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3 AS CATEGOTIAS CONCEITUAIS DE REFERÊNCIA PARA

3.5 Formação e profissionalização docente

3.5.1 Desenvolvimento de competências

Uma proposta de ensino metacognitivo da leitura e escrita vai ao encontro do paradigma do desenvolvimento de competências inspirado nas novas pedagogias, muito mais do que no paradigma do ensino de conhecimentos – abordagem “clássica”, que privilegia aulas, temas, manuais e provas. Muito embora conhecimento e competência não sejam mutualmente excludentes, ao contrário, são complementares, ou seja, as competências “utilizam, integram ou mobilizam tais conhecimentos” (PERRENOUD, 1999, p. 8), pode haver um conflito de prioridade na divisão do tempo de trabalho na aula uma vez que há uma dificuldade de gerenciar, de forma dialética, essas duas abordagens.

O ensino do conhecimento consiste em priorizar o maior campo de conhecimentos possíveis, sem se preocupar com a sua mobilização nas diversas situações do cotidiano. O

desenvolvimento de competências consiste em diminuir a quantidade de conhecimentos ensinados e exercitar, no âmbito escolar, sua mobilização. Uma abordagem por competências, não significa, segundo Perrenoud (1999), abandonar os conhecimentos profundos, mas

priorizar o conjunto das capacidades que permitem agir em situação de incerteza. Daí por que ele acentua que aceitar uma abordagem por competência é questão, ao mesmo tempo, de continuidade e de mudança, ruptura das rotinas pedagógicas e didáticas, das compartimentações disciplinares, da segmentação do currículo, do peso da avaliação escolar, das imposições da organização escolar etc.

Embora os significados relacionados à noção de competência sejam múltiplos, tomaremos o conceito de Perrenoud (1999, p. 7) que define competência como “uma capacidade de agir eficazmente em um determinado tipo de situação, apoiada em conhecimentos, mas sem limitar-se a eles”. O sujeito, ao enfrentar uma situação, um problema, põe em ação vários recursos cognitivos, entre os quais estão os conhecimentos, indispensáveis para a “inteligibilidade das observações e para a construção de hipóteses”. (PERRENOUD, 1999, p.22).

As potencialidades do sujeito só se transformam em competências efetivas, segundo este autor, por meio de aprendizados que não intervêm de forma espontânea (como no caso da maturação do sistema nervoso), mas são aquisições, aprendizados constituídos e que não se realizam da mesma maneira em cada pessoa. Sendo assim, concluímos que as competências devem ser ensinadas. Esse ensino sucede com suporte na mobilização de conhecimentos dentro de situações-problema que exijam do sujeito raciocínios explícitos, tomadas de decisão, inferências.

O ensino da língua estrangeira na escola, por exemplo, dificilmente desenvolve competências, porque existe uma distância entre os conhecimentos linguísticos acumulados e a capacidade de mobilizá-los em uma situação de comunicação oral ou escrita. A competência de falar uma língua estrangeira constitui-se com a prática dessa língua, na qual possam ser encontradas situações de interação em que a língua seja falada, não esporadicamente, mas de forma repetida e variada, e em que haja o desejo de compreender e fazer-se compreendido. Aprendemos a língua materna porque estamos imerso 24 horas desde o nascimento e precisamos nos comunicar para obter o que queremos.

Uma competência pode automatizar-se, mas não quer dizer que isso ocorra necessariamente. Ao rotinizarem-se, as ações deixam de ser conscientes e se tornam operações, hábitos. Como a noção de competência está mais relacionada a ações que exigem um mínimo de reflexão, as ações automatizadas são consideradas habilidades ou hábitos. No entender de Perrenoud, no entanto, as habilidades ou hábitos fazem parte da competência. Um especialista continua competente no que faz, e por ser muito competente é que consegue resolver problemas de forma ágil, ao contrário de um novato. “Seria paradoxal que a

competência aparentasse desaparecer no momento exato em que alcança sua máxima eficácia”. (PERRENOUD, 1999, p. 26).

A automatização de competências de base − como ler, escrever e contar − permite o aparecimento de competências de alto nível, como ler para aprender, saber redigir, resolver problemas. Aprender a ler é, para um aluno do 1º ano, adquirir uma competência, o que para o universitário já é uma habilidade. Mesmo o especialista, contudo, cujas ações já estão automatizadas, ao se deparar com uma situação inédita e de grande dificuldade, recorre novamente à reflexão, tornando-se as ações novamente objeto de processos conscientes.

O autoquestionamento do porque está em situação de fracasso, do que fazer para reverter a situação, se já passou por algo semelhante, o que foi feito naquela ocasião, se resolveu o problema, como pode adaptar ação para o momento, são ações importantes para o desenvolvimento da competência metacognitiva. Após terem sido aprendidas e exercitadas, as ações constituem esquemas complexos e se transformam em habilidades ou automatismos após sucessivas repetições de situações semelhantes. Caso isso não ocorra, as competências não se tornam automatização. Um aprendiz iniciante da língua escrita precisa desenvolver primeiramente a competência de ler e escrever antes que a leitura e a escrita se tornem uma habilidade, ou seja, antes que ele se torne um leitor e escritor hábil. Para isso, ele precisa passar por experiências de raciocínios explícitos, decisões conscientes e inferências sobre o sistema de representação gráfica, que podem ser fornecidas por um professor experiente.

O objetivo da intervenção no ensino metacognitivo da leitura e escrita deve ser o de desenvolver competências metacognitivas, que poderão se tornar habilidades metacognitivas com o exercício contínuo de ações que as desenvolvam.

Doly (1999) aponta algumas condições de situação e interação linguística que desenvolvem competências metacognitivas duráveis, e que também ajudam as crianças nas aprendizagens escolares. Essas condições são:

• organização sistemática do ambiente pelos mediadores de forma a facilitar a aprendizagem;

• promoção de situações do tipo resolução de problemas de forma lúdica; • mediação sistemática para ajudar o sujeito que não sabe fazer sozinho; • execução da atividade pelo próprio educador;

• interação verbal que questiona a criança sobre os elementos pertinentes da atividade; • avaliação não deve vir do exterior e de forma normativa e sancionadora.

É importante que o professor valorize o contexto da aprendizagem em sala (organização do espaço, gestão da turma, trabalho em grupos, tarefas diversificadas) como

aspecto essencial para a aprendizagem dos alunos. Iniciativas como organização de uma pequena biblioteca na sala, exposição da produção escrita de alunos e de outros autores, leitura de histórias e poemas pelo professor, pelo aluno, debate sobre as histórias, empréstimos de livros para os alunos lerem em casa, dentre outras, incentivam o gosto pela leitura e estimulam os alunos a pensar sobre o mundo letrado. Considerando o aluno como ser ativo, o professor pode incentivar o pensamento crítico, possibilitando múltiplas respostas a uma questão ou problema, ao mesmo tempo em que o faça distinguir fatos de opinião.

A mediação do professor, dependendo do tipo de intervenção, possibilitará uma autonomia do aprendiz para explorar a linguagem escrita. Apesar de esta possuir numerosos conhecimentos sobre a leitura e escrita com base na experiência, a mediação é imprescindível no desenvolvimento de estratégias de aprendizagem e na tomada de consciência destas. Possibilitar a ele predizer os conteúdos seguintes de um texto antes de finalizá-lo, pensar acerca do que é sabido sobre o assunto, acerca do objetivo de se ler determinado portador de texto, situar questões sobre o texto lido e ensiná-lo a elaborar outras questões, pedir que reveja passagens que não fazem sentido, analisar história a partir da informação sobre autor do livro, local, personagens, enredo, etc., clarificar o sentido do texto, utilizando, inclusive, imagens mentais, inferir detalhes não explicitados, fazer analogias, reler o texto, mesmo que se tenha obtido a compreensão, para que se identifiquem as ideias principais, são intervenções que ajudam a assimilar estratégias de compreensão.

Nessa perspectiva, torna-se mister desenvolver pesquisas sobre a prática de docentes que identifiquem se essas mediações estão sendo realizadas e que avancem nas propostas de intervenções visando ao desenvolvimento da autonomia no aprender nos educandos, ampliando a produção científica sobre a temática e reformulando os conhecimentos em torno desta. As categorias teóricas aqui discutidas balizaram nossas análises e ajudaram a responder os objetivos propostos por essa investigação.