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CAPÍTULO 4: POLÍTICA PÚBLICA E INTERSETORIALIDADE

4.7. A territorialidade e o trabalho em rede

Existem dois pontos relevantes no que diz respeito à discussão acerca da intersetorialidade que são: os princípios da territorialidade e do trabalho em redes. Com relação à territorialidade, muitos autores defendem uma maior eficiência da gestão intersetorial se

aplicada a territórios. Junqueira (2004) argumenta que a intersetorialidade incorpora a ideia de integração de território. Para ele:

a qualidade de vida demanda uma visão integrada dos problemas sociais. A ação intersetorial surge como uma nova possibilidade para resolver esses problemas que incidem sobre uma população que ocupa determinado território. [...] Essa abordagem supõe a consideração dos problemas sociais onde eles se manifestam. Nessa perspectiva, a cidade constitui um espaço privilegiado para realizar a ação intersetorial. (p. 27).

Segundo Aldaíza Sposati (2006), o modelo de gestão intersetorial tem se mostrado mais eficiente quando combinado à descentralização territorial. Nesse caso, as demandas e características de um território é que irão determinar a extensão da intersetorialidade a partir dos objetivos a serem atingidos. O debate sobre descentralização e municipalização das políticas públicas não é de agora e data das décadas de 80 e 90, na esteira do desmanche do modelo autoritário do Estado ditatorial militar no Brasil. A descentralização permite uma maior participação do cidadão na execução e controle das ações do Estado.

Sposati (2006) argumenta ainda que a intersetorialidade aplicada de forma territorializada pode contribuir para a redução da desigualdade social, que se expressa nas cidades pela segregação espacial. Existem nas mesmas os territórios com maior ou menor vulnerabilidade. Para ela, o território apresenta não apenas uma topografia geográfica, mas também uma topografia social que é gerada pelas ações do Estado, do mercado e da sociedade. A intersetorialidade de forma territorializada pode ainda permitir uma maior aproximação com a realidade das demandas e necessidades da população.

A mesma pesquisadora adverte, porém, para os riscos da ação territorializada se esta não tiver como fundo uma visão totalizante da cidade. Um trabalho voltado para territórios pode terminar sendo segregacionista, isolando grupos populacionais em guetos. Por outro lado, a ação do Estado pode passar a ser fragmentada, compartimentalizada agora por territórios. Sposati (2006, p. 138-139) escreve:

Trabalhar com o olhar nos territórios mais vulneráveis pode levar à distorção da desvinculação do todo e da parte, como se esses territórios vulneráveis fossem guetos ou a visão estigmatizadora – e irreal para o Brasil – de bolsões de miséria ou enclaves de pobreza. [...] A escolha do modelo de gestão intersetorial para os territórios mais vulneráveis pode, portanto, ao mesmo tempo, acelerar resultados pela potencialização das ações, mas “guetizar” grupos humanos. Desse modo, a escolha da aplicação de um modelo

intersetorial, em um ponto ou parte da cidade, deve estar vinculado a uma proposta de gestão para a cidade, inter-relacionando-a ao todo.

Um segundo ponto importante na discussão da intersetorialidade é a ideia de rede. Para Bronzo e Veiga (2007), a discussão sobre rede tem se tornado central em diversos campos como forma de sinalizar a interconexão, a interdependência e a conformação necessária para dar conta da complexidade da realidade social. Para esses autores, a intersetorialidade pode ser entendida tanto como uma maior articulação, coordenação e interação entre os setores governamentais quanto como uma forma de governo relacional que expande a coordenação das políticas públicas para além do governo. Essa segunda forma se dá a partir das redes que extrapolam o aparelho estatal e englobam organizações da sociedade civil.

Na verdade a idéia de intersetorialidade aliada a de rede, pressupõe uma participação da sociedade civil nas políticas públicas através de ações conjuntas entre governo e sociedade a partir do planejamento, execução e monitoramento dessas políticas. Alguns autores, como Junqueira (2004), propõem mesmo um repasse de atribuições do Estado para organizações da sociedade civil. Diz ele: “o Estado, sem eximir-se de suas responsabilidades, transfere algumas de suas competências para organizações da sociedade civil, que passam a assumir, em caráter complementar, e em parceria, ações sociais que possibilitam oferecer à população melhores condições de vida.” (p. 32). Essa ideia é criticada pelos pesquisadores das ações executadas pelas organizações da sociedade civil, que também fazem a crítica ao chamado “terceiro setor”. A perspectiva da intersetorialidade em redes é uma proposta que apresenta aspectos positivos e negativos. Como positivos temos uma maior participação do cidadão no acompanhamento das políticas públicas, seja no seu planejamento, implementação ou monitoramento, além de preencher lacunas deixadas pelo Estado na prestação dos serviços públicos. Por outro lado, as redes podem ser usadas para desresponsabilização do Estado e repasse à sociedade civil de atribuições típicas de governo, como apregoa o ideário neoliberal na defesa de um Estado mínimo.

Aldaíza Sposati (2006) identifica três princípios que, segundo ela, podem ser combinados para desenvolver uma estratégia de gestão intersetorializada. O primeiro deles é o da gradualidade, ou seja, ninguém consegue fazer tudo ao mesmo tempo. Esse princípio pressupõe uma atuação gradual por etapas e metas, na qual os resultados alcançados sempre representarão um avanço com relação à situação anterior, mesmo que esses resultados ainda sejam parciais. Esse entendimento vai permitir uma consolidação do passo dado para que não se volte à situação anterior, alegando que o resultado alcançado foi pouco expressivo.

O segundo princípio é o da valorização da heterogeneidade. Não se pode desprezar as particularidades na implementação das políticas públicas, confundindo heterogeneidade com fragmentação de ações. Apesar de difícil, é preciso saber combinar heterogeneidade com homogeneidade. As políticas públicas devem trabalhar de forma intersetorialiazada, embora não esquecendo suas especificidades.

O terceiro princípio apontado pela autora é o da convergência. Nele se expressa a ideia de que a intersetorialidade se assenta na convergência da ação. Este princípio reflete mais uma racionalidade interna da ação do que um valor para a sociedade. A intersetorialidade não pode ser transformada em relação política do Estado com a sociedade, sob pena de comprometer a inteligência técnica do Estado. O domínio técnico por parte do Estado demonstra capacidade, segurança e certeza para a sociedade. Se a ação estatal não proporcionar essa segurança e esse domínio, estará correndo o risco de fragilizar a imagem do Estado e sua competência.