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CAPÍTULO 5: O CAMINHO METODOLÓGICO

5.2. A pesquisa documental e os documentos

Desde que os seres humanos começaram a duvidar das explicações mitológicas ou do senso comum para os fenômenos da realidade, que começaram as buscas por meios mais eficazes de explicar tais fenômenos. Primeiro vieram os filósofos defendendo o uso da razão e o método da reflexão para se chegar à verdade sobre os fenômenos, fossem eles da natureza, biológicos, psicológicos ou sociais. Depois esses mesmos filósofos, não mais se contentando em apenas refletir sobre a realidade, defenderam que era preciso se aproximar do mundo sensível para uma melhor compreensão da realidade. Temos, então, um segundo passo na história da humanidade, passando do conhecimento filosófico ao científico.

Ao longo da história do conhecimento científico, muitos métodos e técnicas foram sendo desenvolvidos com o intuíto de tirar o véu sobre os fenômenos, desvelando sua essência. Todos esses métodos e técnicas têm por base um único princípio, o de que todo conhecimento parte da realidade e só a partir dela pode ser produzido.

Para se produzir um conhecimento científico se realiza pesquisa, que não é mais do que a aplicação de um conjunto de procedimentos e técnicas visando chegar à compreensão de um determinado aspecto da realidade. Uma dessas pesquisas é a documental, que procura extrair dos documentos informações que permitam compreender como se processaram ou estão se processando determinados fenômenos. A pesquisa documental parte de documentos, que são impressões deixadas por seres humanos em objetos físicos, como por exemplo, uma pintura em uma caverna.

Para se chegar à essência das mensagens que são transmitidas pelos documentos, não ficando apenas no nível da aparência, se utiliza uma técnica conhecida como análise de conteúdo. Essa técnica foi evoluindo ao longo dos anos até chegar a um maior rigor científico. Uma das autoras que melhor vêm trabalhando a análise de conteúdo é Laurence Bardin, pesquisadora francesa que se especializou no uso dessa técnica.

Ao empreendermos o estudo sobre como vem se materializando o princípio da intersetorialidade na política de segurança pública em Pernambuco, optamos por uma pesquisa documental de natureza qualitativa por entendermos que, através da análise de documentos, seria possível perceber de forma segura como essa intersetorialidade se apresenta na política de segurança pública em Pernambuco. De acordo com Sá-Silva; Almeida e Guindani (2009), o uso de documentos deve ser valorizado e apreciado em pesquisas, pois a riqueza de informações que se pode extrair dos mesmos justifica seu uso em várias áreas das ciências humanas e sociais.

A principal vantagem da pesquisa documental é que a mesma elimina, pelo menos em parte, a influência exercida pela presença ou intervenção do pesquisador sobre o conjunto das interações, acontecimentos ou comportamentos pesquisados. Por outro lado, aponta-se como dificuldade da pesquisa documental o fato de que o pesquisador não tem domínio sobre o documento, pois este é surdo ao pesquisador e não lhe fornece precisões suplementares. Os documentos “podem nos dizer muitas coisas sobre a maneira na qual os eventos são construídos, as justificativas empregadas, assim como fornecer materiais sobre os quais basear investigações mais aprofundadas.” (MAY, 2004, p. 205). Um documento pode ser definido como uma impressão deixada em um objeto físico por um ser humano e apresentar-se sob a forma impressa, que é a mais comum, mas também como fotografias, filmes, pinturas, esculturas, endereços eletrônicos, entre outras.

A nossa capacidade de memória é limitada e não temos condições de memorizar tudo com o que entramos em contato. Além de que, sendo limitada, a memória pode distorcer lembranças ou fatos, como também esquecer acontecimentos importantes. “Por possibilitar realizar alguns tipos de reconstituição, o documento escrito constitui, portanto, uma fonte extremamente preciosa para todo pesquisador nas ciências sociais.” (CELLARD, 2008, p. 295). Através dos documentos, é possível observar o processo de maturação ou de evolução de indivíduos, grupos, conceitos, conhecimentos, comportamentos, mentalidades e práticas, bem como de sua gênese até os dias atuais.

Os documentos são geralmente classificados em três grupos principais, que são: no primeiro grupo, os documentos primários, secundários e terciários; no segundo grupo, os documentos públicos e os privados e num terceiro grupo as fontes solicitadas e não solicitadas. Os documentos primários são aqueles elaborados por pessoas que de fato testemunharam os fatos que descrevem. Os documentos secundários são aqueles cujo autor não testemunhou pessoalmente os fatos ou eventos que descreve. Já os documentos terciários são aqueles que nos permitem localizar outros documentos como índices, resumos ou outras bibliografias.

Os documentos são ainda públicos ou privados e tanto uns quanto outros podem também ser arquivados ou não arquivados. Os documentos públicos arquivados são aqueles comumente encontrados em arquivos públicos ou privados. Os públicos não arquivados são os jornais, revistas, periódicos e qualquer outro tipo de documentos distribuídos, como, entre outros, anúncios, circulares, boletins e anuários telefônicos. Vale ressaltar, conforme Cellard (2008), que muitos documentos, ainda que ditos públicos, nem sempre são acessíveis. Os documentos privados também podem ser arquivados ou não. Os arquivados são geralmente encontrados em arquivos privados de organizações políticas, sindicatos, igrejas, instituições e empresas, dentre

outras organizações. Na maioria das vezes, são de acesso bastante difícil. Os documentos privados e não arquivados são os pessoais que constituem, dentre outros, as autobiografias, diários íntimos, correspondências ou documentos de famílias.

Para este estudo, utilizamos documentos escritos (anexados em CD), que são definidos por Cellard (2008) como todo texto escrito, manuscrito ou impresso, registrado em papel. Alguns são documentos públicos e não arquivados, pois facilmente encontrados na página do Governo do Estado de Pernambuco, outros, entretanto, são documentos privados e arquivados. Os documentos trabalhados foram planos, relatórios, programas, leis e matérias de jornais, conforme apresentados no Quadro 1.

O período que delimitamos para o estudo vai de 2007 até 2011, que compreende o primeiro mandato e início da segunda gestão do governador de Pernambuco, Eduardo Campos, quando é lançado o programa Governo Presente. Ao entendermos que a segurança pública é dever do Estado, como vem colocado pela Constituição Federal de 1988, e que esta só vai realmente atender às necessidades da sociedade por segurança da população se atuar de forma articulada com as demais políticas públicas, decidimos por estudar o Governo Eduardo Campos, buscando perceber como vem se materializando a intersetorialidade na política de segurança pública neste governo. O critério para escolha do Governo Eduardo Campos foi condicionada pela contemporaneidade entre nosso estudo e a atual gestão, além de que uma das marcas desse governo é a prioridade que o mesmo refere dispensar à política de segurança pública. Nessa gestão, foi elaborado o primeiro plano de segurança pública do estado de Pernambuco, o PESP, também conhecido por Pacto Pela Vida.

A escolha da Gestão Eduardo Campos para estudo veio condicionar também os critérios para escolha dos documentos a constituírem o corpus8 de análise. Bardin (2011) nos explica que a formação do corpus deve seguir algumas regras como a da exaustividade, representatividade, homogeneidade e pertinência.

Pela regra da exaustividade, para alguns campos definidos como as respostas a um questionário, por exemplo, nenhum elemento pode ser deixado de fora do corpus sem que possa ser justificado de forma rigorosa. No caso da representatividade, a análise poderá ser feita a partir de uma amostra, desde que o estudo possibilite tal escolha. Pela regra da homogeneidade, os documentos devem ser homogêneos, ou seja, escolhidos de acordo com determinados critérios e não podem apresentar demasiada singularidade fora desses critérios. Pela pertinência,

8 “O corpus é o conjunto dos documentos tidos em conta para serem submetidos aos procedimentos analíticos.”

os documentos devem ser fonte de informação adequada, de modo a atenderem ao objetivo que motivou a realização da análise.

QUADRO 1- DOCUMENTOS ANALISADOS

Tipos Documentos

Plano Pacto pela Vida – Plano Estadual de Segurança Pública Elaborado em 2007

Relatório Relatório Anual de Ação do Governo 2010 Lançado em 2010

Programa O novo Pernambuco – Melhor para trabalhar, melhor para viver Lançado em 2011

Lei Lei 14.357 que institui o Programa Governo Presente de Ações Integradas para Cidadania

Sancionada em 2011

Matérias de Jornal 1. Pacto pela vida completa um ano sem atingir meta – Publicada no Jornal do Commercio de 8 de maio de 2008

2. Ação integrada contra violência – Publicada no Jornal do Commercio de 8 de novembro de 2008

3. Governo apresenta resultados – Publicada na Folha de Pernambuco de 15 de maio de 2009

4. Governo omite dados negativos – Publicada no Jornal do Commercio de 15 de maio de 2009

5. Estado tem redução inédita de homicícios – Publicada no Jornal do Commercio de 3 de outubro de 2009

6. Santo Amaro comemora resultados de programa – Publicada na Folha de Pernambuco de 9 de novembro de 2009

7. Mais de 500 vidas salvas em Pernambuco – Publicada na Folha de Pernambuco de 1 de dezembro de 2009

8. Criminalidade cai no estado – Publicada no Diario de Pernambuco de 13 de março de 2010

9. Pacto pela vida: a nova realidade da segurança pública – Publicada no Diario de Pernambuco de 31 de março de 2010 10. Homicídios caíram 19,9% no estado – Publicada na Folha de

Pernambuco de 4 de agosto de 2010

11. Homicídio cai 39% no Recife – Publicada no Jornal de Commercio de 3 de dezembro de 2010

12. Queda de homicídios fica abaixo da meta – Publicada no Jornal do Commercio de 2 de fevereiro de 2011

13. Homicídios voltam a subir em Pernambuco – Publicada no Jornal de Commercio de 1° de abril de 2011

14. Governo lança pacote contra alta da violência – Publicada no Jornal do Commercio de 7 de maio de 2011

15. Governo cobra metas e cancela férias na polícia – Publicada no Jornal do Commercio de 1° de dezembro de 2011

Fonte: o autor, 2013.

Acreditamos que os documentos que compõem o corpus formado para análise são uma amostra homogênea, representativa e pertinente para a temática em questão. A homogeneidade decorre do fato de que, em todos os documentos, é possível perceber como vem se

materializando a intersetorialidade na política de segurança pública em Pernambuco. Os documentos são representativos, pois permitem uma apreensão do objeto de estudo no período determinado e, ainda, são pertinentes, porque trazem informações quanto à temática abordada na pesquisa.

O período que foi estudado se inicia em 2007, quando o Governo do Estado lança o Pacto pela Vida, que se expressa no PESP. Daí porque esse foi um dos documentos priorizados para análise. Em 2010, o governador lança o seu relatório de ação, referente ao trabalho desenvolvido em seu primeiro mandato. Vimos neste documento a oportunidade de perceber, depois da implementação do Pacto pela Vida, as referências feitas à intersetorialidade entre a política de segurança e as outras políticas públicas.

Do mesmo modo, escolhemos também para análise a proposta do governo para a segunda gestão, como meio de perceber se nessa estava contemplado um trabalho articulado entre a política de segurança e as demais políticas estatais. Em meados de 2011, o Governo do Estado lançou o programa Governo Presente, através da Lei 14.357, que, conforme o artigo primeiro explicita, está inserido no Plano Estadual de Segurança Pública, Pacto Pela Vida, e é uma estratégia de prevenção social da violência e de intervenção estruturadora de uma Política Integrada de Desenvolvimento Social. Analisamos também este documento – a Lei 14.357 – tendo em vista sua pertinência para a temática em estudo, uma vez que apresenta uma proposta de articulação de políticas com vistas à segurança pública.

Ainda como estratégia para perceber como o governo apresenta para sociedade sua proposta de política de segurança pública e visando identificar como o princípio da intersetorialidade se insere na política estadual de segurança pública em Pernambuco, foram analisadas 15 matérias retiradas de três jornais de grande circulação no estado. As matérias selecionadas tratam das ações do Governo do Estado na área da segurança pública durante o período estudado.

Os critérios para escolha dessas matérias foram justamente o fato de tratarem da política de segurança pública em Pernambuco, no período estudado, e, ainda, de haverem sido publicadas nos três principais jornais em circulação no estado. O número total de matérias trabalhadas como o número de matérias por jornal se deu de forma aleatória. Todas as matérias referentes ao Jornal do Commercio foram publicadas no caderno Cidades, enquanto que aquelas referentes à Folha de Pernambuco foram publicadas no caderno Grande Recife. As matérias do Diario de Pernambuco aparecem na seção “Últimas” e em uma matéria especial tratando da política de segurança na Gestão Eduardo Campos.

Para o procedimento da análise, o corpus foi dividido em dois grupos, analisados separadamente. Os resultados da análise também foram apresentados separadamente. O primeiro grupo foi constituído pelos documentos oficiais, com a intenção de perceber como a intersetorialidade se materializa na proposta de governo para a política de segurança pública em Pernambuco e, no segundo grupo, formado por documentos não oficiais – matérias de jornais – buscamos perceber como essa proposta de intersetorilaidade aparece na mídia impressa, aliada a uma concepção restrita ou ampliada de segurança pública. A análise dessas matérias de jornais serviu também para perceber se a concepção de segurança pública e de intersetorialidade colocada nos documentos oficiais é a mesma que o governo apresenta para a sociedade através da mídia.