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Foi durante o tempo de estudante na Escola Acadêmica que Oliveira Lima fundou o Correio do Brazil, Revista Mensal14, primeira publicação em que “ensaiou a pena" aos 14 anos. (LIMA, 1986, p. 14). A publicação estava orientada a informar sobre temas do seu país de origem e tinha forte ênfase nos assuntos históricos. O primeiro número saiu em 1 de maio de 1882 e o sumário contava com as secções Noticias do Brazil, Quadro Histórico e Perfis Brazileiros. As três apareciam assinadas pelo “proprietário e redator” Oliveira Lima, nome com que firmaria quase todos seus trabalhos desde então. As Noticias do Brazilvinham “De jornaes e cartas recebidos ultimamente” e das quais transcrevia o que julgava “digno de ser mencionado”15. É interessante observar que a publicação trazia pequenas notas sobre quase todas as províncias brasileiras, cobrindo os mais diversos temas, desde nomeações para

14 A publicação aparece na lista dos jornais e revistas portugueses publicados em Portugal no século XIX: Correio do Brazil, Lisboa, 1882-1885, 29 cm, proprietario e redator Oliveira Lima, Typ. Castro Irmão. (RAFAEL; SANTOS; BIBLIOTECA NACIONAL DE PORTUGAL, 1998a, p. 209).

15 LIMA, Oliveira. Noticias do Brazil. Correio do Brazil, Anno I, n.1, maio de 1882, p. 1-3. Original consultado na OLL.

cargos políticos e militares, notas de falecimento, inauguração de obras, assassinatos, situação meteorológica, eventos sociais e políticos, aprovação de leis e até informação sobre epidemias. O trabalho minucioso de coleta de dados para a publicação demonstra que o jovem estudante estava muito bem informado e conectado ao Brasil. Uma análise do conteúdo do primeiro número do Correio ajuda a lançar luz sobre os seus interesses de então. Os temas históricos preponderavam, sempre ligados ao Brasil, mas ele não deixava de registrar acontecimentos de Lisboa, como o centenário de Pombal, personagem que tinha uma evidente ligação com o Brasil. E também escrevia sobre temas mais mundanos que apreciava, como o teatro.

Figura 4 - Capa da primeira edição do Correio do Brazil (1882)

Fonte: Oliveira Lima Library

A seção Quadro Historico16 apresenta uma narrativa pomposa da epopeia do descobrimento do Brasil e da chegada de Pedro Alvares Cabral. Já na coluna Perfis Brazileiros, aparece um perfil de José

16 LIMA, Oliveira. Quadro Historico. Correio do Brazil, Anno I, n. 1, 1882, p. 3. Original consultado na OLL.

Bonifacio d´Andrada e Silva17. O número de lançamento do Correio do

Brazil continha ainda dois artigos, um sobre o Marquês do Pombal,

também assinado por Lima, e um sobre Sarah Bernardt, assinado por Noitibó, que muito provavelmente era um pseudônimo seu, já que não se conhece nenhum colaborador na primeira fase da publicação.

Lembrando que se aproximava o centenário “d’um dos homens mais ilustres de que viu nascer o pequeno, mas nobre reino de Portugal”, o Correio noticia a passagem de um cortejo organizado por estudantes portugueses em Lisboa para marcar a data. Já nos primeiros textos o jornalista estreante não se limitava a narrar fatos, mas expressava suas opiniões. Sobre o Marquês disse:

Não defendo o Marquez de Pombal dos seus instinctos crueis, do odio que ele votava á nobreza, ódio terrível e sem tréguas, derivado do desprezo e supremo desdém que lhe mostravam os fidalgos, mas desculpo-o considerando que todos os homens são imperfeitos e teem seus defeitos [...]18. No texto sobre Sarah Bernhardt já é possível antever o crítico mordaz. Lembrando a passagem da atriz por Lisboa, sua opinião sobre a audiência lisboeta foi dura. Considerava que estava formada por “mirones embasbacados e extasiados”, que “fizeram-lhe uma ovação delirante, não por apreciarem o seu talento, porque nem sabem distinguir o bom do mau, nem talvez sabem francez, mas para papaguear.”19

O Correio do Brazil teve no total seis números publicados em 1882 e um em 1883. (MACEDO, 1968, p. 33–36). Em 1885, aos 17 anos, Oliveira Lima retomaria o seu projeto editorial com a colaboração de um colega do Curso Superior de Letras de Lisboa, o maranhense Manoel Vilas Boas. (LIMA, 1986, p. 14; MIRANDA, 1957, p. 195). Juntos, publicaram mais sete números ao longo do ano. Nesta que seria a segunda e última fase do Correio do Brazil, os estudantes – agora universitários – expandiram as seções e já não eram os únicos redatores, passando a contar com a colaboração de vários dos seus professores.

Chama a atenção a qualidade do periódico nas suas duas fases. O cuidado na seleção e redação dos textos e a capacidade de organização de Oliveira Lima, que conseguiu desde os primeiros números ter alguns

17 LIMA, Oliveira. Sarah Bernhardt. Correio do Brazil, Anno I, n. 1, 1882, p. 4. Original consultado na OLL.

18 LIMA, Oliveira. O Marquez de Pombal. Correio do Brazil, Anno I, n. 1, 1882, p. 3-4. Original consultado na OLL.

19 LIMA, Oliveira. Sarah Bernhardt. Correio do Brazil, Anno I, n. 1, 1882, p. 3. Original consultado na OLL.

anunciantes, são notáveis. A pequena revista do jovem pernambucano mereceu inclusive ser mencionada20 no prestigioso Diccionario

Bibliographico Portuguez de Innocencio Francisco da Silva21. A publicação destacou o artigo já mencionado sobre o Marquês do Pombal. (SILVA; ARANHA, 1908, p. 109). O Correio também foi citado como fonte no verbete sobre João Alves Loureiro, o barão de Javary22.

Gouvêa (1976, p. 81) aponta ainda outro mérito do Correio do

Brazil. Segundo o autor, o texto da Secção Perfis Brazileiros23 (n. 4, 1882) pode ter sido a primeira biografia publicada de Joaquim Nabuco. Lima o havia conhecido pessoalmente no ano anterior, em um encontro que causou grande impacto no jornalista em formação24. Tocado pela homenagem, Nabuco agradeceu ao “botão de jornalista”:

20 Oliveira Lima ainda apareceria uma vez mais no Dicionario em 1893, desta vez em um perfil biográfico que destacava sua formação e dava uma descrição detalhada da sua colaboração na imprensa brasileira e portuguesa, além da notícia da publicação do seu primeiro livro. (SILVA; ARANHA, 1893, p. 282–283). Possível razão para que Oliveira Lima ainda tão jovem fosse citado tantas vezes na obra e que seus trabalhos fossem tão divulgados é que era amigo de Brito Aranha. Uma evidência da relação entre os dois é que o autor do Dicionário esteve presente no jantar íntimo de comemoração à entrada de Oliveira Lima na carreira diplomática em 1891. E Oliveira Lima inclusive enviou uma carta felicitando Brito Aranha pelo novo tomo publicado em maio de 1888, que foi publicado na seguinte edição. (SILVA; ARANHA, 1888, p. 430).

21 O Dicionário Bibliográfico Português tinha o objetivo de ser a continuação da Biblioteca Lusitana editada por Diogo Barbosa Machado e publicada em 1741 e 1758. Buscando ser uma obra de referência das obras publicadas em Portugal, o Dicionário era um projeto monumental do seu autor Innocencio Francisco da Silva, posteriormente continuado e ampliado por Brito Aranha. Daí os dois aparecerem como autores a partir do tomo X. A obra teve 23 volumes publicados entre 1858 e 1923.

22 Um trecho de um “artigo dedicado á sua memória, inserto no Correio do Brazil (folha publicada em Lisboa por um novel escriptor e estudante, sr. Oliveira Lima), n.° 1 do 2.° anno (março d'este anno, 1883)” é reproduzido. (SILVA; ARANHA, 1883, p. 147–148).

23 LIMA, Oliveira. Joaquim Nabuco. Correio do Brazil, Anno I, n. 4, 1882, p. 5- 6. Original consultado na OLL.

24 Em 1881 Nabuco estava de passagem por Lisboa e Lima acompanhou as gestões do seu cunhado Araújo Beltrão para que ele fosse recebido na Câmara dos Deputados Portuguesa. O jovem jornalista já era simpatizante da causa da abolição, assim como o cunhado, e sua admiração por Nabuco só cresceu após vê-lo pessoalmente. (GOUVÊA, 1976, p. 81).

Acham-me para político moço demais; o que dirão porém quando virem que o meu biógrafo é um jornalista da sua idade? O seu juízo a meu respeito é apenas uma tradução da sua simpatia. Mal sabia eu que, no menino que me dava todas as notícias da última hora, estava um botão de jornalista a desabrochar a toda pressa voltado para o sol da pátria! (Carta de Joaquim Nabuco a Oliveira Lima, 14/10/1882 citado em NABUCO; NABUCO, 1949, p. 75).

Na mesma carta Joaquim Nabuco ainda encoraja Lima: “Acho muito bem feita toda a parte noticiosa do periódico e se essa fosse desenvolvida e os intervalos da publicação certos e mais curtos, o seu jornal podia dar as últimas notícias do Brasil aos brasileiros na Europa”. Ainda que com falhas e sem a periodicidade necessária para ser considerado um periódico relevante, o Correio do Brazil representa o primeiro esforço sistematizado de um jovem já claramente inclinado à vida intelectual e merece crédito pelo trabalho meticuloso de definir temas, coletar dados e redigir textos sobre o país natal do outro lado do Atlântico. Lima não tinha ainda totalmente definido qual seria seu foco profissional, dividindo-se entre a crítica literária e de teatro e os estudos históricos, mas certamente o Correio era um indício de suas aptidões de jornalista e de uma carreira voltada para as humanidades. A escolha dos assuntos a tratar e o próprio nome da revista são também uma evidência da orientação das suas preocupações intelectuais. “Sente-se já, no Correio

do Brasil, não apenas o brasileirismo, como o pernambucanismo de

Oliveira Lima”. (SOBRINHO, 1971, p. 19).

2.3 O CURSO SUPERIOR DE LETRAS DE LISBOA 1884-1887: