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CAPÍTULO 2: A POLÍTICA PÚBLICA NA RELAÇÃO ESTADO E SOCIEDADE

2.6. A relação Estado e sociedade civil na atualidade

A relação entre Estado e sociedade civil na atualidade é marcada pelo esgotamento dos modelos fordista – taylorismo – keynesianismo; do neoliberalismo – toyotismo - estado mínimo social e do conjunto dos modelos de esquerda, de acordo com Serra (2007). Tanto a implantação desses modelos quanto agora seu esgotamento causaram e vêm causando impactos nas esferas econômicas, políticas e culturais em todo o planeta. O Estado e a sociedade civil são obviamente atravessados por todas essas mudanças que levaram a uma crença na possibilidade de um Estado sem sociedade civil e numa sociedade civil sem Estado, como entes autônomos, numa relação desprovida do sentido de responsabilidade social. É como se os entes responsáveis pela organização do mundo concreto, real, abdicassem dessa função, transferindo sua responsabilidade para terceiros. Serra (2007, p. 10) nos explica que:

O perigo de uma sociedade civil sem Estado é a possibilidade da proliferação de um associativismo conservador com o esvaziamento do político estatal e também com a sua rejeição, com o retorno ao passado, à centralização da família, ao pequeno grupo, ao fechamento dos pequenos grupos à ação do Estado, aos direitos institucionais estatais. Em contrapartida, um Estado sem sociedade civil é um Estado morto, burocratizado, concentrado em poderes executivos, desprovido do sentido real da política, apartado do lugar real da gestão da política, a sociedade civil.

Um Estado sem sociedade civil, portanto, é um Estado isolado, sem a participação do cidadão no processo político decisório, voltado tão somente ao formalismo da política institucional, profissional e à delegação de funções.

A atual lógica do individualismo, da fragmentação, do particular em detrimento do coletivo tem feito surgir novos aspectos na relação Estado e sociedade civil como o chamado terceiro setor, a responsabilidade social empresarial ou o voluntariado. O poder do Estado é, então, substituído pela força e influência de organizações voltadas à defesa de interesses particulares. Por outro lado, essa rejeição ao Estado leva a um neoconservadorismo associativista com um fechamento da sociedade em si mesma, à margem do Estado.

A consolidação do capitalismo nos dias atuais parece ser o que move a atual aversão à esfera pública, sua desqualificação e degradação. É a volta a Locke e Adam Smith, que entendiam o Estado como formado pela sociedade civil a partir de um contrato social, para assegurar a ordem, a segurança, e a propriedade.

Uma forma de se contrapor a essa realidade adversa encontra-se na perspectiva gramsciana quando o estudioso italiano coloca que tanto a sociedade civil quanto a sociedade politica, ou Estado em sentido estrito, apesar da diversidade estrutural e funcional, compõem de forma dialética a mesma realidade superestrutural que é o Estado em sentido ampliado. Desse modo, na relação entre Estado e sociedade, é possível um encontro dialético em que a sociedade civil possa democratizar e controlar o Estado, e este, por sua vez, faça prevalecer os interesses coletivos e compartilhados. Essa forma de encarar a relação entre Estado e sociedade pressupõe a ideia de um novo Estado e o fortalecimento da sociedade civil, garantindo sua participação na formulação e controle das políticas públicas.

As transformações que ocorreram no Estado, para Serra (2007), passam pelas transformações que ocorreram no capitalismo em suas diferentes fases e estágios. As alterações no processo produtivo e nas relações de produção, seja no capitalismo concorrencial, monopolista ou tardio, determinaram as novas conformações assumidas pelo Estado para se adaptar a tais transformações.

A reforma do Estado no nível mundial, a partir da década de 80, visa a construir um novo Estado que atenda aos interesses neoliberais. A desobrigação desse Estado com o social visa adequar os países periféricos aos objetivos e metas determinados pelo consenso de Washington. Essa desobrigação com o social levou a uma crescente privatização da saúde e previdência, jogando a responsabilidade com a assistência social para a sociedade civil.

Por outro lado, chama atenção o interesse neoliberal em manter parcerias com a sociedade civil. Na maioria das vezes, essa parceria diminui a autonomia da sociedade civil, colocando-a na situação de apêndice do Estado. A sociedade civil passa, então, a substituir o Estado em muitas de suas funções na resposta às necessidades sociais da população.

A crise econômica na década de setenta fez com que o mundo capitalista começasse a rejeitar a redistribuição promovida pelo Welfare State por conta da redução na taxa de lucro obtida pelo capital. As estratégias de desmonte do Estado de Bem-Estar Social, considerado anacrônico e prejudicial ao desenvolvimento, visavam a adequar o mesmo à nova realidade neoliberal.

No que tange às políticas sociais, sob a égide do capitalismo monopolista, estas têm um importante papel na intervenção sobre a questão social. Isso se dá através das funções

econômicas e políticas do Estado nesse período. São as políticas sociais que vão garantir a preservação e o controle da força de trabalho, esteja esta inserida no mercado de trabalho ou fazendo parte do chamado exército industrial de reserva.

Vale ressaltar que, antes mesmo das políticas sociais implementadas pelo Estado, existiam as políticas sociais privadas. Estas surgiam por motivações múltiplas no interior da sociedade civil. Na atual realidade do capitalismo, as políticas sociais privadas atendem bem ao ideário neoliberal de desresponsabilização do Estado pelos encargos sociais através de parcerias com a sociedade civil. Observa-se também o surgimento de entidades privadas de filantropia empresarial que vêm desempenhando funções em substituição ao Estado. Essas entidades formalizadas e legitimadas pelo próprio Estado para prestação de serviços sociais caracterizam o que se convencionou chamar de terceiro setor.

No Brasil, a reforma do Estado empreendida por Fernando Henrique Cardoso, em seu primeiro mandato, que foi de 1995 até 1998, reflete as alterações definidas pelo neoliberalismo. Nela “estão previstas diferentes medidas que contemplam as várias dimensões do arcabouço do Estado mínimo gerado por essa doutrina.” (SERRA, p. 18, 2007). Alterou-se a estrutura do Estado, criando um novo arcabouço institucional de funcionamento com uma nova composição e dinâmica. O que se experiencia atualmente foi resultado dessa reforma, principalmente a política de assistência social, que passou a enfatizar a seletividade e a focalização. Do mesmo modo, o que também se observa atualmente com relação às reformas da previdência, trabalhista e da política econômica.

Para implantação do modelo neoliberal, os governos afinados com essa doutrina valem- se de estratégias como o oferecimento de um serviço público de má qualidade e a desvalorização dos servidores públicos técnicos ou auxiliares. A má qualidade do serviço público vai provocar na população uma rejeição da coisa pública e uma valorização do privado, o que facilita a privatização empreendida por estes governos. O sucateamento das áreas da saúde, educação ou previdência social pode levar a que a população passe a defender a privatização desses setores por não acreditar que os mesmos possam funcionar bem, sendo públicos.

A redução e desvalorização dos servidores públicos que prestam os serviços sociais das políticas sociais é bastante clara no Brasil, embora esta seja um processo que vem ocorrendo em nível mundial. Não existem planos de cargos e carreiras para os funcionários que visem sua valorização profissional e dedicação ao serviço público. É interessante notar que o próprio Banco Mundial, em relatório de 1995, fala da desvalorização do funcionário público, dizendo que os baixos salários reduzem sua lealdade e dedicação ao trabalho e que, devido à falta de

investimentos em equipamentos, os servidores não dispõem de instrumentos para desenvolver seu trabalho.

As alterações no aparato estatal, aliadas a estratégias como desqualificação dos serviços e servidores públicos, têm como objetivo a implantação do Estado mínimo, principal foco da doutrina neoliberal. Todo esse processo vai repercutir na relação que se estabelece entre Estado e sociedade civil, com um forte interesse por parte do Estado em estabelecer parcerias com organismos da sociedade civil. Essa relação, entretanto, visa desresponsabilizar o Estado por muitas de suas funções, passando essa responsabilidade para organismos privados. Por outro lado, nessa relação, a sociedade civil passa a ser controlada e subordinada ao Estado, tornando- se um complemento do mesmo, sem autonomia ou poder de pressão.