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3 A “ILUSÃO AMERICANA” VERSUS “A REALIDADE

3.1 REPUBLICANISMO E AMERICANISMO: A INFLUÊNCIA DE

O jovem Oliveira Lima chegou em Washington em maio de 1896 após uma longa viagem rumo ao primeiro posto diplomático fora da Europa. Trazia ainda latente o fervor republicano da juventude e aos poucos meses da sua estadia na capital dos Estados Unidos publicou dois artigos na revista francesa Nouvelle Revue, que foram reunidos e publicados em separata para divulgação com o nome de Sept ans de

République au Brésil (LIMA, 1896b). O opúsculo de 38 páginas consiste

em um balanço dos primeiros anos da República e uma defesa do regime, especialmente frente ao público internacional.

Medeiros e Albuquerque (1896, p. 237) nota que as “pequenas injustiças” e “omissões involuntárias” do texto são “omissões de observador que estudou de longe uma terra sem imprensa, nem literatura”. Sua observação é muito atinada, já que Lima acompanhou com interesse,

porém sempre do exterior, os acontecimentos no Brasil e poderia perder certos detalhes e nuances do processo. Também é certo que Lima escrevia do e para estrangeiros, e daí possivelmente deriva o tom dominante do texto, de benevolência, apresentando “as coisas pelo seu melhor aspecto”. Afinal, o seu objetivo declarado era mesmo melhorar a imagem do regime no exterior.

Em Sept ans..., Lima renova sua profissão de fé republicana, posicionando-se como uma figura importante na defesa do regime pelo qual trabalhara desde a Proclamação e que agora buscava pintar com cores favoráveis. A imagem da República se via arranhada com a pecha da instabilidade e da violência repressiva e o jovem diplomata tratava de atenuar essa visão negativa, ao mesmo tempo em que tomava uma posição clara em um período crucial para a diplomacia brasileira, ainda reduto de monarquistas, mas que “republicanizava-se”. O texto servia assim, a um duplo propósito: era um meio para colocar-se definitivamente entre os republicanos fieis ao regime e para prestar um serviço à República.

Os primeiros anos da República brasileira não haviam sido tranquilos. Além dos ajustes institucionais necessários ao funcionamento do país, dos complicados acordos e negociações políticas que o sustentariam, o novo regime teve que enfrentar momentos que chegaram a colocar em risco a sua estabilidade, como a Revolução Federalista, a Revolta da Armada e a Guerra de Canudos. A ainda recente Abolição fazia sentir seus efeitos sobre a organização econômica e social do país, a inflação, o aumento do custo de vida, a desorganização e sensação de caos, além da violência que comumente acompanha períodos revolucionários causavam insatisfação em certos setores da população e davam munição para a propaganda anti-republicana de autores como Eduardo Prado95 e o Visconde de Ouro Preto. Neste sentido, Sept ans de

République au Brésil está em diálogo direto com as ideias de Prado,

funcionando como uma resposta republicana aos seus planos de Restauração.

Oliveira Lima (1896, p. 3) começa o texto enfaticamente, afirmando já na primeira linha que passados sete anos da proclamação da República a hipótese de uma restauração dinástica estava definitivamente descartada. Prossegue com otimismo, dizendo que as dificuldades

95 Para uma análise do pensamento de Eduardo Prado com relação à identidade nacional e o papel da monarquia nesta construção, e como isto se articula com sua reflexão sobre uma identidade europeia em contraposição a uma identidade americana ver ARMANI, 2005.

enfrentadas no início não fizeram mais que estimular o ardor dos partidários da república ao inspirar-lhes o entusiasmo pela sua defesa. Assim, considera que era o momento para oferecer esclarecimentos e toma para si a tarefa de explicar com imparcialidade as causas e o futuro do movimento, que na sua opinião foi acolhido com certa frieza pela Europa. Esta atitude, para ele, tinha duas causas principais. Por um lado a popularidade de que gozava a figura do Imperador Dom Pedro I e por outro a má impressão causada pelo exemplo de inconstância, prodigalidade e até loucura dado frequentemente pelas vizinhas ex- colônias espanholas.

O texto reserva um tratamento respeitoso para o Imperador deposto. As palavras elogiosas a Dom Pedro tinham, ademais de possivelmente um quinhão de admiração genuína que nunca arrefeceu, o intuito de reforçar seu argumento sobre a índole pacífica do Brasil, que o distanciava do mau exemplo das repúblicas hispano-americanas. Lima faz um esforço constante para diferenciar o Brasil e defende que exatamente pela sua passada organização monárquica e pelo caráter mais pacífico dos descendentes de portugueses é que o país havia podido disfrutar de quarenta anos de paz doméstica como Império e de uma transição tranquila à República. (LIMA, 1896, p. 4).

Não deixa de admitir que o Governo Provisório trazia inevitavelmente a marca da revolução e por isso só poderia ser militarista, mas ressalta que a maioria dos seus membros eram civis. Enfim, procura desconstruir a imagem de um regime fundado e mantido à base apenas da força, explicando que a força, a violência, as ideias, a fé e a apatia foram elementos combinados fortuitamente para derrubar um trono que não conseguiu criar raízes no solo republicano da América. (LIMA, 1896, p. 8).

Lima faz eco aos republicanos que se queixavam amargamente das conspirações maquiavélicas dos monarquistas, de uma hostilidade cega. Esta oposição implacável é que há tempos inundava a Europa com panfletos cruéis, falsos despachos e notícias para semear a inquietação no seio da nação. (LIMA, 1896, p. 16). Ao mesmo tempo, minimiza os efeitos práticos da oposição restauradora, que afirma não ter chegado a colocar em risco a sobrevivência do regime, mas causavam turbulências que atrapalhavam a atmosfera pacífica tão necessária a realização da obra colossal de reconstrução nacional. (LIMA, 1896, p. 18). Fustiga os opositores dizendo que jamais conseguiram formar um partido e que se dedicavam apenas a pôr em andamento uma campanha de descrédito e causar pequenos embaraços ao governo.

No seu balanço dos acontecimentos não nega que tenham sido cometido erros, mas julga superiores os avanços alcançados pelo regime e conclui que se a situação do Brasil não era perfeita passados sete anos da Proclamação, era certamente mais promissora do que a anterior. A situação econômica estava progredindo e todas as reformas realizadas pelo governo de Prudente de Morais tiveram êxito, dando esperanças aos brasileiros que deveriam ser compartilhadas pelos seus amigos no exterior. Sept ans... é claramente um libelo republicano, preocupado em angariar apoio e simpatia das potências europeias ainda reticentes sobre o regime implantado no Brasil. Pela sua natureza, trata com detalhe da política interna brasileira muito mais do que se dedica as suas relações exteriores. Ainda assim, toca em pelo menos um tema que faz o texto relevante para esta pesquisa: a Revolta da Armada96, ocorrida no Rio de Janeiro entre 1893 e 1894. O conflito se deu quando Floriano Peixoto, pressionado por oficiais da Marinha para que convocasse novas eleições presidenciais97, se recusou a deixar o cargo e mobilizou o exército contra os revoltosos com o apoio do Partido Republicano Paulista (PRP).

Pereira (2009) afirma que os monarquistas não participaram fisicamente dos embates, mas auxiliaram financeiramente os rebelados e concentravam em Eduardo Prado o papel de arrecadador de fundos no estrangeiro. O grupo soube aproveitar o momento de crise para fazer-se escutar e conseguir visibilidade para sua causa. Para o autor, houve uma supervalorização do caráter monarquista do movimento da Armada por parte de Floriano, que preferia atribuir a revolta aos interesses restauracionistas do que admitir o alto grau de fragmentação que existia nas Forças Armadas. Não é objetivo deste trabalho entrar em detalhes sobre as forças em conflito na Revolta da Armada. O que interessa é que o resultado da interpretação dada por Floriano. A tese de que havia ligação dos revoltosos da Marinha com a causa da restauração se tornou fundamental para a forma como o conflito foi visto no exterior e países

96 Também referida como a Segunda Revolta da Armada. A Primeira ocorreu em setembro de 1891 quando unidades da Marinha se sublevaram sob o comando do Almirante Custodio de Mello e ameaçaram bombardear o Rio de Janeiro. O resultado foi a renúncia do Marechal Deodoro da Fonseca apenas 9 meses após ter assumido a Presidência da República e a ascensão ao poder do seu vice Floriano Peixoto.

97 Os revoltosos baseavam sua reivindicação em artigo da Constituição de 1891 que ditava que se a presidência ficasse vaga antes do cumprimento de dois anos de mandato, novas eleições deveriam ser convocadas. Floriano argumentava que havia sido eleito pelo voto indireto e, portanto, o artigo não se aplicava.

estrangeiros jogaram um papel importante durante a revolta e no seu desfecho.

A primeira medida do governo florianista foi comunicar-se com seus representantes no exterior ao mesmo tempo em que reunia os representantes estrangeiros na capital para informar sobre a situação e angariar apoios para o que apresentava como a necessidade de defesa da República frente aos planos de restauração dos monarquistas. Mesmo contando com o apoio dos setores econômicos dominantes aglutinados no PRP e com o Exército ao seu lado, para definitivamente debelar a Revolta o governo precisava reequipar a esquadra brasileira, desfalcada pela Marinha rebelde e sem a qual era impossível defender totalmente o porto do Rio de Janeiro. Era necessário comprar navios no exterior com urgência. A compra foi realizada de forma particular, através do empresário e banqueiro americano Charles L. Flint, e despertou muitas críticas internas. A “Esquadra Flint” também ficou conhecida como “Esquadra de Papelão”, em alusão a má qualidade dos barcos. Outro fator de descontentamento foi que a tripulação era formada não por soldados mas por mercenários norte-americanos, os quais Joaquim Nabuco chamou de a “pior escoria de filibusteiros”. (PEREIRA, 2009, p. 129).

Com o agravamento das tensões entre o governo brasileiro e os rebeldes, os representantes de países europeus decidiram se pronunciar. Reuniram-se para discutir formas de proteger seu cidadãos em solo brasileiro, nem que fosse necessário o uso de uma “brigada internacional”. (PEREIRA, 2009, p. 119). Tanto a Marinha, através de seu líder Custodio de Melo, quanto Floriano, se sentiram ultrajados com esta ameaça de ingerência externa, mas a pressão funcionou. O ambiente de desconforto generalizado culminou com a assinatura de um acordo entre as partes em conflito e as potências europeias, que conseguiram o direito de proteger suas propriedades e nacionais.

A intervenção estrangeira direta ocorreu, porém, apenas quando o bloqueio ao porto do Rio de Janeiro imposto pelos rebeldes foi furado pelo contra-almirante norte-americano Benham. Desde o início da Revolta, o Presidente Groover Cleveland havia dado “apoio moral” ao governo de Floriano e acompanhava com interesse o desenrolar dos acontecimentos, sempre bem informado por Salvador de Mendonça.98 Com a ameaça de uma intervenção das potências europeias, identificadas por Mendonça como aliadas aos interesses dos monarquistas, o diplomata

98 Para uma descrição detalhada da atuação de Salvador de Mendonça na Revolta da Armada, incluindo a troca de telegramas entre ele e o governo Cleveland ver PEREIRA, 2009.

brasileiro invocou a Doutrina Monroe ao solicitar apoio mais direto dos Estados Unidos. Relembrando o relacionamento “especial” entre os dois países desde 1889, ele procurou convencer Cleveland afirmando que mantendo-se neutros, os Estados Unidos abririam caminho para possíveis projetos restauradores da Monarquia no Brasil e para o fortalecimento da Inglaterra. (PEREIRA, 2009). Mendonça conseguiu seu intento e o governo norte-americano emitiu ordens para que Benham não reconhecesse o bloqueio imposto pelos revoltosos e lhe concedeu permissão para rompê-lo com uso da força, se necessário. Assim, o navio com bandeira dos Estados Unidos reagiu ao bloqueio com tiros e disposição para o combate, efetivamente abrindo caminho para desembarcar no Rio de Janeiro.

A nova Esquadra nesse meio tempo chegou ao Rio de Janeiro, ao mesmo tempo em que as provisões e munição dos revoltosos minguavam. Finalmente, em 11 de março de 1894 termina-se por assinar a proposta de rendição. A Revolta teve importantes efeitos interna e externamente. No plano interno, os republicanos paulistas saíram fortalecidos e seu peso político se viu convertido na eleição de Prudente de Morais, o primeiro presidente civil, além de um terço do Senado e a totalidade da Câmara dos Deputados. (PEREIRA, 2009, p. 133). No plano externo, a intervenção dos Estados Unidos marca uma inflexão no processo de aproximação entre os países que vinha se intensificando desde 1889.

A atuação do almirante norte-americano agregou mais um elemento ao já intrincado conflito de interesses existente no Brasil. Não apenas tratava-se de um embate entre a manutenção da República e a Restauração da Monarquia, mas também entre os aliados estrangeiros das duas causas, representados pelos Estados Unidos e pelas potências europeias, respectivamente. Neste cenário, a mobilização da Doutrina Monroe por Salvador de Mendonça para embasar seu pedido de auxílio aos Estados Unidos, pôs mais fogo na discussão sobre a violação da soberania brasileira. Joaquim Nabuco, obviamente, condenava a intervenção e lhe dava todo o crédito pela vitória governista no conflito99. Mas não houve consenso nem entre quem estava do mesmo lado. Rui Barbosa, ainda que defensor da República, não apoiava a intervenção, que considerava um perigoso precedente, e expressou suas reservas quanto ao

99 Nabuco (2003) tratou do tema em vários artigos na imprensa que depois reuniu no volume A intervenção estrangeira durante a revolta de 1893. Na obra defende que a intervenção estrangeira foi um dos principais elementos para a vitória alcançada pelo Marechal Floriano Peixoto.

monroísmo. Já Oliveira Lima (1896, p. 35) em Sept ans... defende e justifica a intervenção na Revolta, mas, respondendo a Nabuco, busca exaltar o papel importante do governo brasileiro no episódio e não dá à intervenção norte-americana um peso decisivo no resultado no resultado final do conflito.

O diálogo com Nabuco é constante no texto e deixa claro o antagonismo das suas posições sobre o sistema de governo. O líder da causa abolicionista é caracterizado por Lima como um “simples boneco” que obedecia a sugestão de uma “camarilha de maníacos e ambiciosos”. (LIMA, 1896, p. 34). Não deixa de ser interessante que no futuro o tema do papel dos Estados Unidos no continente voltaria a enfrentar os dois pernambucanos, mas desta vez, as opiniões se inverteriam, como vou evidenciar nos capítulos seguintes.

Apesar de estar em trincheiras opostas, a admiração de Lima por Nabuco e até a boa relação entre os dois se mantinha. Lima inclusive enviou uma cópia dos artigos da Nouvelle Revue a Nabuco (carta de Joaquim Nabuco a Oliveira Lima, 28/11/1896 citada por BORGES, 2007, p. 86), que agradeceu e acrescentou:

Infelizmente o seu espírito sofre do mal oposto ao que me atacou, o seu otimismo é tão doentio como o meu pessimismo, ainda que sua doença seja mais alegre e divertida do que a minha. A república é a liquidação nacional. O mais que os republicanos podem dizer é que a decadência irremediável em que entramos, tão irremediável como a do Peru ou da Espanha não é uma questão de instrução, mas de raça. Isto talvez eu admitisse, acrescentando porém, que as instituições influem também, a monarquia como freio e a república como impulsor.

Lima dá sequência ao intercâmbio epistolar, lamentando que homens do valor de Nabuco estivessem afastados da política100 e assevera que ele seria muito útil à pátria se aceitasse o fato consumado que era a República e se dispusesse a prestar seus serviços. Reafirmava também o seu otimismo: “Confio, contudo, no futuro do nosso Brasil, posto que não

100 Desde a Proclamação Nabuco se havia retirado da vida pública: “Como vê, encerrei-me politicamente, ha já seis annos, em uma espécie de archivo, a recolher em livros, em documentos, em retratos, em tradições quasi desconhecidas hoje, os traços da original, delicada e a alguns respeitos ideal civilisação em que pôde florescer por tanto tempo a única monarchia da America”. (NABUCO, 1895, p. 6).

adivinhe a direção e condições de sua evolução q. apenas se anuncia. Do que padecemos é de atraso moral, intelectual, político e material”. (Carta de Oliveira Lima a Joaquim Nabuco, 19/01/ 1897 citada em GOUVEA, 1971, p. 293-294). Na mesma carta, afirma que os Estados Unidos eram um belo exemplo a seguir em muitos pontos. Poucos meses depois da chegada a Washington, Lima já esboçava algumas observações sobre o país e declarava que tinha planos de, finda sua missão, organizar estas impressões em um volume que inclusive já tinha em preparação. Não termina sem antes afirmar que estava seguro de que o volume mereceria a aprovação de Nabuco que “conhece este meio e o aprecia em sua formosa inteligência”. (Carta de Oliveira Lima a Joaquim Nabuco, 19/01/ 1897 citada em GOUVEA, 1971, p. 293-294).

A atuação de Salvador de Mendonça durante a Revolta da Armada foi de suma importância e ele conseguiu imprimir sua visão durante as negociações com os Estados Unidos, contribuindo decididamente para a resolução do conflito. Recordando o episódio, Lima (1937, p. 145) diz que Mendonça foi “todo florianista” e que pela sua compreensão apurada da situação “foi no estrangeiro o melhor agente da legalidade”. O papel de Mendonça para a sobrevivência mesma do regime era claro para Oliveira Lima e no sentido obituário publicado quando faleceu o ex-chefe e intitulado provocativamente Ingratidão política101 perguntava “o que teria sido da ditadura do Marechal Floriano, o que teria sido da própria república se o Governo de Washington reconhecesse a beligerância dos revoltosos da armada, como esteve [a isso] disposto [...]” a fazer? Reconhecia aí o papel de Mendonça e do governo norte-americano como decisivos para o final do conflito e a sobrevivência do regime. Republicano histórico, Mendonça foi uma influência fundamental para Oliveira Lima, especialmente na visão favorável que constrói sobre os Estados Unidos e que se intensifica na sua primeira estada no país.

O tempo servindo sob sua chefia é recordado por Lima como dos mais agradáveis de sua vida. (LIMA, 1937, p. 154). Considerava Mendonça um dos homens mais inteligentes que havia conhecido e elogiava seu “faro diplomático” e “encanto no trato pessoal”, qualidades que reputava determinantes para o prestígio que construiu na sociedade política americana, prestigio aliás, jamais igualado por nenhum

101 LIMA, O. Ingratidão política. O Estado de São Paulo. São Paulo, p. 3-3. 28 dez. 1913.

representante brasileiro102. Nesta escala elaborada por Lima, Nabuco viria em um honroso segundo lugar. (LIMA, 1937, p. 145). Um pequeno comentário sobre essa a primeira vista “opinião” de Lima. Primeiro, como se revela um dos traços “ quixotescos” de sua personalidade para seguir a analogia de Gilberto Freyre, tratando sempre de exaltar figuras de valor que lhe pareciam injustamente esquecidas103. Para Lima, os serviços prestados por Mendonça foram minguados ou simplesmente silenciados e ele ainda sofreu uma campanha de descrédito na imprensa brasileira por conta do Tratado Blaine – Mendonça. (LIMA, 1986, p. 150). E segundo, sua quase obsessão com a figura de Joaquim Nabuco, que passou de ser objeto de uma admiração fervorosa na juventude e amigo respeitado a alvo constante de críticas na maturidade104. A comparação com o conterrâneo aparece com frequência, quase sempre desfavoravelmente para Nabuco.

102 Oliveira não chegava a concordar com os que diziam que um diplomata que dispusesse de um bom cozinheiro fait la pluie et le bons temps, mas acreditava que bons jantares auxiliavam na atividade diplomática. Os organizados pelo chefe em Washington preparados pela “optima cozinheira suissa” que sempre “sabia como lisonjear o paladar dos americanos” eram relembrados com nostalgia, recordações de um tempo em que Washington e sua sociedade ainda não tinham “vulgarizado-se”. (LIMA, 1986, p. 162). Os jantares de Salvador de Mendonça realmente apareciam com frequência na imprensa norte-americana. Apenas no New York Times, foram mencionados tres vezes em um mês (03/01/1897, 23/01/1897, e 04/02/1898).

103 Afirmava que “todos os povos soem ser ingratos para com seus homens publicos: raras são as excepções.” (LIMA, 1937, p. 151). As Memórias são seu derradeiro esforço de correção dessas ingratidões, onde ele faz um claro esforço de esclarecimento sobre pessoas e fatos, querendo dar a sua exata medida. Uma interpretação possível é que se identificava com esses homens que sob o seu ponto de vista haviam sido injustiçados e por isso trata de deixar sua versão dos fatos e aproveitar para salvar algumas reputações. Sua função de memorialista parece ser um traço da sua personalidade porque muito antes de escrever suas Memórias já costumava dedicar artigos ao mesmo fim, o de elevar reputações ao seu “verdadeiro” patamar e corrigir injustiças. Alguns exemplos são o Barão de Penedo, Carlos de Laet, Barão de Jaceguay e o próprio Salvador de Mendonça. 104 Na comparação entre Nabuco e Mendonça não deixava de mencionar os altos gastos de representação da gestão de Nabuco. Estes foram tão altos que chegaram a alarmar até o Barão do Rio Branco “cuja virtude não era certamente a