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A TRANSFERÊNCIA PARA BERLIM: NASCEM AS PRIMEIRAS

O jovem casal não permaneceu por muito tempo em Portugal. Por conta da animosidade entre o conde de Valbom, Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, e Araújo Beltrão, recém nomeado pela República Primeiro Ministro na Legação brasileira em Lisboa, Beltrão

terminou removido para Berna e Lima enviado à legação em Berlim, para onde partiu em junho de 189288.

Permaneceu no posto até 1895, trabalhando sob as ordens do Barão de Itajubá, a quem não poupava elogios. Um “mestre amigo”, que se impunha “pela sua própria correção” e que era um “funcionário excellente”, o “equilíbrio intelectual e moral em pessoa.” (LIMA, 1986, p. 102). O método de trabalho (regular, metódico e pontual) de Itajubá agradava Oliveira Lima, “o espirito de ordem” os unia e fomentava um bom ambiente de trabalho. O secretário admirava e apreciava servir ao chefe, que lhe correspondia a estima e inclusive o aconselhava a “ser mais mundano e menos literato” e a apreciar mais a vida em sociedade. (LIMA, 1986, p. 104). Sem atritos e proveitosa era a vida na legação e o recém- casado Lima foi muito produtivo neste período, concluindo seus dois primeiros livros Pernambuco, seu desenvolvimento histórico (LIMA, 1895) e Aspectos da litteratura colonial brazileira (LIMA, 1896a). Também nesta época viajou a Bélgica, Holanda, Áustria, Suíça e Itália de onde não deixava de enviar artigos para o Jornal do Recife89

Acompanhava com atenção a política local, para ele a Alemanha de então era o “sól do systema planetário europeu, era a grande potência modelada pelo gênio de Bismarck.” Estava feliz podendo admirar os bailes de corte que tinham “tom de esplendor”, os abundantes teatros, o “inesquecível espectaculo das revistas militares.” Enfim, esta Alemanha que representava eficiência e grandeza, uma combinação maravilhosa de força inteligente, disciplina, progresso social e conforto, que ele reputava incomparável e superior a qualquer outro país. (LIMA, 1986, p. 105).

No seu primeiro livro Pernambuco, seu desenvolvimento histórico, publicado em 1895, Oliveira Lima dava vazão ao que Lima Sobrinho (1971, p. 24) considera “as duas forças máximas da sua vida, o sentimento brasileiro e o culto a Pernambuco, que crescera com o recente casamento com D. Flora Cavalcanti, ornamento da aristocracia local, pela importância e ligações da sua família.” Cabe uma reflexão sobre a

88 Segundo nota no Correio da Manhã de Lisboa (folha lisboeta dirigida por Pinheiro Chagas) de 2 de junho, o casal Oliveira Lima partiria em 28 do mesmo mês no navio Thames. O jornal se despede “com saudade d´este inteligente e sympathico rapaz, que pelo seu talento, pelas suas aptidões de escriptor e pela sua seriedade, honrava como poucos a comunidade brazileira em Lisboa”. SB4, OLL. 89 No Jornal do Recife (Nos. 211 e 212, 1892) publica impressões de viagem sobre a Bélgica e a Holanda e em 1894 inicia no mesmo jornal a série Crônicas da Europa, com textos escritos em Berlim. Segundo nota manuscrita de Oliveira Lima, essa colaboração foi realizada gratuitamente. Pré-Scrapbook, OLL.

afirmação de Lima Sobrinho. É fora de dúvida que Lima desde jovem interessou-se pelos assuntos do Brasil e de Pernambuco especialmente, conforme suas atividades desde a fundação do Correio do Brazil atestam. Havia com certeza um forte elemento sentimental nestas escolhas, reforçado com os laços estabelecidos através do casamento com Flora, e um importante elemento político, já que eram nesses interesses e realizações que ele se baseava para defender-se das acusações de “estrangeiro”. Porém, não se pode perder de vista que por mais que tenha sido criado no ambiente mais pernambucanamente português que se pudesse criar, sua formação foi a de um jovem abastado da elite europeia que lhe deu um filtro através do qual analisava o Brasil e seus processos. Por mais que seu coração fosse pernambucano, suas ideias eram definitivamente europeias.

Seu livro de estreia se baseava em extensa pesquisa documental90 iniciada ainda em Lisboa para “montar um quadro geral da evolução política e social do estado nos últimos quatro séculos”. (LIMA, 1895, p. V). O próprio autor afirma que não estava utilizando fontes inéditas e nem estava apresentando novos fatos, a novidade da obra estava em realizar um esforço de sistematização nunca antes realizado para a história de Pernambuco. Para a historiografia brasileira o livro foi um marco para o campo da História Regional. Para Oliveira Lima significou a confirmação de que poderia ser de fato um intelectual relevante no seu país e lhe valeu a indicação para membro do IHGB, onde tomou posse no mesmo ano91.

A segunda obra não tardou em sair. Desta vez porém, voltou a um dos seus temas preferidos da juventude, a literatura. Aspectos da

literatura colonial brasileira foi publicado também em Leipzig em 1896

e anunciava ser a introdução de uma obra em preparação sobre o Romantismo no Brasil. (LIMA, 1896a). Esta obra nunca se concretizou92

90 Um dos que o ajudaram a coligir documentos foi Rio Branco, que na época ainda era cônsul em Liverpool e através de cartas lhe enviava documentos e retratos. (FORSTER, 2011, p. 167).

91 Considerado uma “notável monografia” do escritor estreante “que se revela nesse primoroso trabalho um escriptor de raça pelos dotes do seu espirito e pelas brilhantes qualidades do seu estylo.” HYGINO, José. Pernambuco, seu desenvolvimento histórico, por M. de Oliveira Lima. Revista Brazileira, n. 1, 1895. p. 387-390. SB4, OLL.

92 Oliveira Lima chega a mencionar que estava escrevendo uma História do Romantismo Brasileiro, que seria a continuação de Aspectos da literatura colonial, antes mesmo da publicação deste último, em um requerimento datado

mas Aspectos... teve boa aceitação da crítica. Alguns capítulos haviam sido publicados antes na Revista Brazileira e José Veríssimo (1976, p. 144) o saudou como “um verdadeiro livro”, apontando no entanto um grave defeito, que era o de possuir partes escusadas e alongamentos inúteis. Também discorda da escolha de alguns autores incluídos no livro, mas afirma que as falhas em geral são mais de composição que de conteúdo. Seu veredito final é que o jovem tinha tudo para ser um mestre das letras nacionais e suas duas obras já publicadas eram a prova disso.

Finda sua missão em Berlim, Oliveira Lima solicita uma licença para ir ao Brasil, passando por Portugal para visitar a mãe já idosa. Em Pernambuco, conhece e começa a amizade com o governador Barbosa Lima, “o mais inteligente e activo de quantos na republica tem presidido os deus destinos.” (LIMA, 1986, p. 105). Barbosa Lima se converte em um aliado leal e que teria um papel importante no futuro da carreira de Lima ao defendê-lo sempre na imprensa ou na tribuna da Câmara93. Desejoso de aproveitar o talento do conterrâneo, o governador oferece um cargo no Instituto Benjamim Constant do Recife, para que Lima fosse o responsável pela cadeira de Literatura. A permanência em Pernambuco poderia levar também a sua entrada para a política local, mas ele recusa, resistindo à tentação política “que mais ou menos todos nutrem” e prefere continuar na carreira diplomática. (LIMA, 1986, p. 108). A boa acolhida do Ministro de Relações Exteriores Carlos de Carvalho, que o promoveu a primeiro secretário nos Estados Unidos contribuiu para a decisão. A notícia da nomeação lhe havia chegado a caminho de Pernambuco, quando fazia escala na Bahia. (WILLIAMS, 1969). Carvalho ainda ajudou no estabelecimento de outra relação importante para Lima. A amizade com Machado de Assis foi iniciada neste tempo, embalada pelos elogios feitos pelo Ministro a Machado sobre o jovem diplomata.

O período no Rio foi ainda importante para estreitar laços com figuras importantes da intelectualidade local. Não se pode perder de vista que esta era apenas a segunda vez que Lima estava no Rio de Janeiro. Ele finalmente pôde disfrutar um pouco do ambiente intelectual da época,

do Rio de Janeiro em 21 de agosto de 1895, em que solicitava a extensão da licença que estava gozando. (original no AHI, citado por GOUVEA, 1971, p. 271).

93 Oliveira Lima retribuía a lealdade estritamente. Nas Memórias chega a relevar o fato de Barbosa ter sido capaz de “violências officiaes como o fuzilamento do Sargento Sylvino de Macedo, agitador de profissão” porque “Barbosa Lima era comtudo incapaz de mandar verter o sangue do seu semelhante por um desforço pessoal”. O grifo é do autor. (LIMA, 1986, p. 107).

frequentando a Livraria Laemmert, onde encontrava Machado de Assis, José Verissimo, Rodrigo Octavio, Graça Aranha, Tobias e Barreto e outros. (LIMA, 1986, p. 110). Aproximava-se assim do grupo da Revista

Brazileira, o mesmo que mais tarde fundaria a Academia Brasileira de

Letras, e firmava seu nome como intelectual no Brasil. Um bom indício do prestígio que conquistou foi o convite para ser o correspondente do

Jornal do Brasil em Lisboa, recebido nesta época. Além disso, foi

incumbido de fazer o convite para que Teophilo Braga e Oliveira Martins também colaborassem no novo jornal assim que chegasse a Lisboa94.

94 Lima foi contratado por 100$000 francos mensais por Sousa Dantas, que opinava que “para o de que foi incumbido, o Oliveira Lima é excelente; conheço- o pelo que de igual faz para o Jornal do Recife”. Carta de Rodolfo Epifânio de Sousa Dantas ao Barão do Rio Branco, 25/01/1891. (“A criação do Jornal do Brasil”, 2004, p. 258–262).

3 A “ILUSÃO AMERICANA” VERSUS “A REALIDADE