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DA EUROPA PARA O ORIENTE: LONDRES E TÓQUIO

3 A “ILUSÃO AMERICANA” VERSUS “A REALIDADE

3.3 DA EUROPA PARA O ORIENTE: LONDRES E TÓQUIO

Este clima de otimismo que o país vivia e que em grande medida contaminou a visão de Oliveira Lima foi abalado por uma mudança na Legação brasileira em Washington. Salvador de Mendonça foi removido para Lisboa e substituído por Assis Brasil, o que desagradou profundamente o primeiro secretário154. Dada a grande amizade que se havia formado entre Mendonça e Lima, já era possível antecipar a má vontade com o novo chefe seria recebido em Washington, onde chegou em junho de 1898. A relação entre os dois entrou para os anais do Itamaraty como uma das mais ruidosas divergências entre diplomatas de que se tem notícia e ajudou a dar a Oliveira Lima uma não merecida fama de insubordinado.

A verdade é que sempre se deu bem com todos seus chefes e colegas. A única exceção foi Assis Brasil, que forçou sua remoção de Washington. Segundo Lima, a origem do desentendimento foi o não comparecimento de Flora a um evento promovido pela esposa de Assis Brasil alegando motivos de saúde. Não acreditando nos motivos apresentados, a sra. Assis Brasil ofendeu-se e acabaram cessando as visitas e o convívio social entre as duas famílias. Posteriormente, Assis Brasil o comunicou por telegrama que havia solicitado ao Itamaraty a remoção de um dos dois em virtude da “incompatibilidade pessoal” entre as respectivas consortes. Lima classificou o episódio de “ridículo” e

154 Em uma série de 15 artigos no Jornal do Commercio, chamada Ajuste de contas, posteriormente publicada em livro, Salvador de Mendonça expressa que foi: “Obrigado a defender-me contra os assaltos tão violentos quão gratuitos de homens que me suppunhão morto, porque me cravarão fundo o punhal traiçoeiro, confesso todo o meu constrangimento em vir a publico para fallar em causa propria. Mas do animo nobre e generoso de meus concidadãos espero a escusa deste proceder, dictado pelas exigencias da defesa, em pleito que não se abrio por minha vontade”. (MENDONÇA, 1904, p. VI). Oliveira Lima guardou todos os artigos no seu SB5, OLL.

parecido a algo saído de alguma coleção de anedotas diplomáticas do século XVII. Realmente a briga acabou tornando-se célebre no anedotário diplomático o comentário do Visconde Cabo Frio de que a solução para o caso era “remover as senhoras”155. (LIMA, 1937, p. 137-138).

A real solução veio com a remoção dos Oliveira Lima para a legação brasileira em Londres, o que não foi bem visto por Assis Brasil, que a considerou mais um prêmio que um castigo. O episódio com as esposas pode até ter sido o estopim da crise, mas é óbvio que havia outros motivos por trás da mutua antipatia. Em contraste com a sincera admiração que nutria por Mendonça, sua opinião sobre o novo chefe era tudo menos lisonjeira. Para ele, “Assis Brasil não passa de um gaúcho presumido, preguiçoso e ambicioso.” E que, além de tudo, só pensava em ser Presidente da República. (LIMA, 1937, p. 168). No futuro avaliaria o período de Assis Brasil em Washington com não menos dureza:

[...] retrahido, bisonho, parvamente orgulhoso, sua missão não podia deixar de ser um fiasco. Não quero dizer que o Brasil com ella perdesse pois não teve aspectos vergonhosos, mas tampouco nada lucrou, sendo o mais apagado dos ministros aquelle que tanto aspirava a figurar de regulador dos destinos patrios [...]. (LIMA, 1937, p. 168). Em janeiro de 1900 Oliveira Lima partiu para Southampton para assumir o posto em Londres, onde serviria sob a chefia de Souza Corrêa. Lima se envaidecia de ter em pouco tempo conquistado a confiança do chefe que estava satisfeito de possuir um secretário em que pudesse confiar. (LIMA, 1986, p. 237). Souza Côrrea tinha muitas qualidades que o novo secretário apreciava. Foi antes de diplomata oficial da marinha e serviu Esquadra Britânica durante a Guerra da Crimeia, atuação pela qual recebeu uma medalhe que o distinguia em Londres. Porém, era a simpatia do Príncipe de Gales, de quem era amigo próximo, o que mais o distinguia no corpo diplomático e o fazia “popularíssimo” na sociedade de Londres . (LIMA, 1986, p. 193). Sem ser fidalgo de nascimento tinha tato e elegância e costumava tomar o chá das cinco com os colegas da Legação. Lima recordaria o breve período em Londres como “um dos melhores capítulos da minha vida diplomática” e Souza Corrêa como “o chefe com quem era mais agradável trabalhar156. A harmônica convivência entre os

155 A desavença com Assis Brasil, e sua aparente motivação, ficou conhecida fora do Itamaraty, uma nota em jornal da Filadélfia tinha o título Diplomats' wives wage war in Washington. Philadelphia Press, 7 jan. 1900. SB5, OLL.

156 LIMA, O. Diplomatas brasileiros I Souza Corrêa. O Estado de São Paulo. São Paulo, p. 1-1. 30 dez. 1905.

representantes brasileiros em Londres durou pouco. Em 23 de março Souza Corrêa morreu subitamente em sua casa. Com a morte do chefe Lima ficou interinamente chefiando a legação até sua partida157.

No pouco tempo que passou em Londres Lima dividia-se entre e a Legação e o Museu Britânico. O fruto do seu trabalho minucioso de coleta de documentos na instituição foi a Relação dos Manuscriptos portuguezes

e estrangeiros, de interesse para o Brazil, existentes no Museu Britannico de Londres158. (LIMA, 1903a). Foi também neste tempo que estreitou relações com Nabuco, que estavam em missão extraordinária para tratar da questão de limites com a Guiana Inglesa. Um grupo reduzido emulava os chás da roda da Livraria Garnier por iniciativa de Nabuco e foi assim que Lima aderiu aos hábitos e rituais dos acadêmicos mesmo antes de ser aceito oficialmente na ABL: “Estamos aqui com excelente roda, roubada à Revista e à Academia. Às cinco horas, reúnem-se em volta do bule do chá o Nabuco, Graça Aranha, Eduardo Prado e outros”. (Carta de Oliveira Lima a Machado de Assis, 19/9/1900 citado por MALATIAN, 1999). Era também costume seu após o fim do expediente ir em companhia de Nabuco recorrer antiquários e pequenos sebos londrinos. Jactava-se de ser quem passou a Nabuco o gosto pelos livros velhos a partir de então. (LIMA, 1986, p. 186).

157 Um dos pontos altos de sua carreira diplomática foi em 22 janeiro de 1901, quando presenciou os funerais da Rainha Victoria enquanto ocupava o cargo de Encarregado de Negócios. Ele compareceu aos eventos oficiais representando o governo brasileiro e Nabuco representava pessoalmente o Presidente Campos Salles. (LIMA, 1986, p. 247).

158 O objetivo de Lima foi ampliar e atualizar o trabalho já realizado por F.F. de la Figanière no Catalogo dos manuscriptos portugueses existentes no Museu Britannico, publicado em 1853. O mesmo no qual Varnhagen fez anotações uma década mais tarde. A sugestão foi de Eduardo Prado, que não podendo levar adiante a tarefa, confiou-a a Lima. Ainda que sem a pretensão de ser exaustiva, naquela momento a Relação representou “um enorme serviço para a pesquisa histórica brasileira”. (RODRIGUES, 1969, p. 84).

Figura 9 - A Legação brasileira em Londres (1901)

Fonte: Original na Oliveira Lima Library

Pessoal e profissionalmente foi um ótimo momento da sua vida, que relembrava com frequência na sua correspondência com Nabuco. Porém, uma promoção logo o levou para bem longe de Londres. Oliveira Lima foi promovido a Encarregado de Negócios no Japão em 31 de dezembro de 1900 com a missão de reativar a legação em Tóquio159. Apesar da promoção, a perspectiva de afastar-se novamente da Europa e dos seus arquivos e bibliotecas, adiando seus planos de seguir as pesquisas iniciadas, não o agradaram. Partia a contragosto e com saudades antecipadas do grupo de amigos brasileiros que havia formado e dos dias de trabalho no Museu Britânico. Além disso, era uma legação pequena em um lugar distante, o que lhe dava pouco prestígio. Também as incertezas do que lhe esperava beiravam o pavor, dado o desconhecido do Japão naquele momento e as fantasias que existiam acerca do país. Em carta a Joaquim Nabuco expressava seu horror a possibilidade de ele e a esposa ficarem “calvos e danados” e acrescenta:

Eu bem dizia que o Japão devia ser uma grande porcaria e bem começo a crer [...] que os estrangeiros que dizem maravilhas desse arquipélago são assalariados pelo Governo do

159 Notícia da nomeação para o Japão apareceu em TELEGRAMMAS. Rio. O Estado de São Paulo. São Paulo, p. 1-1. 09 jan. 1901.

Mikado e fazem obras de encomenda, preparatórias de empréstimos. Imaginem, terra de terremotos, beribéri & outras pestes, calvície repentina, hidrofobia, imundície, excessos de temperatura, etc., etc. Ai de nós! (GOUVÊA, 1976, p. 379). Já a bordo do navio seus receios começam a dissipar-se, bem impressionado com a limpeza e as boas condições que encontrou, além da pontualidade nas escalas realizadas em dez portos, de Gênova a Tóquio. A viagem de 40 dias permitiu que se dedicasse com afinco ao estudo da terra exótica que o aguardava. (LIMA, 1903b, p. 3). Gradualmente sua opinião sobre o país e seus habitantes vai mudando até transformar-se em simpatia e até admiração. A comparação da sua correspondência quando nomeado e as opiniões expressas no livro resultante da sua experiência no Japão demonstra que Lima era um intelectual dedicado e disposto a mudar de opinião. Mesmo dispondo apenas da ajuda da própria esposa Flora e do intérprete Wasaburo Otake para o serviço da legação ele entregou-se à tarefa de entender aquele país. (ABREU, 2008, p. 105). Além do excesso de trabalho de que se queixa nas cartas aos amigos, enfrentava a barreira cultural para penetrar naquela sociedade, chegando a afirmar que os estrangeiros no Japão gozavam a partir de 1890 de quase todas as liberdades perante a lei, mas seguiam sendo um conglomerado a parte, insolúvel socialmente.160 Lima esforçava-se por superar a barreira do idioma, talvez a maior de todas, através do contato com intelectuais estrangeiros no Japão e da leitura de obras sobre o país nos idiomas que dominava. Dentro do possível tentou também divulgar o Brasil, proferindo palestras em inglês161.

O resultado deste esforço de quase dois anos no Oriente foi o volume No Japão, Impressões da terra e da gente, publicado na sua volta ao Brasil, em 1903162. “A singularidade da obra de Oliveira Lima, um estudo sobre o espaço geográfico, a sociedade, a cultura e os aspectos

160 LIMA, Oliveira. Estrangeiros no Japão. O Estado de São Paulo. São Paulo, p. 1-1. 18 fev. 1905.

161 Uma delas foi no Getsu yo kai (Monday Club), um clube formado exclusivamente por mulheres japonesas, americanas e inglesas que reunia-se quinzenalmente para ouvir palestras sobre os mais variados temas. A palestra sobre o Brasil foi reproduzida no Jornal do Commercio em 10 de maio de 1902, assim como no Diario de Pernambuco. SB7, OLL.

162 A Editora Laemmert anunciava o livro: “Tudo quanto é permitido a um extrangeiro indagar e perscruta a vida intima de um povo, que se mostra ainda avesso e desconfiado á indiscrição alheia, o seu autor fez”. O Estado de São Paulo. São Paulo, p. 4-4. 12 dez. 1903.

sócio-políticos daquele país, reside no fato de ser o primeiro texto publicado por um brasileiro especificamente163 sobre o Japão”. (ABREU, 2008, p. 15). Neste segundo relato de viagem, já é possível traçar diferenças substanciais no pensamento de Oliveira Lima sobre temas importantes, como raça e o sentido da herança ibérica na formação do Brasil. Se em Nos Estados Unidos o racismo científico e os determinismos social e geográfico eram marcantes na sua explicação sobre o progresso dos Estados Unidos, No Japão já traz um determinismo bem mais brando, ainda que não abandone totalmente certas visões.

É importante ter em mente que o período pelo que passava o Japão na chegada dos Lima estava marcado pela mudança em vários âmbitos. A era Meiji (1867 - 1912) sinalizou a abertura do Japão ao mundo ocidental e foi um período crucial na história nacional. Foram anos de um processo de modernização acelerada que trazia profundas mudanças políticas, institucionais e sociais. Nesta conjuntura é que se insere o estabelecimento formal das relações com o Brasil e a instalação da representação diplomática brasileira em Tóquio em 1897, que agora Lima retomava. Assim, ele testemunhava a luta de um país que debatia-se entre a modernização e sua inserção no mundo e a manutenção das suas tradições.

O processo de “ocidentalização” japonês ao mesmo tempo representava uma defesa contra o imperialismo europeu e sentava as bases para a transformação do próprio país em uma potência com pretensões imperialistas. Lima reconhecia este potencial no Japão e observava atentamente esta transformação, tratando de enquadrá-la no seu esquema de pensamento. Ao contrário do que acontece em Nos Estados Unidos, em No Japão a chave de leitura não é a raça nem a herança cultural. Observando o Japão, ele encontra um caso em que não se aplicava a

163 Em 1897 foram nomeados para Kobe o cônsul Manuel Jacintho Ferreira da Cunha e o vice-cônsul Alcino Santos Silva, e para Yokohama, o cônsul Joaquim Ferraz Rego e o vice-cônsul Aluisio Azevedo. Ferreira da Cunha escreveu as Memórias de um cônsul no Japão, publicado em Nápoles em 1902, mas é uma obra que trata das suas experiências pessoais, como o título deixa prever. Houve ainda uma tentativa de Aluisio Azevedo, que começou a escrever um livro sobre o país que permaneceu incompleta e inédita até pouco tempo. (ABREU, 2008). O manuscrito inacabado esteve guardado no arquivo da biblioteca da ABL por anos até que durante sua gestão como secretário da Academia (entre 1923 e 1948), Fernando Nery fez a transcrição do manuscrito. Somente em 1984 ele veio finalmente à público, quando foi anotado e publicado por Luiz C. Dantas sob os auspícios da Fundação Japão. (ABREU, 2007). Em 2011 a FUNAG reeditou o livro. (AZEVEDO, 2011).

explicação de que era necessário o rompimento com o passado atrasado (a herança ibérica no caso do Brasil, o período Edo no caso do Japão) para modernizar-se e de que havia raças superiores destinadas ao self

government e, portanto, a imigração seria a chave para o progresso.

Um exemplo de como No Japão marca uma transição é que Lima afirma que “o Japão é mais do que um formosissimo espectaculo, de natureza e de arte, a ser admirado: é um bello exemplo, social e moral, a ser seguido pelos que d´elles carecem." (LIMA, 1903b, p. 1). Isso porém, não o impede de ao mesmo tempo posicionar-se ao lado do governo brasileiro para impor limites a imigração japonesa. Apesar de declarar-se um admirador do povo japonês, ele endossa a lógica oficial do plano de emigração e acha que o Brasil não perde muito com a escassa presença de japoneses entre seus imigrantes já que a fusão destas raças não seria positiva. Agrega ainda outras razões para as dificuldades do projeto de atração de imigrantes japoneses, como as grandes diferenças na cultura, língua e costumes, os métodos de cultivo atrasados dos japoneses e, em última instância, o fato de que eles eram inassimiláveis. Aponta também as dificuldades para os japoneses, que dificilmente se adaptariam aos hábitos brasileiros, especialmente à falta da mesma higiene e comida e com os baixos salários.164

164 LIMA, Oliveira. Immigração japoneza. O Estado de São Paulo. São Paulo, p. 1-1. 07 dez. 1905.

Figura 10 - Oliveira Lima em Tóquio (1901)

Fonte: Oliveira Lima Library

Sendo assim, No Japão, apesar de inicialmente parecer como um “desvio de rota” na obra de Oliveira Lima, cobra importância quando analisado em conjunto porque ajuda a iluminar o percurso percorrido pelo autor em um tema fundamental, que é o do papel da raça no desenvolvimento dos países. O tema é fundamental porque está na base da suas posições sobre o imperialismo de modo geral e impacta também suas visões sobre o imperialismo norte-americano expressado na forma da Doutrina Monroe. Para ele era clara a existência de raças mais aptas ao autogoverno e, portanto, as que não possuíam esta característica se beneficiariam da intervenção de potências estrangeiras. Não era de forma alguma um ingênuo, sabia e estava de acordo com que as potencias buscassem novos mercados para seus produtos, mas não via o imperialismo apenas como uma empresa econômica mas também humanitária. Algumas destas visões serão novamente desafiadas quando Oliveira Lima pela primeira vez pisa a América Hispânica, como se verá no próximo capítulo.

4 A OUTRA AMÉRICA: A DESCOBERTA DA AMÉRICA