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2 FUNDAMENTOS

2.3 A PEDAGOGIA DE PROJETOS: UMA DAS POSSIBILIDADES

Segundo o dicionário Aurélio on-line, a palavra projeto origina-se do latim projectus e significa:

 o que se tem a intenção de fazer; desígnio; intento;

 plano de realizar qualquer coisa;

 estudo, com desenho e descrição, de uma construção a ser realizada;

 projeto de lei, texto redigido e em tramitação numa Casa legislativa, o qual depende de aprovação para se transformar em lei.´

As Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) de 2013 reconhecem que a escola precisa acolher diferentes saberes, diferentes manifestações culturais e diferentes óticas, empenhar-se para constituir, ao mesmo tempo, um espaço de heterogeneidade e pluralidade, situada na diversidade em movimento, no processo tornado possível por meio de relações intersubjetivas, fundamentada no princípio emancipador. Cabe, nesse sentido, às escolas desempenhar o papel socioeducativo, artístico, cultural, ambiental, fundamentadas no pressuposto do respeito e da valorização das diferenças, entre outras, de condição física, sensorial e socioemocional, origem, etnia, gênero, classe social, contexto sociocultural, que dão sentido às ações educativas, enriquecendo-as, visando à superação das desigualdades de natureza sociocultural e socioeconômica (BRASIL, 2013, p. 27). Ainda nessa mesma linha, destaca a importância das abordagens disciplinar, pluridisciplinar, interdisciplinar e transdisciplinar que requerem a atenção criteriosa da instituição escolar, porque revelam a visão de mundo que orienta as práticas pedagógicas dos educadores e porque organizam o trabalho do estudante. Ademais, pela abordagem interdisciplinar ocorre a transversalidade do conhecimento constitutivo de diferentes disciplinas, por meio da ação didático-pedagógica mediada pela pedagogia dos projetos temáticos. O documento ressalta que os projetos facilitam a organização coletiva e cooperativa do trabalho pedagógico, embora sejam ainda recursos que vêm sendo utilizados de modo restrito e, às vezes, equivocados.

Apesar de os Parâmetros Curriculares Nacionais de Ciências Naturais se constituir um documento antigo, ele traz alguns aspectos interessantes – os eixos propostos –, os quais se aproximam da proposta filosófica do enfoque CTSA e estão de acordo com eixos propostos nas diretrizes curriculares da Serra, documento elaborado, em 2007, de forma colaborativa pelos professores de Ciências da Rede Municipal da Serra–ES.

O PCN de Ciências Naturais traz aspectos sobre projetos em que

[...] Uma importante diferença é que nos projetos abre-se espaço para uma participação mais ampla dos estudantes, pois várias etapas do processo são decididas em conjunto e seu produto é algo com função social real: um jornal, um livro, um mural, uma apresentação pública etc. [...] (BRASIL, 1996, p. 115).

Destaca, ainda, que os projetos constituem uma forma de trabalho em equipe, permitindo a articulação entre os diferentes conteúdos de ciências destes com as outras áreas do conhecimento e os temas transversais propostos pelos Parâmetros Curriculares Nacionais.

[...] Todo projeto é desenhado como uma sequência de etapas que conduzem ao produto desejado [...] Atividades de sistematização final de um projeto têm como intenção: reunir e organizar os dados, interpretá-los e responder o problema inicialmente proposto, articulando as soluções parciais encontradas no decorrer do processo; e organizar apresentações ao público interno e externo à classe. Dependendo do tema e do ciclo em que se realizou o projeto, as apresentações podem incluir elaboração de folhetos, jornal, cartazes, dramatizações, maquetes, comunicações orais ou exposições de experimentos (BRASIL, 1998, p. 116).

Destacamos que um dos objetivos acerca da utilização de projetos como forma de execução das atividades foi a possibilidade de sua contribuição para integrar os conteúdos estudados e necessários ao conhecimento, bem como a possibilidade de abertura para tomada de decisões pelo grupo, além da não dicotomização do ensino em teoria e prática, mas como concebidas inseparavelmente.

Segundo Rôças (2008, p. 65), a pedagogia de projetos ―desempenha na escola papel expressivo, promovendo uma redefinição de práticas educativas, dado as mudanças aceleradas nas relações sociais e no mundo do trabalho‖.

Conforme destacam Hernández e Ventura (1998), a pedagogia de projeto pode ser utilizada em qualquer disciplina, contudo vem sendo implantada principalmente no ensino de ciências naturais e sociais (p. 83). O ensino de ciências baseado em projetos torna-se mais dinâmico, multidisciplinar, exige um envolvimento e comprometimento do aluno nas atividades, além de viabilizar o trabalho de atividades complexas. Nesse sentido, destacamos os motivos pelos quais escolhemos trabalhar com a perspectiva dos projetos.

[...] Os projetos na realidade são verdadeiras fontes de criação, que passam sem dúvida por processos de pesquisas, aprofundamento, análise, depuração e criação de novas hipóteses, colocando em prova em todo momento as diferentes potencialidades dos elementos do grupo, assim como as limitações (NOGUEIRA, 1998, p. 32).

Dessa forma, o trabalho com projetos permite que as atividades, bem executadas, não sejam enfadonhas ou desgastantes, estimulando a criatividade do grupo, mas não deixando de evidenciar o potencial dos componentes do grupo que o desenvolve.

Para Nogueira (1998, p. 33), um projeto não precisa ser desconectado da programação acadêmica, podendo ser proposto junto com os alunos, para intensificar o processo de aprendizagem dos conteúdos e possibilitar a diversificação de ações, formas e vivências que propiciem o desenvolvimento das diferentes competências.

Figura 2 – Motivos pelos quais se trabalha na perspectiva de projetos

Fonte: Hernandez; Ventura (1998).

Segundo Hernández e Ventura,

[...] começar a propor-se o que isso implica, em forma de tomada de postura inicial é o que se deriva dessa discussão e marca algumas das linhas nas quais se pode concretizar a globalização na educação: o caminho do conhecimento implica busca e aprofundamento das relações que seja possível estabelecer em torno de um tema, relações tanto procedimentais como disciplinares; mas também do desenvolvimento da capacidade de propor-se problemas, de aprender a utilizar fontes de informação contrapostas ou complementares, e saber que todo ponto de chegada constitui em si um novo ponto de partida [...] (HERNÁNDEZ; VENTURA, 1998, p. 48).

Ao oferecer uma proposta globalizadora, faz-se necessário lançar mão de argumentos, os quais embasarão uma proposta interdisciplinar, a saber: 1 – a argumentação sociológica derivada, na qual a escola tem a necessidade de adaptar-se às múltiplas fontes de informação que veiculam os conhecimentos que se deve ―saber para preparar-se para a vida‖, visto que não se pode aprender tudo, assim a importância de aprender como se relaciona o que se conhece, e de estabelecer com o que o aluno pode chegar a conhecer; para saber o que ensinar, uma vez que há enorme gama de conhecimento acumulado mediante o estabelecimento de objetivos para a educação escolar: combinar a aquisição de

conhecimentos, a estruturação da inteligência e o desenvolvimento das faculdades críticas; promover o conhecimento de si próprio e avivar, de forma permanente, as faculdades criativas e imaginativas; ensinar a desempenhar um papel responsável na sociedade; ensinar a comunicar-se; ajudar os estudantes a se prepararem para adquirir uma visão global; 2 – a argumentação de ordem psicológica, de maneira de cada estudante possa ―aprender a aprender‖, ou seja, sejam capazes de realizar aprendizagem significativa, numa ampla gama de situações, ou seja, estabelecer relação com a informação de maneira crítica, não se tratando de favorecer o enciclopedismo, mas, por meio de procedimentos e estratégias, a seleção da informação para promover a autonomia progressiva do aluno; 3 – a argumentação de que a aprendizagem dos temas diversos reside nos chamados centros de interesse, unidades didáticas ou núcleos temáticos, que deverão interessar às crianças, inclusive serem sugeridos por elas (HERNÁNDEZ; VENTURA, 1998).

Diferentes concepções sobre globalização se refletem na prática escolar. Sendo assim, levanta-se a seguinte questão: que quer dizer ―globalização‖ na prática dos que ensinam? Na tentativa de responder à questão Hernández e Ventura (1998) detectam pelo menos três sentidos: a globalização como somatório de matérias, a qual se produz quando o docente, partindo de um tema que surge da turma ou que venha nas programações oficiais ou em livros-textos, trata de propor aos alunos algumas relações. Para isso, vai fazendo confluir diferentes conteúdos de várias matérias em torno do tema escolhido. Os problemas de matemática, os textos de linguagem, as experiências propostas à turma se agrupam em torno de um tema comum. É centrada geralmente nos docentes, uma vez que estes tomam as decisões sobre as conexões que se podem estabelecer entre os conteúdos das diferentes matérias, com uma concepção externalista, ou seja, vinda de fora. Os professores ou situações é que forçam o estabelecimento das conexões. Ao cessar as pressões exercidas, o aluno opta por trabalhar de forma autônoma cada matéria (HERNÁNDEZ; VENTURA, 1998, p. 52).

[...] A globalização a partir da conjunção de diferentes disciplinas constitui a interdisciplinaridade, a qual parte do interesse do professor de distintas matérias, as quais têm objetivo do conhecimento comum. A diferença fundamental com a anterior é que o sentido de sumário se amplia e a intenção relacional se acentua. Por outro lado, se vai além das propostas individuais, já que se deve produzir a convergência de um grupo de docentes para estabelecer, em conjunto, um tema. Deseja-se a partir da visão de diferentes disciplinas, mas sem intercâmbios relacionais reais entre os saberes. É também uma visão externa ao processo de aprendizagem do aluno. Deriva do esforço e dos conhecimentos do professorado; a divisão disciplinar prevalece como sentido normalizado do saber e oferece uma superestrutura organizada que pretende oferecer aos estudantes um acesso mais rico e direto à realidade dos problemas [...] (HERNÁNDEZ; VENTURA, 1998, p. 54).

A globalização, como estrutura psicológica da aprendizagem, apoia-se na premissa psicopedagógica de que, para tornar significativo um novo conhecimento, é necessário que se estabeleça algum tipo de conexão com os que o indivíduo já possua, possibilitando uma visão integrada do tema que se aborda, com objetivo de que captem a relação entre as diferentes disciplinas, para que assim tenham um acesso mais rico com seus esquemas internos e externos de referência, ou com as hipóteses que estabeleçam sobre o problema ou tema, tendo presente, além disso, que cada aluno pode ter concepções errôneas que devem ser conhecidas para que se construa um processo adequado de ensino-aprendizagem (HERNÁNDEZ; VENTURA, 1998, p. 57).

[...] A organização dos projetos de trabalho se baseia fundamentalmente numa concepção da globalização entendida como um processo muito mais interno do que externo, nos quais as relações entre os conteúdos a áreas do conhecimento têm lugar em função das necessidades que traz consigo o fato de resolver uma série de problemas que subjazem na aprendizagem [...] (HERNÁNDEZ; VENTURA, 1998, p. 63).

Segundo os autores, daí se deriva uma noção de globalização que não se fundamenta tanto no que se ensina (os conteúdos de uma ou de várias matérias curriculares em torno de um mesmo tema) com as relações que o esforço dos professores pretende estabelecer. Concede-se um especial valor às inter-relações comunicativas que se estabelecem entre as intenções, recursos e atividades propostos pelos professores e as suas conexões, que, com base em seu conhecimento inicial, possa estabelecer. O foco não é o conteúdo, mas as relações existentes entre eles, uma vez que a globalização não se traduz pela acumulação de novos elementos à estrutura cognoscitiva do aluno, mas pelo estabelecimento de relações entre as diferentes fontes e procedimentos para abordar a informação. Trata essa visão pedagógica que supera o sentido de acumulação de saberes em torno de um tema gerador.

Rôças et al. (2008), mediante uma experiência com ênfase na pedagogia de projetos, expressam que esta desempenha papel expressivo na escola, promovendo uma redefinição das práticas educativas: o trabalho cujo objetivo foi o de elaborar práticas que permitissem a discussão de elementos associados à educação ambiental e a promoção de saúde por meio de aulas de química. Foi proposto aos alunos o desenvolvimento de projetos em grupo sobre um tema comum a todos. O tema escolhido foi ―plantas medicinais‖, o qual pode ser relacionado aos compostos químicos existentes nas plantas e suas aplicações medicamentosas.

Numa das análises das falas dos alunos, destacamos um trecho sobre a consideração dos alunos sobre o desenvolvimento do projeto:

[...] Os alunos consideram que o desenvolvimento de projetos em disciplinas é uma abordagem relevante, pois possibilita o relacionamento dos mesmos com o objeto de aprendizagem, resolvendo problemas e integrando conceitos que levem a produção do conhecimento, superando as fragmentações e rupturas nos atuais processos de escolarização formal [...] (RÔÇAS et al., p. 67).

Essa análise é muito interessante, uma vez que o projeto tenta criar meios de inter-relacionar os conteúdos apresentados, trabalhando de forma interdisciplinar.

Concluem dizendo:

[...] o projeto sobre plantas medicinais proporcionou a articulação entre escola- família-comunidade. Em termos de limitações, observaram a dificuldade em quebrar resistências iniciais a um processo de aprender centrado em um novo paradigma, mesclando as relações, as partilhas, as trocas, o aprender a formular perguntas e a perseguir caminhos em busca de respostas, o errar para aprender, o desafiar para criar e, por fim, ousar para construir novos conhecimentos (RÔÇAS et al., p. 69).

Amorim (2013), em seu trabalho sobre cineclube escolar, ressalta:

[...] A utilização da pedagogia de projeto trouxe grandes ganhos tanto para os alunos bolsistas, pois, garantiu que esses tivessem um compromisso com suas atividades semanais (construção do material da exibição semanal), quanto para os cineclubistas que criaram o hábito de ir á escola no contra turno para participar de uma atividade extraclasse, que exigia deles uma atitude ativa. [...] assim, acreditamos que a pedagogia de projetos permitiu o crescimento dos mesmos como cidadãos conscientes [...] (AMORIM, 2013, p. 107).

A pesquisa realizada pela autora sobre Cineclube Escolar foi apresentada de forma bastante interessante, ao fazer a análise pedagógica do projeto de extensão realizado. Isso demonstra que a pedagogia de projetos pode ser utilizada como um das práticas pedagógicas de caráter interdisciplinar, reativando a integração, dos conteúdos já tão fragmentados pela maioria das escolas.

Oliveira (2006) destaca:

[...] A metodologia de projetos torna-se então um apoio para uma proposta educacional correlacionada com a afetividade e o ensino e a aprendizagem, já que permite o trabalho com grupos cooperativos, cria condições para que os alunos experimentem suas descobertas, desenvolvam a confiança na própria capacidade de aprender e tomar decisões, fazer escolhas apropriadas na vida. Possibilita também praticar o ouvir e refletir sobre fatos; defender a si mesmo e suas ideias de forma apropriada; tomar providências para concretizar objetivos; dizer a verdade, honrar

compromissos e servir de exemplo. Promove na escola a autocrítica de suas práticas baseadas no ensino e não na aprendizagem, além de possibilitar a organização do currículo escolar por temas e situações problemas, envolvendo os estudantes na pesquisa, tornando o ensino mais ativo e significativo para todos [...] (OLIVEIRA, 2006).

Mediante os trabalhos apresentados, e de acordo com nossas convicções, a criação de projetos de ciências nas escolas envolvendo temas atuais constitui tanto uma forma interessante e eficaz de promover a divulgação e a alfabetização científica entre os alunos, uma vez que, conforme foram expostos, os projetos não têm o caráter de instrução nem estão preocupados com o conteúdo das disciplinas, quanto uma perspectiva de criar mecanismos que promovam um tipo de conexão com os que o indivíduo já possua, com seus esquemas internos e externos de referência, ou com as hipóteses que possam estabelecer sobre o problema ou tema, tendo presente, além disso, que cada aluno pode ter concepções errôneas que devem ser conhecidas, para que se construa um processo adequado de ensino-aprendizagem, contribuindo assim para a correção dessas concepções erradas adquiridas ao longo de sua formação escolar.

Ao trabalhar os temas por meio de textos, visitas a museus, filmes, experimentos científicos investigativos, extraídos do cotidiano dos alunos, além de promover de forma evidente a divulgação da ciência em razão da discussão dos temas atuais, tudo isso contribuirá para a alfabetização científica na perspectiva da formação de cidadãos críticos, socialmente ativos e participativos nas questões atuais que envolvem temas atuais relacionados à Ciência- Tecnologia-Sociedade-Ambiente, especialmente pela promoção da superação do individualismo das disciplinas impostas pelo currículo na maioria das escolas. Promover a reflexão, a autonomia e a visão crítica também deve constituir objetivos alcançáveis pelos estudantes, bem como a estruturação de uma visão globalizante e não fragmentada, conforme já abordado.

Demo (2010) enfatiza que devemos ultrapassar o instrucionismo mediante a reflexão, e não a reprodução do conhecimento como condição para a alfabetização científica. Além disso, deve-se investir na habilidade científica no professor. Destaca, ainda, que este seja capaz de produzir textos próprios com a devida cientificidade e proporcionar um ambiente escolar focado na educação científica. É importante criar oportunidades de experimentos científicos dentro e fora da sala de aula, com objetivo de trabalhar com alunos situações nas quais o olhar científico se torne claro e convincente, problematizador, proporcionando desafios a serem

enfrentados/resolvidos e materiais didáticos, textos diversos, dotados de inequívoca qualidade científica.

Assim, o desenvolvimento de projetos que envolvam temas com enfoque em Ciência- Tecnologia-Sociedade-Ambiente na escola contribui para a divulgação científica e, por sua vez, para o processo de alfabetização científica dos alunos. Esses projetos permitem discussões, reflexões sobre a ciência, uma vez que não consideram o processo de acumulação dos conhecimentos, constituindo assim uma das principais características do trabalho por projetos, pois sua possibilidade de sucesso está relacionada com estabelecer conexões e aprendizagens significativas com base no que os alunos já sabem, ampliando esses conhecimentos e promovendo essas inter-relações. Isso possibilita a construção de uma visão globalizante por parte dos estudantes, uma vez que estes poderão construir as relações para compreender um determinado tema, as conexões a outros temas, constituindo uma complexa rede de informações. A organização por meio de projetos propicia a resolução de diversos problemas, porque, ao enfatizarem as relações, elas são consideradas tão importantes quanto o ensino dos conteúdos, contribuindo para a não fragmentação do ensino.