. Lisboa: Edições JOC, 1959, 16 p.

28 Juventude Operária. (Outubro de 1954).

29 As mais importantes foram Rerum Novarum (1891), Quadragesimo Anno (1941), Mater et Magistra (1961) e Gaudium et Spes (1965).

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Juventude Operária e Voz do Trabalho, em que era traçado o quotidiano sócio-

económico dos jocistas e locistas.

Os trabalhadores enfrentavam muitas dificuldades, entre as quais os salários baixos, a falta de férias, o trabalho ao domingo, entre outros. A imprensa católica operária pretendia ser o porta-voz das preocupações e das reclamações operá- rias, defendendo a ideia de salário justo, imprescindível para a realização do bem comum e do bom entendimento entre capital e trabalho30; e a importância do sindicato como meio de defesa do seus direitos. Para que os militantes tivessem consciência desta realidade, alguns jornais publicavam nas suas páginas alguns questionários31.

Além destas temáticas, a imprensa católica operária interessava-se pela emigra- ção, ao qual não podia ficar alheia pelo seu crescimento na década de 6032. Foram

numerosos os artigos publicados relati- vamente a esta temática. Procurava, nas suas colunas, traçar o perfil sociológico dos emigrantes portugueses, no intuito de descobrir e compreender as razões desse «caudal crescente»33. A fome e a falta de trabalho que permitisse aufe- rir salários adequados ao sustento de uma família eram as razões apontadas para explicar a fuga em massa. Porém, causas de cariz político eram também apontadas para decifrar o fenómeno migratório: a fuga à guerra colonial e o condicionalismo sócio-político do Estado Novo34. Assim sendo, a questão política tornou-se também fulcral, principalmente no período pós-conciliar.

Para difundir a sua mensagem, a imprensa usava um vocabulário especificamente religioso e apelava à

30 Cf. João XXIII – Mater et Magistra. In AA.VV. – Os caminhos da justiça e da paz: doutrina social da Igreja. Lisboa: Editora Rei dos Livros, 1993, p. 159-161.

31 Cf. Quem acerta? Lar e Trabalho. (Novembro de 1969).

32 Cf. História de Portugal. Dir. José Mattoso. Vol. VII: Estado Novo (1926-74). Coord. Fernando Rosas. Lisboa: Editorial Estampa, 1998, p. 373-376.

33 Emigração: causas e consequências. Voz do Trabalho. (Junho-Julho de 1970). 34 Cf. Arquivo da LOC – Emigrantes em acção. Voz do Trabalho. (Agosto de 1973).

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vocação do homem como apóstolo35. Segundo a A.C.P., a recristianização passava pelo apostolado do semelhante pelo semelhante para que a mensagem de Cristo penetrasse mais eficazmente no meio operário. Esta ideia é patente em alguma iconografia do Juventude Operária, em que operários erguem uma cruz «num mundo a desfazer-se».

5. Julgar

Após ter observado a realidade, o leigo era convidado a reflectir e a confrontar o que tinha visto com aquilo que afirmavam os ensinamentos sociais da Igreja36.

Este trabalho fazia-se principalmente durante as reuniões de militantes. Porém, a imprensa desempenhava um papel relevante para a sua concretização porque divulgava largamente a dou-

trina social da Igreja nas suas páginas. A transcrição de encíclicas, na ínte- gra37, ou em parte38, era algo comum nos órgãos operários da A.C.P. Além de as reproduzirem, comentavam-nas e analisavam-nas de forma a estimu- lar uma reflexão e consciencialização dos militantes. Eram frequentemente postas em destaques para chamar a atenção do leitor, com o recurso a tinta vermelha ou a caracteres de tamanho maior39. Na imprensa infantil, o Evan- gelho era enunciado graças à banda desenhada40.

Os organismos operários católicos procuravam desenvolver as qualidades humanas e as capacidades profissionais a fim de concorrer para a sua formação integral de cristão. Usavam a imprensa para esse efeito, tendo como principal

35 Cf. O que é a vocação? Voz do Trabalho. (Agosto/Setembro de 1963). 36 Como viver as encíclicas. Voz do Trabalho. (Maio de 1959). 37 Pacem in Terris. Voz do Trabalho. (Maio de 1963).

38 O Concílio fala ao mundo. Voz do Trabalho. (Janeiro de 1966).

39 Popularium Progressio. Lar e Trabalho. (Setembro 1970); e Leão XIII. Vida e Alegria. (Julho/Agosto de 1955).

40 Girassol. (Outubro de 1972).

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público-alvo a família, vista como o alicerce da sociedade41. Na iconografia usada, ocupava um lugar central.

Todos os elementos da célula familiar: o pai (chefe da família), a mãe (essen- cialmente vocacionada para os serviços domésticos) e os filhos (futuros trabalha- dores) deviam ser abrangidos pela mensagem cristã.

Ilustrativo da importância da família para a A.C.P. é a publicação de um suplemento especial para o Natal e a Páscoa, intitulado Família Operária42, que era coordenado pela JOC, JOCF, LOC e LOCF. Tinha como finalidade contribuir para o desenvolvimento do chamado apostolado familiar. A A.C.P. promovia uma maior e melhor implementação no meio, e por via de facto, uma recristianização desde a sua raiz: a infância.

A imprensa difundia a sua visão do mundo e da sociedade portuguesa, em particular, com um manifesto tradicionalismo no que respeita ao lugar e função do homem e da mulher: papéis bem codificados que em nada se distinguiam da ide- ologia salazarista. Nas décadas de 40 e 50, a imprensa feminina insistia, portanto, na ideia de que o lugar da mulher era no lar. Chamava a atenção das suas leitoras para o seu papel de esposas, mães e donas de casa. Deviam transmitir valores cristãos aos filhos43. Esta ideia é patente em todos os jornais católicos, quer sejam femininos quer sejam masculinos44. Tanto o regime como a Igreja católica faziam a apologia do modelo de família tradicional que assentava no regresso da mulher ao lar e da glorificação da maternidade45. Porém, com a renovação conciliar, o campo jornalístico reconheceu um crescente protagonismo à mulher fora do lar, tornando-se também ela protagonista no seu emprego, desde que não privasse as crianças dos cuidados da mãe. Os jornais difundiam a mensagem do Concílio Vaticano social e pugnavam pelo reconhecimento dos direitos das mulheres tra- balhadoras. Estas eram, muitas vezes, desrespeitadas pelos seus colegas homens, que recebiam uma remuneração superior à delas46, ou eram forçadas a efectuar trabalhos desadequados face à sua condição.

Esta ideia também é patente na imprensa juvenil. A educação das raparigas constituía uma importante preocupação no seio do catolicismo. Esta passava, prin- cipalmente, por inculcar certos princípios para que se tornassem filhas exemplares, «boas» cristãs e cidadãs responsáveis. Para atingir o seu objectivo, a imprensa tinha recurso a uma linguagem simples, clara e apelativa: «Sê delicada para com todos», «Ajuda as tuas colegas de trabalho», «Mostra-te sempre alegre e sorridente», «Na

41 J. de Castro Nery – Programa de Acção Católica. Rio de Janeiro: Editora ABC Lda., 1936, p. 74-82. 42 Atingiu, em 1953, a tiragem de 25.000 exemplares.

43 Lar e Trabalho. (Março de 1953).

44 O lar: o local da mulher. Juventude Operária. (Janeiro de 1963).

45 Anne Cova e António Costa Pinto – O salazarismo e as mulheres: uma abordagem comparativa. Penélope. 17 (1997) 71-94.

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família, sê atenciosa e ajuda nos trabalhos de casa» e «No eléctrico, oferece o lugar às pessoas mais idosas»47.

A imprensa vocacionada para os rapazes e os homens incentivava os militantes a serem bons trabalhadores. Para isso, deviam ter consciência dos seus deveres: esforço no trabalho e cooperação com a entidade patronal; bem como dos seus direitos: salário mínimo, direito a férias, a uma habitação digna e à educação48. No período pós-conciliar, a noção de direito aparece com cada vez mais ênfase na imprensa operária. Para esse efeito, as publicações recorriam constantemente à doutrina social da Igreja e a uma iconografia em que a figura de Cristo desempe- nhava um papel de libertador e protector da classe operária49.

O objectivo era formar católicos integrais, já que a Igreja considerava que «ser católico é viver da inserção no Cristo total, em toda a sua vida, dentro ou fora da Igreja (…) sempre de consciência recta, iluminado pela doutrina católica»50.

6. Agir

A última etapa da R.V.O., Agir, consistia numa acção combinada para a melhoria do meio de forma a se obter um resultado duradouro. Materializava-se principalmente através da implementação de campanhas anuais.

A Igreja incentiva os leigos a serem conscientes dos seus deveres e dos direi- tos para que actuassem no seu meio, conforme os ensinamentos contidos no seu Magistério social. Deviam «agir», ou seja, «face às realidades reflectir para transformar»51.

Através da sua imprensa, os diferentes organismos operários convidavam os militantes a intervir na vida sócio-económica do país, de modo a promover a classe operária e tornar a sociedade mais justa52. A mensagem veiculada pela A.C.P. prendia-se com o cumprimento de preceitos, como intervir no espaço social através, por exemplo, dos sindicatos. Invocava constantemente o direito de livre associação, apoiando-se nos textos do Concílio Vaticano II, para que os operários vissem os seus direitos respeitados.

Após o concílio Vaticano II, nomeadamente da encíclica em que o Papa tra- tava da participação dos leigos na vida pública53. Os órgãos jornalísticos operários

47 Vida e Alegria. (Fevereiro de 1959). 48 Voz do Trabalho. (Dezembro de 1971). 49 Vida e Alegria. (Julho/Agosto de 1955).

50 A posição dos cristãos de hoje e as necessidades da Igreja. Voz do Trabalho. (Fevereiro de 1961). 51 Lar e Trabalho. (Junho de 1969).

52 Um homem livre participa. Juventude Operária. (Junho de 1970).

53 Concílio Vaticano II. «Gaudium et Spes». In AA.VV. – Caminhos da justiça e da paz: doutrina social da

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apelavam cada vez mais os leigos a cumprirem os seus direitos cívicos. Durante as eleições para a Assembleia de 1965, 1969 e 1972, muitas páginas versam a temá- tica do recenseamento eleitoral. Aparecia de forma repetida a frase «Vamos todos recensear-nos». Em Dezembro 1968, era proclamada a igualdade de direitos políti- cos do homem e da mulher, independentemente do seu estado civil. Nesse âmbito, a imprensa feminina insistia na importância do voto feminino, argumentando sempre o seu propósito à luz da doutrina social da Igreja54.

Na década de 70, num país mergulhado numa guerra colonial desde 1961, tornou-se também central a ideia de paz na imprensa. Em 1967, Paulo VI tinha institucionalizado o dia mundial da paz. Em consequência, os órgãos operários espalharam esta mensagem pacífica55. A atitude inicial de legitimação do colonia-

lismo português, e por consequência da guerra colonial por parte dos órgãos operários da A.C.P., deu lugar a uma nova abordagem do problema. Porém, os artigos que versavam essa temática eram escassos, por ser um tema que não escapava ao lápis azul da censura56. A imprensa levava os jocistas e locistas ao «agir» como projecção de uma consciência religiosa. Constituía uma orientação para a acção apostó- lica. A R.V.O. fazia surgir um novo tipo de leigo cristão imerso no mundo com o seu compromisso temporal. Puxado pela figura de Cristo, o operário avan- çava e construía um mundo novo57. Esta ideia era também patente na revista infantil Girassol. Através do recurso a uma banda desenhada, as responsáveis convidavam as crianças para a R.V.O:

Ver um mundo em guerra, Julgar esta realidade à luz dos textos bíblicos e papais

e Agir, espalhando a paz no seu meio. Este concretizava-se através de pequenas acções na escola ou em casa.

54 Voto feminino. Vida e Alegria. (Janeiro de 1969).

55 A Paz: anseio da humanidade. Juventude Operária. (Janeiro de 1971). 56 Guerras. Voz do Trabalho. (Março de 1973).

57 Para um homem novo, um mundo novo. Juventude Operária. (Dezembro de 1954).

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7. Conclusões

Ao editar jornais ou revistas, os organismos operários procuravam, portanto, penetrar o meio operário para recristianizá-lo desde a sua raiz. Nesse âmbito, a A.C.P. implementou o método de Revisão de Vida por causa do seu carácter moti- vador da acção evangelizadora dos leigos. Esta fórmula metodológica, inspirada no tradicional Ver, Julgar, Agir de Cardijn, mergulhava os apóstolos no seu quotidiano, ajudava-os a reflectir sobre as realidades descobertas e comprometia-os na acção. Segundo a A.C.P., só assim poderiam ser militantes capazes de decidir por si e responsáveis pela sua vida e pelo presente e futuro da sociedade.

Assim, a imprensa era um dos meios usados pelos movimentos católicos para despertar a motivação religiosa dos militantes, através do recurso a uma linguagem e a uma iconografia claramente cristãs. Visava também à formação integral do cristão (religiosa, moral, intelectual e social), ou seja, formar leigos cuja vida fosse em tudo regulada pela doutrina social católica que devia se exprimir em todas as acções ordinárias da vida quotidiana. Para a Igreja católica, só assim o apostolado dos leigos poderia ser fecundo.

Porém, a aplicação da Revisão de Vida Operária em Portugal entrou em choque com as ideias veiculadas pela Hierarquia Portuguesa e pelo Estado Novo:

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«uma ACP fora e acima da política». O conservadorismo religioso, assim como o condicionalismo político, foram entraves à acção de alguns católicos na sociedade. Estes queriam tornar-se construtores do seu futuro e principalmente actores da vida social como transparecia nas páginas da imprensa. Tinham a esperança de ver nascer uma sociedade nova, espelho dos ensinamentos de João XXIII e Paulo VI, em que os direitos dos trabalhadores e dos homens fossem respeitados. A partir da chegada de Marcelo Caetano ao poder, altura em que a imprensa da A.C.P. começou a ser submetida à censura, estas ideias não escaparam ao lápis azul.

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António de Araújo

Apresentação

Procurarei dar um brevíssimo apontamento de alguns tópicos que caracteriza- ram a intervenção política dos católicos nos anos sessenta, fixando-me sobretudo no período pós-conciliar. Não pretendo apresentar um léxico do que foi o catoli- cismo político dos anos sessenta mas, através de algumas palavras-chave que irão surgir ao longo da exposição, tentarei reconstruir, isso sim, um universo conceptual que criou raízes e que, de certo modo, ainda perdura nos nossos dias.

Mais do que descrever as características do «catolicismo político» e os seus «epifenómenos» (do «diálogo cristão-marxista» de Garaudy à acção do Grupo Slant, passando pela Teologia Política de Metz ou de Moltmann), procurarei, sem me fixar no caso português, retratar a traços muito largos o ambiente que precedeu e acompanhou a intervenção política dos católicos na década de sessenta, tendo sempre presente que não são claros os contornos de todos os pontos que dão título a esta exposição: (1) o que são «os católicos» para este efeito; (b) o que é a «intervenção política» dos católicos; (c) e, enfim, o que são os «anos 60».

1. «Minorias abraâmicas»

Começaria por citar uma frase que para alguns poderá parecer uma heresia: «O socialismo cristão não é mais que a água benta com que o padre abençoa os corações inflamados dos aristocratas». Foi escrita em 1848 por Marx e Engels, no

Manifesto do Partido Comunista. A referência de Marx e Engels aos «aristocratas»

de «corações inflamados» assume, neste contexto, um significado algo provocató- rio. Visa salientar, desde logo, o seguinte: aquilo que se pode definir por «católicos interventivos» correspondeu a uma elite, a uma «minoria abrâamica», para usar as palavras de D. Hélder Câmara. Esta caracterização não possui um propósito

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pejorativo, procurando tão-só advertir para o facto singelo, mas inquestionável, de que apenas uma minoria trilhou os caminhos do activismo político. A maioria dos católicos não participou politicamente, pelo menos nessa qualidade. As distorções da memória, porém, acabam por fazer com que não sejam as maiorias silenciosas mas as «minorias atrevidas» − e agora uso palavras de Marcello Caetano, ditas na época − que marcam a história desses anos. De todo o modo − e este ponto é importante −, o ambiente que rodeou o emergir daquele activismo sociopolítico acabou também por abranger e envolver a maioria silenciosa dos católicos mais discretos e passivos. É que, mesmo não assumindo qualquer protagonismo, todos os católicos, de uma maneira ou doutra, foram marcados por factos que os trans- cendiam, mas que, até por acção dos mass media, presenciavam e acompanhavam. Não por acaso, o Vaticano II foi «um acontecimento» de projecção mundial.1 O olhar da opinião pública de todo o planeta sobre os trabalhos do Vaticano II projectou-se no interior da Aula Conciliar e muitas das fracturas que hoje con- sideramos terem existido correspondem ou a formas grosseiras de simplificação mediática ou a um fenómeno reactivo dos padres conciliares a uma exposição pública sem precedentes, a qual era interpretada naturalmente à luz de critérios algo redutores de natureza «política» em sentido lato (ex.: maioria vs. minoria; renovadores vs. conservadores).