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CAPÍTULO 4: POLÍTICA PÚBLICA E INTERSETORIALIDADE

4.3 As diferenças terminológicas, os tipos e os obstáculos

Mais uma vez, recorrendo a Hilton Japiassu (1976), vamos agora precisar o que se deve entender por interdisciplinaridade e outros termos afins, com o intuito de evitar embaraços em

razão de sua incompreensão. Estes outros termos são multidisciplinaridade e pluridisplinaridade. Começaremos por definir o que seja disciplinaridade. A disciplina tem o mesmo sentido de ciência e a disciplinaridade “significa a exploração científica especializada de determinado domínio homogêneo de estudo, isto é, o conjunto sistemático e organizado de conhecimentos que apresentam características próprias nos planos de ensino, de formação, dos métodos e das matérias.” (JAPIASSU, 1976, p. 72).

Antes de chegarmos à definição de interdisciplinaridade, vejamos o que se deve entender por multidisciplinaridade. Esta já é um avanço com relação à fragmentação do trabalho científico e uma primeira etapa rumo à interdisciplinaridade, mas se caracteriza simplesmente por uma justaposição dos recursos de várias disciplinas em um trabalho determinado. A multidisplinaridade não implica necessariamente em um trabalho coordenado e em equipe. No trabalho multidisciplinar, um problema é solucionado a partir de informações tomadas por empréstimo de duas ou mais especialidades, sem que as disciplinas que contribuíram com aquela que as utiliza sejam modificadas ou enriquecidas. Na multidisplinaridade, um objeto é estudado de diversos ângulos, mas sem um acordo prévio quanto aos métodos a seguir ou conceitos a serem utilizados.

A pluridisplinaridade, por sua vez, pouco difere da multidisplinaridade, pois ambas realizam apenas um agrupamento de módulos disciplinares, de forma intencional ou não, sem qualquer relação entre as disciplinas (multidisciplinaridade) ou com alguma relação (pluridisciplinaridade). A diferença entre ambas é que no multidisciplinar não existe qualquer coordenação ou cooperação no trabalho, enquanto que, no pluridisplinar, não existe coordenação, mas já se estabelece um processo de colaboração entre os especialistas das diversas áreas.

Na interdisciplinaridade, por sua vez, existe uma intensidade nas trocas de informação entre os especialistas e um elevado grau de integração das disciplinas. No modelo interdisciplinar, existe uma superação do simples monólogo entre especialistas que pertencem a disciplinas vizinhas. O espaço interdisciplinar é um campo unitário de conhecimento, não sendo constituído por uma simples justaposição de especialidades ou uma síntese de ordem filosófica de saberes especializados. O espaço interdisciplinar se constitui, na verdade, por uma negação e superação das fronteiras entre as disciplinas. Para se chegar ao interdisciplinar, no entanto, passamos por graus de coordenação e cooperação cada vez mais amplos. Para Japiassu (1976, p. 75), o interdisciplinar:

Pode ser caracterizado como o nível em que a colaboração entre as diversas disciplinas ou entre os setores heterogêneos de uma mesma ciência conduz a interações propriamente ditas, isto é, a uma certa reciprocidade de intercâmbios, de tal forma que, no final do processo interativo, cada disciplina saia enriquecida. Podemos dizer que nos reconhecemos diante de um empreendimento interdisciplinar todas as vezes em que ele conseguir incorporar os resultados de várias especialidades, que tomar de empréstimo a outras disciplinas certos instrumentos e técnicas metodológicos, fazendo uso dos esquemas conceituais e das análises que se encontram nos diversos ramos do saber, a fim de fazê-los integrarem e convergirem, depois de terem sidos comparados e julgados.

O horizonte utópico a ser alcançado pela superação do esfacelamento do saber é o que Piaget chamou de transdisciplinaridade. Para este autor, a transdisciplinaridade seria uma etapa que se sucederia à disciplinaridade. Esta não se contentaria em atingir interações ou reciprocidades entre as diversas especialidades, mas pressuporia um sistema sem qualquer fronteira entre as disciplinas. O próprio Piaget, entretanto, afirmou que essa etapa é previsível, mas que, no momento atual, ela não passa de um sonho a ser atingido.

De acordo com a proposta de Heckhausen (apud Japiassu, 1976), dentre os tipos de interdisciplinaridade, vamos encontrar a interdisciplinaridade heterogênea, a pseudo- interdisciplinaridade, a interdisciplinaridade auxiliar, a compósita e a unificadora. Na heterogênea, estão incluídos os enfoques de cunho enciclopédico, unindo programas diferentemente dosados. Essa proposta aplicada em universidades visa à formação de profissionais de uma forma interdisciplinar, combinando o conhecimento de várias áreas, embora partindo de algumas disciplinas consideradas fundamentais. Nesse caso, existem algumas disciplinas fundamentais que utilizam outras como disciplinas auxiliares. Esse modelo é considerado ingênuo e superficial por Japiassu (1976), uma vez que para ele ideias gerais causam imobilismo e é por isso que passam por fundamentais.

A pseudointerdisciplinaridade consiste na utilização de certos instrumentos conceituais e de análise, considerados epistemologicamente neutros como os modelos matemáticos, por exemplo. Esses modelos permitiriam a associação de disciplinas que deveriam recorrer aos mesmos instrumentos de análise. Todavia, não será a utilização desses instrumentos em comum que será suficiente para a realização de um projeto interdisciplinar, sendo, por isso, esse tipo de interdisciplinaridade tratado de pseudointerdisciplinar.

Temos, em seguida, a interdisciplinaridade auxiliar. Esta ocorre simplesmente pela tomada de empréstimo por uma disciplina do método ou procedimentos de outra. Isso pode ocorrer de forma provisória ou permanentemente, como acontece entre pedagogia e psicologia, por exemplo, em que a primeira constantemente recorre à segunda em matéria de ensino.

Na interdisciplinaridade compósita, a interdisciplinaridade decorre da necessidade de se resolver problemas complexos colocados pela sociedade atual, como fome, guerras, destruição do meio ambiente, violência e outros. É a reunião de várias especialidades, visando encontrar soluções técnicas para a solução de determinados problemas. Não existe, contudo, uma real integração entre elas. No mais das vezes, o que ocorre é uma conjugação de disciplinas por aglomeração, onde todas dão sua contribuição, mas, guardam sua autonomia.

Por fim, temos a interdisciplinaridade unificadora. Nesse caso, ocorre uma integração dos níveis de integração teórica e dos métodos das disciplinas. Temos como exemplo a biofísica, na qual certos elementos e perspectivas da física foram incorporados à biologia. O mesmo ocorreu com a psicolingüística, resultado da integração entre a psicologia social e a linguística.

Pode-se ainda reduzir os cinco tipos a apenas dois: a interdisciplinaridade linear ou cruzada e a estrutural. O primeiro caso trata-se tão somente de pluridisciplinaridade, onde as disciplinas permutam informações, mas não existe reciprocidade entre elas. Existem as disciplinas auxiliares que apenas fornecem informações e mantêm uma posição de dependência e subordinação em relação a outras. No segundo caso, ocorre entre as disciplinas um diálogo em pé de igualdade, não havendo domínio de uma sobre as outras. As trocas são recíprocas e o enriquecimento é mútuo. Neste tipo, a interdisciplinaridade não acontece por simples adição ou mistura, mas por combinação fecunda, gerando, muitas vezes, novas disciplinas.

Os obstáculos a um empreendimento interdisciplinar são colocados por Gusdorf (apud Japiassu, 1976). Este autor lista quatro modalidades de obstáculos, que são: epistemológica, institucional, psicossociológica e cultural. A primeira refere-se à dificuldade que tem o especialista, uma vez enclausurado em sua especialidade, de ver o todo e se libertar de uma visão fragmentada.

A institucional está associada às instituições de ensino e pesquisa. Nesse caso, as instituições tendem a entesourar suas descobertas, criando uma espécie de capitalismo epistemológico e contribuindo para esquizofrenizar o saber. São cortadas as comunicações com outros espaços, de modo a consolidar a situação adquirida.

O obstáculo psicossociológico diz respeito às vaidades e interesse por poder, que também grassa entre os especialistas. Quando uma especialidade se consolida, é a hora de exercitar o poder e a dominação. A fragmentação permite ao especialista dividir para reinar. Não existe um real interesse pela interdisciplinaridade, uma vez que o conhecimento passa a ser privativo de tal e qual especialista, que, munido de uma aparelhagem técnico-metodológica e linguagem hermética, o utiliza como instrumento de domínio e poder.

O obstáculo cultural ocorre por conta da separação entre as diversas áreas culturais, bem como entre línguas e tradições. Os especialistas de determinado país trabalham fechados em seu território sem se preocupar com o que acontece fora de suas fronteiras. A fragmentação das diversas áreas do conhecimento facilita que cada um continue em seu mundo particular, imune às críticas e controle que teria em um mundo aberto.