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3 AS CATEGOTIAS CONCEITUAIS DE REFERÊNCIA PARA

3.2 Conceito de metacognição

3.2.2 A perspectiva de Bernadette Noël

Consoante se posiciona Noël (1991), a definição de metacognição de Flavell, pioneiro nessa área, comporta três aspectos diferentes:

a) a consciência de seus próprios processos e do produto de seus processos;

b) a consciência das propriedades pertinentes em relação à aprendizagem da informação ou de dados; e

c) a regulação desses processos cognitivos.

Essa definição, para essa autora, é muito abrangente e deu lugar a inúmeras confusões. Estudos da consciência do sujeito dos fatores que favorecem a aprendizagem usam frequentemente o termo metacognição no lugar de reservar o vocábulo somente para a consciência sobre seus processos mentais, o que, conforme a autora, é bem diferente. Entre os processos mentais relativos à aprendizagem, Noël estabelece certo número de distinções segundo o objeto sobre o qual os processos se relacionam: o que o sujeito sabe sobre a maneira na qual ele memorizou (metamemória); o que o sujeito sabe sobre seus processos de compreensão (metacompreenção); percepções do sujeito relativas aos processos mentais que se desenvolvem nas situações de problemas (metarresolução de problemas).

Noël (1991) inscreve as pesquisas de Flavell num quadro sobre os tipos de metacognição:

Quadro 1 − Classificação dos tipos de metacognição segundo as pesquisas de Flavell Objeto

Modalidade

1. Memória 2. Compreensão 3. Resolução de

problema a. Atividade cognitiva sobre seus

próprios processos e sobre os produto de seus processos

1 2 3

b. Atividade cognitiva sobre as propriedades pertinentes à informação ou de dados

4 5 6

c. Regulação 7 8 9

Fonte: Noël (1991)

Segundo a autora, esses nove objetos de estudos diferentes são muitas vezes confundidos sobre o tema único de metacognição. Muitos autores, inclusive Flavell, consideram que a metamemória consiste em ter e expressar conhecimentos gerais de Psicologia sobre os fatores da aprendizagem e as estratégias possíveis da aprendizagem que poderiam vir quando de uma memorização. Isso implicaria incluir no tema metacognição esse conhecimento geral. Flavell assinala ainda que a palavra metacognição designa também os conhecimentos das propriedades pertinentes para a aprendizagem de formação de dados.

Noël (1991), entretanto, acentua que é bom fazer uma distinção clara entre o que é o conhecimento geral (por exemplo: saber que o que é estruturado memoriza melhor) e o que é tomado por consciência, o conhecimento ou avaliação de um processo particular que se desenvolve ou se desenvolveu em estruturas cognitivas próprias da pessoa, o que até agora não foi muito estudado.

A avaliação, pelo sujeito, de seus processos mentais ao longo de uma aprendizagem (caso 8, da tabela), ou duma resolução de problema (caso 9), pode conduzi-lo a tomar decisões e ações com vistas a melhorar e levar a termo o processo mental objeto de uma avaliação. Essa avaliação, designada de “metacognição reguladora”, Noël afirma se tratar de conhecimento do sujeito sobre seus processos mentais e, consequentemente, de um aspecto particular do que se designa habitualmente sobre o tema geral metacognição.

Noël distingue, portanto, duas fases no tratamento cognitivo da situação: a) avaliação da representação do que acabou de ser aprendido ou processo feito para fornecer uma resposta ao problema expresso; b) em função dessa avaliação, decisão de modificar ou não um produto já emitido ou então de modificar o processo que conduziu a um produto do qual o sujeito pensa que poderia estar errado.

Parece-nos, então, que Noël atribui o termo metacognição aos casos 1, 2 e 3, que estão relacionados à atividade cognitiva sobre os próprios processos mentais, o que para ela parece mais claramente definido, e aos casos 7, 8 e 9, relacionados à regulação, que segundo ela, se trata de um aspecto particular das atividades cognitivas dos próprios processos mentais. Ao emitir um julgamento sobre sua capacidade de lembrar, por exemplo, o sujeito estaria no tipo 1 (atividade cognitiva sobre sua memória). Um exemplo do tipo 2 seria o sujeito saber que ele compreendeu o sentido de um texto (atividade cognitiva sobre sua compreensão).

Os conhecimentos das propriedades pertinentes à informação de dados, que são os tipos representados pelos números 4,5 e 6, considerados por Flavell dentro do conceito de metacognição, não são, portanto, incluídos por Noël nesse conceito, porquanto são aspectos gerais sobre os fatores de aprendizagem, e não acerca dos próprios processos mentais.

O conceito de metacognição envolve, portanto, dois aspectos separados, porém relacionados: o conhecimento dos próprios processos cognitivos e a regulação do conhecimento (MARTÍN; MARCHESI, 1995). O conhecimento sobre a própria cognição implica ser capaz de ter consciência do funcionamento de nosso conhecimento e dos fatores que influenciam os resultados obtidos na solução de uma tarefa, sejam eles favoráveis ou desfavoráveis. Diz respeito ao conhecimento sobre si mesmo, conhecimento sobre a tarefa e conhecimento sobre o uso de estratégias de aprendizagem.

O segundo aspecto da metacognição, a regulação do conhecimento, implica o planejamento das atividades cognitivas, no controle do processo intelectual e na avaliação dos resultados.

Algumas distinções básicas entre esses dois aspectos são apontados por esses autores. A primeira refere-se ao fato de que o conhecimento sobre a própria cognição aparece mais tardiamente, enquanto a regulação e o controle das atividades de aprendizagem dependem mais da situação e da tarefa, podendo estar presente nas atividades de crianças menores.

A segunda diferença diz respeito ao fato de que o conhecimento do próprio conhecimento nem sempre produz resultados favoráveis na atividade intelectual. É o controle executor que permite ativá-lo nas tarefas concretas e selecionar as estratégias corretas para cada situação de aprendizagem. As crianças com atraso intelectual beneficiam-se mais com o controle executor do que com o conhecimento sobre seus processos cognitivos, embora a instrução de ambas as dimensões de forma coordenada seja a que mais favorece a aprendizagem (MARTÍN; MARCHESI, 1995).

O estudo da função do controle executor na atividade intelectual foi abordado por diferentes perspectivas teóricas: a Psicologia Cognitiva e a Psicologia Soviética. A Psicologia

Cognitiva insistiu no planejamento e autocontrole e a Psicologia Soviética enfatizou o processo de internalização e formação de conceitos.

A Psicologia Cognitiva na Teoria do Processamento da Informação e a Psicologia Soviética de Vygotsky balizaram nossas reflexões, uma vez que esses dois campos teóricos compreendem a aprendizagem como um “processo ativo, no qual o aluno constrói seus conhecimentos e no qual o professor deve ser capaz de facilitar a aprendizagem cada vez mais autônoma do aluno por intermédio da construção conjunta de significado”. (MARTÍN; MARCHESI, 1995, p. 28).

Ambos os construtos teóricos sobre o desenvolvimento dos processos de controle executor e de internalização das funções psicológicas superiores consideram como fator primordial da aprendizagem a intervenção do adulto, capaz de estabelecer situações interativas com os alunos com a finalidade de, por mediação, favorecer o planejamento e a regulação de suas atividades de aprendizagem.

Abordaremos, no próximo tópico, o estudo dos processos metacognitivos na Teoria do Processamento da Informação e, em seguida, o processo de internalização e o papel da linguagem no controle e planejamento da atividade cognitiva na perspectiva da Psicologia Sócio-histórica.