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2 FUNDAMENTOS

2.4 ALFABETIZAÇÃO CIENTÍFICA E O ENSINO DE CIÊNCIAS

[...] A nossa responsabilidade maior no ensinar Ciência é procurar que nossos alunos e alunas se transformem, com o ensino que fazemos, em homens e mulheres críticos. Sonhamos que, com o nosso fazer educação, os estudantes possam tornar- se agentes de transformação – para melhor – do mundo em que vivemos [...] (CHASSOT, 2011, p. 55).

Para que possamos compreender alfabetização científica, é necessário entendermos o que significa cultura científica, que é um conceito mais amplo, e como essa cultura é formada e de que forma chega até o público, por meio da divulgação científica.

Assim, para que um conhecimento científico chegue ao público em geral, a divulgação científica é de suma importância nas relações entre os indivíduos que constituem a sociedade. A divulgação científica é importante, e, de certa maneira, é necessário que o público entenda o que está sendo divulgado; portanto, justifica-se ocorrer essa compreensão em todos os níveis da sociedade. Na escola acontecem os primeiros contatos, daí a alfabetização regular ser importante para que o indivíduo passe a compreender sua relação com o mundo nesses

primeiros anos de escolarização. Assim como a alfabetização regular, a alfabetização científica constitui fator para a compreensão e inclusão social.

A imprensa, ao veicular uma pesquisa científica, de certo modo está dotando o público de um conhecimento que, se não fosse tornado público, não teria razão de existir. Por exemplo, falar sobre alimentação saudável está contribuindo para a melhoria da qualidade de vida das pessoas, o que leva os cidadãos a tomar suas decisões mediante o uso dessas informações científicas.

Silva (2006) explica que a divulgação não é uma atividade recente, tendo surgido com a própria ciência moderna. Na Europa do século 18, já eram feitas exposições científicas para o público. Ainda no mesmo século, livros eram escritos por cientistas e destinados ao público, bem como ao público infantil. A atividade científica, embora autônoma, sempre ocorreu dentro da sociedade, ou seja, com interlocuções com outras esferas da mesma sociedade; isso quer dizer que a produção da ciência na sociedade não foi somente dos cientistas. Parece que o termo divulgação científica, longe de designar um tipo específico de texto, está relacionado à forma como o conhecimento científico é produzido, como ele é formulado e como circula numa sociedade como a nossa.

A divulgação científica como contribuição social é de extrema importância porque, por meio do conhecimento divulgado, com base no seu entendimento o indivíduo pode tomar decisões, que certamente afetarão sua vida. Como forma de disseminação da cultura científica, os autores citam a realização de feiras, eventos, museus, prêmios e premiações, entre outros, sob o aspecto de mobilização social. A transformação social passa pela mobilização e pela ação cotidiana, precedida pela leitura crítica do mundo e da mídia. Para isso, é importante que se estabeleça a controvérsia. Ao fazermos o itinerário proposto no texto, verificamos que a divulgação científica, grande aliada da cultura científica, tem alcançado diferentes espaços sociais, inclusive nas escolas, gerando um aumento significativo de atos que têm como objetivo difundir os saberes produzidos pela ciência. Dessa maneira, a divulgação científica desenvolvida nos mais diversos meios de produção, com a utilização de mídias modernas, faz-se presente em nosso cotidiano, gerando variada gama de discussões e abordagens.

A formação dessa cultura científica passa pela sua divulgação, assim o papel da imprensa ganha notoriedade na realização da divulgação científica, funcionando como um instrumento

poderoso que, a serviço da sociedade, contribui para a promoção dessa cultura científica. Para explicar como a cultura científica é produzida, Vogt (2003) cria uma metáfora, representada na forma de uma espiral, que pretende, de forma indicativa, relacionar fatos e acontecimentos institucionais coincidentes no tempo que, dispostos no movimento espiralado, vão marcando pontos e desenhando traços que servirão para o delineamento do espaço cultural que abriga conceitualmente a dinâmica do conhecimento.

Nessa metáfora, o conhecimento chega a estudantes de todos os níveis por seus professores e pelos próprios pesquisadores, continua a ser difundido no ensino para a ciência – já envolvendo centros e museus de ciência que atingem públicos mais amplos e heterogêneos –, para finalmente fortalecer a especialização em divulgação científica, praticada pelos jornalistas e cientistas.

Tomando-se como ponto de partida da dinâmica da produção e da circulação do conhecimento científico entre pares, isto é, da difusão científica, a espiral desenha, em sua evolução, um segundo quadrante, o do ensino de ciência e da formação de cientistas; caminha, então, para o terceiro quadrante e configura o conjunto de ações e predicados do ensino para a ciência e volta, no quarto quadrante, completando o ciclo, ao eixo de partida, para identificar aí as atividades próprias da divulgação científica. Considera, no primeiro quadrante, como destinadores e destinatários da ciência os próprios cientistas; no segundo quadrante, como destinadores cientistas e professores e como destinatários os estudantes; no terceiro quadrante, cientistas, professores, diretores de museus de ciência, animadores culturais da ciência como destinadores, sendo destinatários os estudantes; e, no quarto quadrante, jornalistas e cientistas destinam a informação para sociedade em geral.

Segundo o autor, a espiral da cultura científica, ao cumprir o ciclo de sua evolução, retornando ao eixo de partida, não regressa ao mesmo ponto de início, mas a um ponto alargado de conhecimento e de participação da cidadania no processo, de um novo ciclo de enriquecimento e de participação ativa dos atores em cada um dos momentos de sua evolução.

Carlos Vogt (2006), por meio da espiral mostra-se que a produção científica pode tender à cultura científica através da divulgação. Vogt compreende cultura científica em três sentidos: 1) cultura da ciência, como cultura gerada pela ciência e cultura própria da ciência; 2) cultura pela ciência, com a cultura por meio da ciência e cultura a favor da ciência; e 3) cultura para a

ciência, como uma forma de cultura voltada para a produção da ciência e cultura voltada para a socialização da ciência: feiras, premiações, museus, textos, revistas, jornais, enfim, a divulgação da ciência atuando como motivação e mobilização da sociedade para o amor da ciência e do conhecimento.

PORTO (2011) busca definições de cultura para esse texto. A autora faz uma analogia do conhecimento científico com o futebol como paixão nacional. O fato de não jogarmos futebol não nos impede de amá-lo, de sermos amadores de sua prática, de praticá-lo sempre, mesmo que, na maioria das vezes, "só" pela admiração aficionada de torcedor.

Para Vogt, o bem-estar cultural é um conceito de um estado de espírito que se caracteriza pelo conforto crítico da inquietude gerada pelas provocações sistemáticas do conhecimento. Busca a qualidade de vida com auxílio da ciência e de suas aplicações e, nesse sentido, orientá-la para o compromisso com o bem-estar social e com o bem-estar cultural das populações dos diferentes países que se desenham nas redondezas do planeta.

Fala-se também de cultura midiática e reconhece-se que ela se configura como uma teia de significações e pode ser considerada como uma consequência da globalização. É preciso que se estabeleçam melhores condições educacionais para as camadas menos favorecidas. Não se pode falar em alfabetização científica quando a educação básica possui muitas deficiências. É necessária tal alfabetização para formar o que a autora chama de "espíritos críticos que reflitam sobre a ciência e que mudem sua maneira de ver e estar no mundo". Não se deve esquecer de que educar para ciência é uma forma de promover a cultura científica, objetivando fazer da ciência algo pertinente e ligado à cultura de um povo [...] (PORTO, 2011).

A necessidade de mão de obra qualificada tecnicamente e cidadãos capazes de cobrar promessas e ações de seus governantes são duas necessidades citadas no texto que sustentam a popularização da cultura científica. No século passado, nos anos de 1980, e talvez sem exagero se poderia dizer até o começo dos anos de 1990, víamos um ensino centrado quase exclusivamente na necessidade de fazer com que os estudantes adquirissem conhecimentos científicos. A transmissão dos conteúdos era o que importava. A escola, então, era referência na comunidade pelo conhecimento que detinha. Quanto à segunda, consideremos apenas a parcela de informações que nossos alunos e alunas trazem hoje à escola. Aqui temos que

reconhecer que eles, não raro, superam as professoras e os professores nas possibilidades de acesso às fontes de informações. Há situações em que temos docentes desplugados ou sem televisão, que ensinam a alunos que surfam na internet ou estão conectados a redes de TV por cabo, perdendo a escola (e o professor) o papel de centro de referência do saber (CHASSOT, 2003).

Considero que, ainda hoje, muitas escolas e professores estabelecem como regra que os conteúdos a serem ensinados constituem a fonte de informação primária, desconsiderando as outras fontes de informações, às quais bombardeiam diariamente os estudantes, o que pode causar muitos conflitos na sala de aula.

Demo (2010) delineia algumas hipóteses de trabalho. Segundo ele, é possível conceber e praticar pedagogia cientificamente como toda e qualquer ciência social. Discursos pedagógicos facilmente são normativos, apelativos, moralizantes, filosofantes, retóricos e verbosos, marca que o método científico não atura. Ciência é discurso sóbrio, comedido, ―objetivo", que enuncia aquilo que tem argumento lógico-experimental. Essa crítica à pedagogia cabe, em alguma medida, praticamente a todos os cursos universitários, já que dificilmente o ambiente é formado de pesquisa e elaboração. Em parte, o problema emerge do instrucionismo: confiando em apostila e reprodução, o pedagogo/licenciado não põe o desafio da autoria como meta a ser atingida como autor.

Relaciona, assim, algumas condições para superar essas questões, tais como:

 Ultrapassar o instrucionismo, o qual consiste em favorecer a produção textual, uma vez que a promoção de reflexão, e não de reprodução, é condição para a alfabetização científica.

 Melhorar a habilidade científica no professor, capaz de produzir textos próprios com devida cientificidade, ter conhecimentos de metodologia científica e participar de grupos de pesquisa.

 Criar um ambiente escolar focado na educação científica, o que indica a seleção de materiais didáticos com esse espírito.

 Propiciar experimentos científicos dentro e fora da sala de aula, com objetivo de trabalhar com alunos situações em que o olhar científico se torne claro e convincente.

 Desenvolver material didático dotado de inequívoca qualidade científica. Isso deixa claro que o professor deve dominar profundamente o conteúdo.

Sobre alfabetização científica, Chassot (2003) considera que ela pode potencializar uma educação mais comprometida, tendo a ciência como forma de melhor compreensão das manifestações do universo.

[...] A alfabetização científica pode ser considerada como uma das dimensões para potencializar alternativas que privilegiam uma educação mais comprometida. Considero ainda que se possa pensar mais amplamente nas possibilidades de fazer com que alunos e alunas, ao entenderem a ciência, possam compreender melhor as manifestações do universo [...] (CHASSOT, 2003, p. 91).

Para o autor, a ciência pode ser considerada como uma linguagem construída por homens e mulheres para explicar o nosso mundo natural. Para compreendermos essa linguagem como entendemos algo escrito numa língua que dominamos, é preciso compreender a linguagem na qual é escrita. Nossas dificuldades diante de um texto em uma língua que não dominamos podem ser comparadas com as incompreensões para explicar muitos dos fenômenos que ocorrem na natureza. É provável que alguns dos leitores deste texto não saibam distinguir se uma página de um livro ou de uma revista está escrita em sueco ou em norueguês, assim como deve haver nórdicos que talvez não reconheçam a diferença entre um texto em português e um em espanhol.

Assim, a ciência é uma forma de linguagem da qual os indivíduos podem apropriar-se para compreender o mundo que os cerca. Sendo assim, a alfabetização científica se constitui antes de uma possibilidade, uma necessidade para que os cidadãos possam fazer essa leitura dos fenômenos naturais, interpretados criticamente à luz de uma ciência, sem cair em modismos, ou aceitar um ponto de vista qualquer, com uma visão crítica sobre a própria ciência. Por isso, é premente que essa alfabetização se consolide nas escolas, para que a divulgação científica cumpra seu papel – o de informar o cidadão – e que este tenha uma visão crítica do que está sendo divulgado. Além de uma leitura da natureza, é importante que os cidadãos, uma vez munidos desse conhecimento, tenham a possibilidade de realizar tomadas de decisão, para que certas decisões não sejam centradas nas mãos de tecnocratas, os quais tendem a seguir o pensamento de um grupo específico, e não o da coletividade.

Segundo Sasseron e Carvalho (2008), já existem, há um bom tempo, discussões de aulas que possibilitem a alfabetização científica. As autoras citam Laugksch (2000), que, em sua revisão sobre o tema, procura refinar o conceito que, ao longo dos anos, certos padrões se mantiveram sempre como requisitos para se considerar um cidadão como alfabetizado cientificamente. Esses ―eixos estruturantes‖, conforme consideram as autoras, servem de apoio à idealização, ao planejamento e à análise de propostas de ensino que almejem a alfabetização científica em três eixos: 1) a compreensão básica de termos, conhecimentos e conceitos científicos

fundamentais, como conceitos básicos nas relações do dia a dia; 2) compreensão da natureza da ciência e dos fatores éticos e políticos que circundam a sua prática, sendo esse eixo

relacionado com as questões diárias, as reflexões e a análise do contexto; 3) o entendimento

das relações existentes entre Ciência-Tecnologia-Sociedade e ambiente, e perpassa pelo

conhecimento de que quase toda vida de alguém tem sido influenciada pelas ciências e tecnologias.

[...] É preciso também proporcionar oportunidades para que os alunos tenham um entendimento público da ciência, ou seja, que sejam capazes de receber informações sobre temas relacionados à ciência-tecnologia-sociedade e com o meio-ambiente e, frente a tais conhecimentos, sejam capazes de discutir tais informações, refletir que tais fatos podem representar e levar à sociedade e ao meio ambiente e, como resultado de tudo isso, posicionarem-se criticamente frente ao tema [...] (SASSERON; CARVALHO, 2008, p. 336).

Nesse contexto, e analisando o excerto acima, o Clube de Ciências, como metodologia de trabalho, reúne características que podem contribuir para a alfabetização científica.

Sasseron e Carvalho (2008) apontam indicadores que funcionam como competências comuns utilizadas para resolução, discussão e divulgação de problemas em quaisquer das ciências quando se dá a busca por relações entre o que se vê do problema investigado e as construções mentais que levem ao entendimento dele.

No Quadro 3, descrevem-se os indicadores para alfabetização científica, conforme Sasseron e Carvalho (2008): grupos de indicadores que foram colocados em três grupos relacionados às informações, ao raciocínio lógico e às hipóteses.

Quadro 3 – Grupos de indicadores relacionados às informações

INFORMAÇÕES DESCRIÇÃO

Seriação Surge quando almeja o estabelecimento de bases para a ação.

Organização Ocorre no momento em que se discute sobre o modo como um trabalho foi realizado.

Classificação Ocorre quando se busca conferir hierarquia às informações obtidas. Ordenação dos elementos, os quais estão sendo trabalhados.

Fonte: Sasseron; Carvalho (2008).

É por meio desses indicadores que se conhecem as variáveis envolvidas no fenômeno de um problema a ser investigado.

Quadro 4 – Grupos de indicadores relacionados à estruturação do pensamento

RACIOCÍNIO DESCRIÇÃO

Lógico Compreende o modo como as ideias são desenvolvidas e apresentadas e estão diretamente relacionadas à forma de como o pensamento é exposto.

Proporcional Dá conta de mostrar como se estrutura o pensamento, de como as variáveis têm relação entre si, ilustrando a interdependência que pode existir entre elas.

Fonte: Sasseron; Carvalho (2008).

O levantamento de hipóteses aponta instantes em que são alcançadas suposições acerca de certo tema.

Quadro 5 – O levantamento de hipóteses

HIPÓTESES DESCRIÇÃO

Teste de hipóteses Colocam-se à prova as suposições anteriormente levantadas.

Justificativa Aparece quando em uma afirmação qualquer proferida lança mão de uma garantia para o que é proposto.

Previsão É explicitado quando se afirma uma ação e/ou fenômeno que sucede associado a certos acontecimentos.

Explicação Surge quando se busca relacionar informações e hipóteses já levantadas, geralmente sucede uma justificativa para o problema.

Fonte: Sasseron; Carvalho (2008).

Diante da análise desses indicadores, há possibilidade da contribuição do Clube de Ciências para o desenvolvimento de aspectos da alfabetização científica. As análises das atividades poderão corroborar ou não nossas expectativas no que tange à promoção de uma alfabetização científica pelos alunos. Nesta pesquisa pretendemos verificar a existência de indícios de alfabetização científica nos alunos participantes do Clube de Ciências.