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3 A “ILUSÃO AMERICANA” VERSUS “A REALIDADE

3.2 IMPRESÕES DOS ESTADOS UNIDOS (1896-1900)

3.2.9 A política externa

É interessante notar que Lima separa em dois capítulos distintos os temas Política externa e Política Colonial dos Estados Unidos. No capítulo sobre Política Externa procura traços gerais de orientação desta política buscando suas raízes na história. Segundo ele, a política externa americana estava principalmente baseada em dois traços que faltavam a brasileira: continuidade e energia. Ambas fruto da influência dos estadistas americanos que desde Washington “sabem o que querem e querem-no a valer”. (LIMA, 1899a, p. 361).

Para Lima, depois de “apagado o rastilho emancipador” no continente, além do Brasil havia uma única nação organizada, os Estados Unidos, entre uma dúzia de “estilhaços dos vice-reinados hespanhoes, cuja história é monotonamente agitada, e nos quaes generaes, padres, aventureiros e mestiços dançavam uma sarabanda doida e sangrenta em redor do altar do bezerro d'ouro coberto com o barrete phrygio da Liberdade”. Via, porém, mudanças positivas neste cenário com um Chile “cheio de vitalidade” e uma Argentina “rica de futuro”. Mas ainda assim nenhuma destas novas repúblicas poderia nem de longe comparar-se aos Estados Unidos em termos de uma colonização integrada, de desenvolvimento industrial, de “adiantamento intellectual, não meramente litterario, vigor, opulência e esplendor”. (LIMA, 1899, p. 365). Dadas estas condições, concluía que a preponderância da nação norte-americana no continente “é mais do que uma intenção manifesta, é uma condição necessária, um resultado fatal, a que não ha fugir”. (LIMA, 1899, p. 366).

Sobre a correlação de forças no continente afirmava que era na realidade inexistente, no sentido que na Europa dá-se ao termo equilíbrio, já que ainda que não fosse a única nação independente do Novo Mundo, os Estados Unidos eram a única dotada de condições de educação cívica e de capacidade de administração, além de recursos materiais. (LIMA, 1899, p. 364). Justifica a criação da Doutrina Monroe em um contexto de

necessidade de tratar de defender a autonomia do novo continente contra as investidas da Santa Aliança. Tinha claro que sua acepção primitiva havia sido ditada pela necessidade de defesa e segurança dos Estados Unidos e o livre desenvolvimento da sua forma de governo. Neste contexto, a intervenção era uma consequência e não um princípio ou regra de proceder inalterável.

Com a atuação de Cleveland na questão venezuelana, a intervenção tornou-se “para assim dizer obrigatória, com a aggravante que, na phrase do seu Secretario de Estado Olney, a vontade americana convertia-se no fiat de todo o continente”. Posteriormente, as conquistas nas Antilhas e no Extremo Oriente vieram a “solapar tanto o velho como o novo monroismo”. No seu esforço de distinção entre o monroismo original e as interpretações posteriores, chama a atenção para que na esteira do avanço da política colonial dos Estados Unidos já havia propostas de que o termo deveria ser “substituída no diccionario politico americano pela de deweyismo”, em alusão ao Almirante e herói da Guerra Hispano- Americana George Dewey.

As mudanças na orientação da política exterior dos Estados Unidos eram observadas de perto por Oliveira Lima, que concordava com aqueles que viam alterações substanciais na definição original do monroismo. Dizia ele:

Com efeito o monroismo — si quizermos respeitar- Ihe o pristino nome alterando-lhe de todo a significação— está ameaçado de perder mesmo a sua segunda accepção para tomar uma terceira, mais larga ainda que menos generosa, mais practica posto que menos definida, tão afastada da primitiva que seria até irrisório guardar-lhe a denominação. Mais acertado parecerá dizer que o monroismo tem-se esforçado por não deixar-se absorver pelo deweyismo (emprestando ao espirito de conquista o nome do glorioso marinheiro que não fez outra cousa senão com temerária audácia destruir a esquadra inimiga no porto onde estava abrigada) [...]. (LIMA, 1899a, p. 256).

Ainda que criticasse sutilmente a Dewey, não desaprovava totalmente a incorporação dos novos territórios nem a política colonial dos Estados Unidos, que considerava legítima e natural, como se verá no capítulo referente ao tema, que tratarei na secção seguinte. Lima acreditava na capacidade de adaptação da Doutrina às novas circunstâncias políticas e no seu poder para limitar a expansão territorial às “conveniências da defeza e do commercio” e abafar os instintos de

dominação que haviam levado a perdição outros impérios. (LIMA, 1899a, p. 257). Esta fé na Doutrina está relacionada a visão positiva que tinha do próprio James Monroe, “o definidor da autonomia política do continente”, que fazia parte “de uma serie de Presidentes audazes, intrépidos”, capazes de promover uma política “ambiciosa mas precisa”. (LIMA, 1899, p. 24) Lima afirma diversas vezes que não via nos Estados Unidos nenhum traço de um desejo imperialista intrínseco, mas sim o desenvolvimento natural da recente guerra contra a Espanha. Antes, via a grande república “satisfeita”, rejeitando ou ao menos não demonstrando grande entusiasmo pela anexação do Hawaii e sem um entusiasmo unânime pela de Cuba, que desejavam ver independente. Analisando os efeitos da guerra porém, notava mudanças na opinião pública e no governo. Para ele, os acontecimentos haviam transformado em muitos a prévia indiferença em apetite. Constatava que os resultados da Guerra Hispano-Americana foram a “inteira destruição de duas esquadras hespanholas, a cessão aos Estados Unidos de quasi todo o domínio colonial hespanhol e a inauguração do imperialismo norte-americano”. (LIMA, 1899, p. 367).

Esforçava-se por matizar este recém adquirido apetite expansionista afirmando que a opinião geral não se inclinava muito em favor de uma política agressiva, que envolvesse a quebra da neutralidade tradicional estabelecida por Washington e seus sucessores. Argumenta que o ideal de um povo não pode manter-se imutável e acompanha seus diferentes fases de cultura. Assim, as aspirações nacionais dos Estados Unidos não poderiam ser idênticas aquelas que faziam “palpitar ha um século o coração dos homens da Independência”. (LIMA, 1899, p. 423- 424). O que não significava dizer que se estava abandonando totalmente a tradição na condução dos negócios estrangeiros. Para Lima, a tradição washingtoniana atuaria sempre no sentido de imprimir moderação de justiça no proceder dos Estados Unidos e também funcionava como refúgio moral e freio ao militarismo, que ele considerava um “mal da Europa e flagello da America do Sul”. (LIMA, 1899, p. 425). Lima sempre foi um crítico do militarismo, especialmente nos países latino- americanos, mas no caso dos Estados Unidos era mais complacente. Entendia que o aumento do poder militar sempre geraria susceptibilidades e provocaria temores de esquecimento dos sãos princípios democráticos. Mas defende que o aumento da Marinha era absolutamente indispensável à expansão colonial dos Estados Unidos, à proteção do seu comércio, e para fazer frente a suas necessidades de defesa, todas exigências inerentes a sua situação de potência de primeira ordem.

Lima procurava tratar a política externa dos Estados Unidos em perspectiva histórica, recordando que a política de abstenção pregada por Washington havia sido seguida escrupulosamente durante um século e seu abandono naquele exato momento não representava um repúdio ao passado mas uma transformação. Esta mudança obedecia no fundo aos mesmos impulsos práticos que sempre ditaram a ação externa dos Estados Unidos. Esta orientação prática da diplomacia americana era fruto de uma inclinação natural da raça, aliada a disposição do desenvolvimento nacional e talvez nesta orientação tenha tido algumas vezes que ser brutal. (LIMA, 1899, p. 372). Mas os americanos herdaram a feição inglesa do apego as suas instituições e aos seus usos, bem como habituaram-se a encontrar nos meios pacíficos e regulares o melhor modo de reivindicar suas aspirações e satisfazer seus anelos. (LIMA, 1899, p. 4). Deste modo, esta orientação adquiria um papel positivo porque contribuía para a disseminação de conquistas da civilização em termos de política internacional, como o arbitramento e o tratamento generoso do inimigo vencido. Resolvido o grande tema da Independência, gozando de estabilidade interna e de um mercado interno sólido, a expansão do comércio internacional era a grande preocupação do país e por isso novos mercados eram fundamentais. Neste sentido, ele não via nenhuma diferença entre como atuavam os Estados Unidos e o que antes já haviam feito a Inglaterra, a França, a Alemanha ou a Rússia, “caminhando, annexando, absorvendo, para crear mercados e estabelecer relações mercantis”. (LIMA, 1899, p. 371).

É uma visão que vai completamente ao encontro dos postulados do Pan-americanismo oficial patrocinado pelos Estados Unidos. Não é por acaso que Lima considera que James G. Blaine era um dos dois estadistas mais notáveis150 dos últimos tempos nos Estados Unidos, responsável por inaugurar o regime do pan-americanismo baseado na reciprocidade comercial, isto é, na conquista pacífica do hemisfério em proveito da produção americana. Segundo Lima, Blaine foi o primeiro a ter uma visão mais ampla da necessidade de expansão comercial dos Estados Unidos e procurar dar -lhe solução.

A Primeira Conferência Pan-americana idealizada por Blaine representava o mais recente esforço em promover a política exterior pan- americana. Mesmo malograda a Conferência no sentido da concretização dos objetivos da sua convocação, Lima a considerava um esforço mais

150 O outro era Seward (1801-1872). Secretário de Estado e Governador de Nova York, foi um defensor da Abolição e membro do Partido Republicano. (LIMA, 1899, p. 24).

feliz que os anteriores e que acreditava que havia resultado na criação de um ambiente moral favorável no continente151. Ademais, na sua avaliação serviu para evidenciar um “prurido salutar de soberania” entre os países latino-americanos que era positivo para o estabelecimento de acordos eficazes no futuro. Sobretudo, o evento serviu para revelar por parte dos Estados Unidos correção e lealdade diplomática. (LIMA, 1899, p. 385- 386).

O imperialismo norte-americano era, portanto, nada mais que a última consequência da sua constante expansão territorial, da sua magnífica civilização industrial e da necessidade em que se encontrava de escoar o excesso da sua produção agrícola e fabril. (LIMA, 1899, p. 403-404). Em resumo, a retórica do Pan-americanismo oficial esposado por Oliveira Lima unia o interesse comercial com o discurso da identidade, o Destino Manifesto dos Estados Unidos em levar a civilização para o resto do mundo. Com o seu chamado a expansão comercial dos Estados Unidos, o Pan-americanismo enfatizava a superioridade do país, os benefícios da modernidade, o atraso dos outros e a certeza da sua elevação sob o domínio norte-americano. Esta retórica vinda desde a década de 1880 constituiu a base da justificação do Pan- americanismo e ajudou a lançar os fundamentos de uma república imperial. Sua retórica sobre melhoramento apresentava a busca por mercados consumidores como uma cruzada civilizatória, um verdadeiro trabalho humanitário. (COATES, 2014, p. 23).

Percorrendo a história dos Estados Unidos, Lima não observa as mesmas “manchas de lodo e de sangue” vistas por Eduardo Prado, a quem chama de “um panfletário de grande talento”, que fez da sua má vontade aos Estados Unidos um dos artigos da profissão de fé monárquica no Brasil e levado pela cegueira partidária, desvirtua no seu livro vários fatos resolvidos de forma honrosa e diplomática pelos Estados Unidos152. Concede que neste momento preciso os brasileiros admiradores da América do Norte estavam com efeito “levando demasiado longe as suas

151 Para uma visão geral da I Conferência Pan-americana e seus resultados ver SOTOMAYOR, 1996 e MORGENFELD, 2011.

152 Ao fornecer uma lista das agressões perpetradas pelos Estados Unidos contra países latino-americanos, o que Prado buscava em última instância provar era a incompatibilidade dos interesses brasileiros e norte-americanos. Além disso, entendia que a imitação de ideias e instituições norte-americanas levaria a uma perda da identidade brasileira. Para Skidmore (1975), ao atacar a tendência pró- Estados Unidos da Primeira República, Prado inaugura uma nova e interessante corrente de pensamento crítico sobre a nacionalidade brasileira.

demonstrações de fraternidade e ameaçavam marear os brios da nação”. Ainda assim, posicionava-se em total desacordo com A ilusão americana, que a seu ver injustamente “condemna in limine toda a história, instituições, política e costumes dos Estados Unidos”. (LIMA, 1899, p. 375). É certo que critica a abstenção sistemática do país nas lutas pela independência no continente e que o reconhecimento aos novos países só tenha sido dado quando já estava assegurada, mas sua apreciação geral encontra continuidade e lisura no proceder com outros países. Estavam enganados aqueles que viam nos Estados Unidos uma disposição sempre a espreita de uma oportunidade para aumentar seu território. Lima estava otimista com a nova atitude norte-americana, que nas relações com os outros países havia sempre manifestado um espírito “leal e franco”. E acreditava sobretudo que o sentimento de justiça internacional havia se enraizado desde a Guerra com o México e por isso esse era um tipo de espetáculo que “a nossa geração não corre grave risco de assistir”. (LIMA, 1899, p. 369).

O diplomata brasileiro considerava que as conquistas territoriais realizadas ultimamente pelos Estados Unidos haviam sido “mais impostas pelas circumstancias do que intencionaes”, à exceção de Porto Rico, que era uma necessidade de defesa e uma condição para alcance da supremacia no mar das Antilhas. De qualquer forma, todas as conquistas eram perfeitamente justificáveis seja por razoes econômicas ou de geopolítica ou até humanitárias. Sobre o entusiasmo despertado pela causa de Cuba nos Estados Unidos, não via que escondessem desejos de anexação, apenas era uma “característica expansão de americanismo, a florescência das sementes de amor da liberdade humana”. E mesmo que houvesse outros interesses ao redor do apoio a causa cubana, lhe parecia que havia razão de sobra para uma intervenção pois era indiscutível que os interesses americanos em Cuba, tanto materiais como morais, eram apenas inferiores aos da Espanha. (LIMA, 1899, p. 369). Já a aquisição do Hawaii era necessária se os Estados Unidos não quisessem vê-lo cair cedo ou tarde em mãos dos japoneses. (LIMA, 1899, p. 415).

Quanto a atuação dos Estados Unidos como “protetores natos de toda a América”, afirma que até a questão da Venezuela eles nunca pretenderam tomar esse papel para si, nem tencionavam ingerir na marcha interna nem nos negócios externos de outros países sem que houvesse um pedido de auxílio destes países ou sem a existência de “perigo vital para os interesses nacionais”. Um dos exemplos escolhidos por Lima para ilustrar a falta de um sanha expansionista por parte dos Estados Unidas foi justamente o declínio ao pedido de intervenção feito pelo Brasil em

1825153. Com estes exemplos buscava provar que não era verdade que os Estados Unidos tenham utilizado a Doutrina Monroe como argumento ou como arma na condução da sua diplomacia, nem para tentar estabelecer um tipo de protetorado sobre o continente. Além disso, apreciava seus efeitos positivos como ter sido invocada para expulsar os franceses do México. Entretanto, não a vê como infalível e critica por exemplo que a Doutrina não tenha impedido que países europeus usassem a força para resolver pendências financeiras ou políticas com Repúblicas americanas, como a intervenção franco-hispano-inglesa no México em 1861, as repetidas demonstrações navais da Inglaterra na América Central e o bloqueio de Buenos Aires em 1845 pelas esquadras francesa e britânica. De modo geral, porém, estava convencido de que o que movia os Estados Unidos era o desejo de estabelecer um ambiente de mútua confiança no continente, capaz de propiciar uma expansão comercial “bem natural” e que seria proveitosa para todas as nações. Reconhecia uma atitude informada por “impressiva solidariedade política”, que inclusive estava em consonância com o projeto proposto pelo “animo generoso de Bolivar”. (LIMA, 1899, p. 381).