• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 5: O CAMINHO METODOLÓGICO

5.1. A natureza da pesquisa científica

Este nosso trabalho configura basicamente um estudo de natureza qualitativa, embora, em alguns momentos, nos valhamos de informações quantitativas que possam reforçar nossas inferências com relação ao objeto de estudo trabalhado. Não adotamos uma posição maniqueísta em relação à quantificação de dados nas ciências sociais, embora tenhamos optado por uma análise eminentemente qualitativa para esta pesquisa.

Os primeiros estudos desenvolvidos de forma metódica e sistematizada, que já podiam ser considerados científicos, foram feitos nas áreas dos fenômenos naturais e biológicos. Isso pela necessidade de se dar respostas a demandas imediatas ligadas às condições de sobrevivência das populações, como o controle e utilização das forças da natureza, a produção de alimentos, o controle de doenças, o encurtamento das distâncias, etc. A proteção contra inimigos e o interesse expansionista também motivaram o desenvolvimento científico.

O campo de estudo que se preocupa em compreender os fenômenos naturais e biológicos ficou, então, conhecido como ciências físicas e biológicas. Nessas áreas, o chamado método científico sempre foi mais facilmente aplicado, dada a concretude dos fenômenos estudados. Tais fenômenos são passíveis de observação, medição, quantificação e experimentação4. Por darem muita ênfase à quantificação e medição dos fenômenos, através de análises estatísticas, o tipo de pesquisa desenvolvido nessas áreas ficou conhecido como pesquisa quantitativa. Mas restavam ainda os fenômenos psicológicos e sociais, que também precisavam ser estudados de forma científica. Mas como aplicar o método científico a fenômenos não observáveis a partir dos sentidos, ou que não poderiam ser objeto de experimentação? Esse era o grande desafio para os estudiosos dos fenômenos psicológicos e sociais.

Deve-se ao positivismo a inicitaiva de realizar as primeiras incursões no sentido de tentar aplicar uma metodologia científica ao estudo dos fenômenos sociais e psicológicos. O maior equivoco do positivismo, entretanto, talvez tenha sido tentar aplicar os mesmos

4 Um experimento que ficou bastante conhecido foi o realizado pelo cientista italiano Francisco Redi para provar

que a vida só surge de outra vida e não de matéria inanimada. Redi fez o célebre experimento em que colocou pedaços de carne fresca em potes de vidro. Alguns desses potes ele fechou com uma gaze muito fina e outros deixou aberto. Nos que ficaram abertos, as moscas entravam livremente e logo surgiram vermes, enquanto que, nos potes tampados, onde as moscas não podiam entrar, não se observou o aparecimento de larvas, mesmo passados vários dias. Com esse experimento, Redi confirmou a hipótese de que as larvas surgiam na carne em putrefação pela ação das moscas e não por geração espontânea, como se acreditava em sua época. (AMABIS; MARTHO, 2004).

procedimentos utilizados para estudar os fenômenos naturais ao estudo dos fenômenos psicológicos e sociais. Isto levou ao surgimento de problemas difíceis de contornar e que geraram críticas de todas as ordens às ideias positivistas.

Uma das aspirações mais notadamente abrigadas pelos positivistas foi a de alcançar resultados na pesquisa social que pudessem generalizar-se. As técnicas de amostragem, os tratamentos estatísticos e os estudos experimentais severamente controlados foram instrumentos usados para concretizar estes propósitos. Partiam do princípio positivista da unidade metodológica entre a ciência natural e a ciência social. Os reiterados reveses, observados à simples vista, destas pretensões não foram, porém, obstáculo para defender a validade da ideia. (TRIVIÑOS, 2006, p. 38).

Um dos problemas no desenvolvimento de pesquisas na área das ciências humanas diz respeito à objetividade defendida nas ciências naturais, e que é difícil de ser alcançada nas ciências humanas. Mesmo nas ciências naturais, essa objetividade já é questionada, mas é ainda mais precária nas ciências humanas, em que dadas as características dos fenômenos estudados, poderá haver uma maior interferência do pesquisador nos resultados da pesquisa. Nas ciências humanas, o pesquisador é da mesma natureza que seu objeto de estudo e, por isso, é ele mesmo parte do estudo que está sendo realizado.

Os positivistas, defendendo ainda uma aplicação direta da metodologia das ciências da natureza aos fenômenos sociais, afirmavam ser impossível conhecer a causa dos fenômenos, devendo o espírito positivo se prender aos fatos e suas relações. “Buscar as causas dos fatos, sejam elas primeiras ou finais, era crer demasiado na capacidade de conhecer do ser humano, era ter uma visão desproporcionada da força intelectual do homem, de sua razão”. (TRIVIÑOS, 2006, p. 36).

Para o positivismo, não existe outra realidade que não seja os fatos que possam ser observados. Os fenômenos mentais, então, não seriam passiveis de estudo científico, porque não podiam ser observados de forma direta. Isso fez com que a influência do positivismo na psicologia deslocasse o objeto de estudo da mesma para o comportamento, uma vez que esse podia ser observado. A psicologia comportamental ou behaviorismo5, por exemplo, não aceita

o chamado método introspectivo6 também utilizado na psicologia.

5 O termo behaviorismo vem do inglês, behavior, que significa comportamento. Esse termo foi cunhado pelo

psicólogo americano John B. Watson. “Watson, postulando então o comportamento como objeto da Psicologia, dava a esta ciência a consistência que os psicólogos da época vinham buscando. Um objeto observável, mensurável, que podia ser reproduzido em diferentes condições e em diferentes sujeitos. Essas características eram importantes para que a Psicologia alcançasse o status de ciência, rompendo definitivamente com a tradição filosófica.” (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 1988, p. 38).

6 No método introspectivo, os dados são colhidos a partir das informações passadas pelos sujeitos pesquisados que

As críticas à aplicação da metodologia de estudo das ciências naturais às ciências humanas feitas pelos positivistas recaem principalmente na limitação dessa aplicação direta. A complexidade e riqueza dos fenômenos não são atingidas, ficando os estudos realizados, limitados à mera aparência dos fenômenos, pois a essência dos mesmos não poderia ser atingida a partir dos procedimentos tradicionais das ciências naturais. Isso colocou para os estudiosos das ciências humanas uma situação dilemática: ficar preso à rigidez da metodologia científica tradicional e deixar de estudar aspectos importantes da realidade social e psicológica ou adaptar essa metodologia ao estudo das ciências humanas. “Seu dilema seria seguir os caminhos das ciências estabelecidas e empobrecer seu próprio objeto? Ou encontrar seu núcleo mais profundo, abandonando a ideia de cientificidade?” (MINAYO; DESLANDES; GOMES, 2011, p. 11).

A forma de fugir a esse dilema foi aplicar aos fenômenos das ciências humanas procedimentos diferentes dos utilizados nas ciências da natureza. Desse modo, poder-se-ia se aprofundar o conhecimento de aspectos dos fenômenos sociais e psicológicos impossíveis de serem conhecidos pelos meios da ciência tradicional. Em contraposição às pesquisas que se utilizavam da metodologia científica tradicional, voltada principalmente para a quantificação, mensuração de dados, a nova forma não tradicional de estudar cientificamente fenômenos sociais e psicológicos ficou conhecida como pesquisa qualitativa.

Acredita-se que a pesquisa de natureza qualitativa tenha suas origens na investigação etnográfica desenvolvida pelos antropólogos. Ela teria surgido de forma bem natural a partir da constatação de que muitas informações acerca da vida dos povos não podiam ser quantificadas, mas precisavam ser interpretadas de forma muito mais ampla. Um dos principais antropólogos que começou a trabalhar com a posteriormente chamada pesquisa qualitativa foi Malinowski.

Malinowski faz uma crítica radical às modalidades de pesquisa social que explicam a realidade social apenas “apreendendo” um nível dessa realidade por meio de survey7. Comenta que esse tipo de ciência de lógica quantitativa percebe apenas o esqueleto da sociedade, mas não compreende a vida que pulsa, porque no caso dos surveys o cientista está longe do lugar onde a vida acontece. ( MINAYO; DESLANDES; GOMES, 2011, p. 71-72).

É preciso que se entenda, entretanto, que a pesquisa qualitativa não é uma negação da pesquisa quantitativa. Mesmo limitada para estudar aspectos da realidade que possam ser abrangidos pela pesquisa qualitativa, a pesquisa quantitativa pode ser agregada a esta para

consolidar e reforçar achados da primeira no campo do conhecimento científico. Para Triviños (2006), toda pesquisa pode ser ao mesmo tempo quantitativa e qualitativa. Ocorre, entretanto, que, na maioria das vezes, as pesquisas que pretendem uma objetividade, a partir de dados estatísticos, ficam exclusivamente no dado estatístico. O pesquisador, principalmente o menos experiente, não avança para uma interpretação mais ampla da informação conseguida e desperdiça um material hipoteticamente importante, de modo que termina o estudo onde deveria estar começando.

Por outro lado, Minayo, Deslandes e Gomes (2011) esclarecem que não existe uma hierarquia entre a pesquisa quantitativa e a qualitativa, como muita gente propõe. Não existe uma escala onde primeiro estaria a abordagem quantitativa, “objetiva e científica”, para, em seguida, vir a abordagem qualitativa, ocupando um lugar auxiliar e exploratório, de forma “subjetiva e impressionista.” Na verdade, as duas abordagens têm sua importância para o estudo da realidade das ciências humanas, podendo ser usadas de forma individual ou complementar, dependendo do fenômeno a ser estudado e do interesse do pesquisador.

Ainda de acordo com Minayo, Deslandes e Gomes (2011), o ciclo da pesquisa qualitativa pode ser dividido em três etapas, que são: a fase exploratória; o trabalho de campo e a análise e tratamento do material empírico e documental. A fase exploratória é o momento de elaboração do projeto de pesquisa e dos procedimentos necessários para a ida ao campo. Nessa fase, o objeto de pesquisa será delimitado e desenvolvido teórica e metodologicamente. É também o momento de construção das hipóteses, da escolha do instrumental a ser utilizado e da organização do cronograma do trabalho.

Na fase do trabalho de campo, o pesquisador vai ao encontro da realidade que pretende estudar, a partir do que construiu teoricamente na etapa anterior. Neste momento, ocorrem as observações, entrevistas, levantamento de material documental e outros. Esse é o momento de confirmação ou refutação de hipóteses e de construção de teoria.

Na terceira fase do ciclo da análise qualitativa, temos a análise e tratamento do material empírico documental. Esta consiste num conjunto de procedimentos para valorizar, compreender e interpretar os dados empíricos, articulando-os com a teoria que fundamentou o projeto de pesquisa. Essa fase pode ainda ser subdividida em três tipos de procedimento: ordenação dos dados; classificação dos dados e análise propriamente dita.