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3 A “ILUSÃO AMERICANA” VERSUS “A REALIDADE

3.2 IMPRESÕES DOS ESTADOS UNIDOS (1896-1900)

3.2.1 O “problema negro”

O primeiro capítulo é dedicado a situação dos negros nos Estados Unidos, um tema especialmente relevante para o Brasil, que pouco mais de uma década depois da Abolição ainda debatia o futuro social desta população. O diagnóstico de Oliveira Lima após observar o país e realizar viagens por diversos estados era de que “o negro na América é incontestavelmente um mal, da mesma forma que foi a escravidão uma peste social”. A evidência incontestável para sua afirmação encontrava no Sul, onde a decadência perdurava desde a Guerra de Secessão, apesar dos esforços e da grande capacidade de trabalho da raça branca, especialmente dos Nortistas, e da opulência natural do solo. (LIMA, 1899a, p. 19). O cenário de desolação que presenciou nesta região o tocou profundamente e incentivou a comparação com o nordeste brasileiro. Ambas a regiões sofriam do mesmo mal: um solo fértil mas com falta de braços competentes para cultivá-lo. Para o pernambucano, a causa estava muito clara: com o fim do uso da mão de obra escrava, a falta de imigrantes brancos na região era o que estava produzindo “a estagnação, para não dizer com mais verdade a decadência e a miséria”. (LIMA, 1899, p. 20).

Lima afirma que não desejava “ser injusto com a raça africana”, a qual reconhece que em dado momento “foi de certo proveitosa e talvez indispensável”. (LIMA, 1899, p. 21). Ele não nega que tanto no Brasil, como nos Estados Unidos, a mão de obra escrava ajudou a fomentar a prosperidade agrícola, mas aponta a diferença na instituição da escravidão nos dois países. Para ele, nos Estados Unidos “a sorte dos trabalhadores era infinitamente peor do que no Brazil, mercê da superior disposição ao affecto da raça latina e do seu menor desprezo pelas raças inferiores”. Enquanto no Brasil havia certa benevolência com os escravos, na sua

absoluta o afetou profundamente, o encheu de medo e abateu seu espírito de jovem.

opinião na América do Norte o tratamento recebido “chegava simplesmente a barbárie”. (LIMA, 1899, p. 21). Um exemplo é que os laços do casamento não eram respeitados, impedindo a constituição de famílias e portanto impedindo que se promovesse uma melhoria na moral da raça negra. Para ilustrar o caso, cita os escravos personagens do famoso romance A cabana do Pai Tomás. Outra diferença arrolada por Lima e que reforça a ideia de um sistema mais benevolente no Brasil é que enquanto o medo de uma insurreição era constante entre os fazendeiros norte-americanos, no Brasil isso nunca os inquietou muito. No mesmo sentido afirma ainda que “a vida folgada e desannuviada das plantações foi mesmo o que permitiu entre nós a apparição e expansão das idéas liberaes”. (LIMA, 1899, p. 22).

Sem defender a escravidão, sempre havia sido um defensor de um modelo econômico, político e, especialmente, social, representado pela elite açucareira do nordeste. Possivelmente essa seja a raiz do alto grau de identificação com um aristocracia rural em crise. E embora pinte um quadro de maior brutalidade do sistema escravocrata dos Estados Unidos, não faz críticas diretas aos fazendeiros sulistas nem aos líderes da Confederação. Apoiando-se em Edward Ingle (1896), afirma que muitos dos que pegaram em armas na Guerra de Secessão, incluindo o General Lee, o fizeram mais por sentimentos de honra e patriotismo local que pela defesa pura da instituição da escravidão, já que estavam intimamente convencidos da sua “perniciosa influencia”. (LIMA, 1899, p. 23).

Notava que a situação era um pouco melhor nos estados que haviam lutado contra a escravidão, nos quais devido ao seu altruísmo cristão dedicavam-se a “bela tarefa de regeneração do negro”, especialmente através da criação de escolas geralmente denominacionais. (LIMA, 1899, p. 28). Nos estados do Norte os sentimentos de filantropia falavam mais forte que os preconceitos de cor, e observava que em Nova York era permitido o acesso dos negros nos bondes, nos melhores restaurantes e seus filhos podiam até ser admitidos nas escolas dos brancos. Sabia que isso não significava integração racial, porém, porque “a discórdia entre brancos e negros pode apagar-se: o que não pode desapparecer é a aversão das raças.” (LIMA, 1899, p. 27). Observa que “a civilização não significa porem igualdade, a educação não traduz posição social, nem a moralidade traz como consequência forçada a amalgama domestica”. (LIMA, 1899, p. 28). Sobre as diferenças no tratamento dos negros entre os estados, percebia que estes eram mantidos afastados das famílias brancas, dos cargos na administração pública e de lugares de mais projeção social, onde a população negra era reduzida e “não offerece ameaça alguma”. Ressalva no entanto, que nos estados com

maior concentração populacional, era mais complicado manter o afastamento e por isso compreendia que o preconceito aí se conservasse “inquebrantável”. (LIMA, 1899, p. 29).

Analisando o país como um todo, avaliava que a situação no Sul era pior que a no Norte devido ao excesso de pessoas de cor, resultando num “retrocesso visível”. O quadro só não era pior devido a sua índole passiva e porque os brancos tem oferecido resistência a qualquer sombra de nivelamento. Com isso concluía que a regeneração, tanto do Sul dos Estados Unidos como do Norte do Brasil, só poderia realizar-se completamente substituindo os negros pelos brancos, “diluindo a raça de côr” na população de origem europeia. (LIMA, 1899, p. 42). Com a diluição dos negros também se evitaria que algum dia pensassem em agregar-se em um elemento social e mesmo político “raivoso e perigoso”. (LIMA, 1899, p. 52).

Neste sentido, Lima mostrava-se otimista porque “as estatísticas rezam” que a predominância da população negra no Sul estava em vias de reversão com o afluxo progressivo de imigrantes europeus. (LIMA, 1899, p. 29). Os imigrantes eram indispensáveis já que os negros até poderiam oferecer “qualidades preciosas pela sua obediência e rija musculatura” se dirigidos pelo branco, mas para a vida agrícola independente não possuíam requisitos suficientes. (LIMA, 1899, p. 29- 30). Apoia-se em Van de Graff (1896) para explicar porque o sistema de meação que se tentou estabelecer no Sul não vingou após a Abolição137. O negro “salienta-se pela indolência e negligencia com que executa o serviço”, usa técnicas atrasadas e rotineiras e não sabe administrar a terra, vivendo na miséria porque gasta tudo que ganha e termina endividado. É por essa razão que os low land states – Mississipi, Georgia, Alabama, Flórida – davam “uma impressão de tristeza” quando comparados aos estados mais ao norte. Então, “com tal espectaculo diante dos olhos é bem explicável o desprezo do Americano pela raça africana”. (LIMA, 1899a, p. 31).

Para Lima, dada a inexistência de uma “questão índia”138, a “questão negra” era o grande perigo a estabilidade e ao progresso dos

137 Van der Graff (1859-1923) estudou Direito, foi advogado, juiz e professor no seu estado natal do Alabama. Preocupado com a situação do sul dos Estados Unidos e o papel da população negra para a decadência da região, escreveu ainda sobre o assunto o panfleto The redistribution of the American Negro (VAN DE GRAFF, [1921?]).

138 Não existe uma questão índia porque os selvagens vivem acantonados em suas reservas em número reduzido e “das contendas públicas só conhecem o whiskey

Estados Unidos. A existência desta população em número igual e até maior que os brancos em alguns estados fazia a questão ainda mais relevante. Este legado da Guerra de Secessão era um problema que o fazia questionar que papel atribuir aos cidadãos negros em uma sociedade livre e democrática. Após uma explicação detalhada do sistema eleitoral nos Estados Unidos e denúncia das fraudes constantes nos Estados do Sul, conclui que o principal erro dos legisladores norte-americanos foi a concessão de direitos políticos aos ex-escravos.

Não acreditava que o negro merecesse desprezo e embora fosse “certamente uma raça inferior” que lutava contra o meio e contra traços hereditários, acreditava que não eram uma população totalmente inútil. Reconhecia que os negros haviam dado mostras de que seu espírito era passível de educação e que poderia progredir, desde que lhe fossem fornecidos os princípios corretos. Ou seja “uma profissão manual e uma boa instrução elementar. O braço e não a cabeça é que precisa ser ensinado.” (LIMA, 1899, p. 47). A questão da educação dos negros nos Estados Unidos foi uma preocupação constante desde sua chegada e por isso procurou observar e informar-se sobre os resultados das ações para “civilização da raça africana” postas em prática. Lima declara que bem sabia “que o negro é isoladamente capaz de cultivo e de superioridade”, mas foi a experiência nos Estados Unidos que o convenceu que coletivamente também “o negro é merecedor de attenção e susceptível de adiantamento, si dirigido pelo branco.” (LIMA, 1899, p. 49).

Comparando com o cenário do Brasil, observa que nos Estados Unidos brancos e negros se mantiveram incomparavelmente mais afastados “no terreno physiologico”, porém no sentido intelectual aproximaram-se mais, dotando essa população com recursos da ciência e da indústria. Estava impressionado com o progresso alcançado pelos negros norte-americanos nos últimos anos, que alcançavam um “grão de civilização compatível com a sua mentalildade”. Esta adiantamento era a prova de como “lucram nas mãos do Inglez as próprias raças inferiores”. (LIMA, 1899, p. 34). Os Estados Unidos, como descendentes de ingleses, foram capazes de converter o Africano “senão n´um produto novo, pelo menos n´uma creação melhorada”. (LIMA, 1899, p. 34). Lima utiliza dados oficiais do Departamento de Educação dos Estados Unidos para fazer um mapa das instituições de ensino existentes e da inserção de

e os cobertores que lhes fornecem os contrabandistas e os commissionados do governo.” Os indígenas eram “creaturas fatalistas e taciturnas” que obrigavam os settlers que lutavam pela vida material e enxot-a´los do caminho do progesso. (LIMA, 1899a, p. 31).

alunos negros no no sistema. Animado pelos bons resultados alcançados, notava que “crianças negras testemunham até maior aproveitamento nas escolas publicas do que as brancas”. (LIMA, 1899, p. 36). Outro benefício que descobre nas politicas educativas locais é que os alunos saíam destes institutos prontos a “disseminar instrucção theorica e profissional entre as massas ignorantes da sua raça, realizando-os com resultados por vezes prodigiosos”. Em suma, vê na educação um bom caminho para que os negros se transformassem em excelentes operários, “dóceis e resistentes”. (LIMA, 1899, p. 37).

Este cenário lhe dava otimismo suficiente para afirmar que os esforços de levantamento moral exercido pelos brancos norte-americanos lentamente tendiam a diminuir “a celebrada indolência e real imprevidência da gente de côr” e ajudar a reerguer o Sul. (LIMA, 1899, p. 38). Cita o exemplo de Birmingham no Alabama, uma das primeiras cidades industriais do Sul a usar mão-de-obra dos escravos libertos convertidos em operários com ótimos resultados. Entretanto, é importante notar que o caso de Birmingham não surge para relativizar a “celebrada indolência” dos negros mas sim é interpretado como mais uma “amostra do quanto é capas o esforço americano em qualquer meio”. (LIMA, 1899, p. 37). Lima estava de tal forma convencido da superioridade racial dos brancos descendentes da “raça anglo-saxônica” que qualquer melhoria nas condições de vida da população negra era creditada totalmente a sua ação civilizatória e edificante.

Por outro lado, as características negativas dos negros não deixam de ser reforçadas, mesmo quando são eles as vítimas, como é o caso dos linchamentos comuns nos Estados Unidos naquele período. Para Lima, estas violentas tentativas de aplicação de “justiça” eram consequências diretas da escravidão que por tanto tempo poluiu a esfera política nacional. Encontra alguns casos “pavorosos” e capazes de chocar a opinião das classes educadas. Porém, encontra as razões para tais atrocidades na atitude dos estados do Norte e, claro, nos próprios negros. O Norte tinha seu quinhão de culpa por ter-lhes concedido direitos políticos, equiparando assim aos brancos uma população “de todo inapta” a assumir atributos de cidadão. Este cenário causava apreensão nos brancos e gerava tensões frutos das suas incertezas sobre o futuro. Lima ressalta ainda que a maioria dos linchamentos se dava com acusados de crimes praticados por negros “incitados pela lascivia combinada com o desejo de vingança”. Estes crimes de cunho sexual geravam tanto medo “que as meninas brancas costumam ir para a escola aos magotes, escoltadas, para serem defendidas si preciso, pelos rapazes da sua casta”.

Por isso, os autores dos linchamentos argumentavam, e Lima parece concordar, que “só o seu methodo bárbaro é susceptível de amedrontar creaturas boçaes e inferiores como são os negros”. (LIMA, 1899, p. 523). Os linchamentos eram, portanto, fruto das condições político- sociais do Sul do país pós-Abolição, na qual os brancos não se sentiam ainda seguros da sua absoluta supremacia e os negros não dispunham de suficiente educação moral e profissional para conhecer o seu lugar na sociedade. Sobretudo, os negros precisavam entender que não havia lugar para eles no governo nacional e era “mister resignarem-se á inferioridade social que na opinião americana lhes acarreta o estigma da raça”. Sua conclusão é simples: os dois elementos não podiam coexistir com atribuições e destinos iguais e inquestionavelmente o elemento branco deveria ser o vencedor porque dispunha de “mais intelligencia, mais experiência, mais decisão e mais recursos.” Assim, quando o dia chegasse em que os brancos se sentissem suficientemente seguros do seu papel predominante e do seu futuro como tal, em suma, quando houvesse desaparecido o “temor do sacrifício dos interesses da civilização de origem européa”, os linchamentos desapareceriam por desnecessários. (LIMA, 1899a, p. 524).

Lima acreditava que este tipo de situação violenta não ocorria no Brasil porque “não existe nem nunca existiu propriamente ódio de raça”. Defendia que a solução pacífica para o problema da escravidão se deu no Brasil também pela maior fusão de raças. Afinal, a “indulgência das nossas opiniões e desmazelo dos nossos costumes” tornariam impossível leis evitando a mescla de raças como existiam nos Estados Unidos. Também por este motivo a Abolição nos Estados Unidos se fez pela força e no Brasil por uma lei “votada e sancionada em menos de uma semana, pela forma mais galharda e sem funestas consequências de discórdia”. Suas únicas reservas quanto a Lei Áurea é que acabou arruinando bom número de plantadores ao não indenizá-los e que transformou afoitamente a posição social “de tantos milhares de criaturas boçaes, sem predicado algum para a sua nova condição de cidadãos”. (LIMA, 1899, p. 34).

A solução que propõe, “por mais racional, por mais practico”, é seguir o exemplo dos Estados Unidos e fornecer algum grau de instrução aos negros no Brasil, moralizá-los, erguer o seu nível de cultura através da disseminação dos progressos alcançados pela raça branca. Seria melhor resignar-se “ao mal que já foi um bem” e evitar que a segregação entre brancos educados e uma massa de negros e mestiços incultos degenerasse em uma “guerra de raças”. Por fim, a imigração europeia “corrigirá a extrema mestiçagem estabelecida pelo Portuguez e firmará a real supremacia dos brancos”. (LIMA, 1899, p. 52-53).

Neste sentido, elogia o caráter dos Americanos que “não recuam diante das ideias na apparencia menos possíveis de realizarem-se”, referindo-se aos planos para minimizar a influência negativa da população negra no conjunto da sociedade. (LIMA, 1899, p. 43). Como exemplo, enumera alguns dos planos de “emigração” discutidos no Senado e que chegaram a ser postos em prática. O plano proposto por um senador da Carolina do Sul, para distribuir a população negra do Sul por outros estados da Federação, especialmente nas terras devolutas do Oeste merece sua aprovação. O outro “sonho delicioso” consistia em despejar a população negra nas costas africanas, na recém criada Libéria139 ou no Estado Livre do Congo. (LIMA, 1899, p. 43). “Esta emigração, longe de dura e compulsória, seria promovida, ajudada e subvencionada pelo Governo Federal, e d´ella resultaria um beneficio para a humanidade, pois que os negros americanos civilizariam seus pares africanos”. (LIMA, 1899, p. 43). Além disso, seria um grande benefício para os Estados Unidos que abririam um novo mercado no continente africano onde ainda não tinham penetração. Sua única preocupação com este arranjo tão vantajoso para todos os envolvidos é que longe da influência positiva dos brancos estes negros recaíssem na primitiva selvageria da qual nos Estados Unidos os salvavam “os esforços dos brancos apostolizadores”. (LIMA, 1899, p. 44). Dadas as dificuldades práticas desse projeto, resigna-se a aceitar que o melhor recurso seria o indicado por um ex- Senador do Kansas que apostava na equidade e educação da raça inferior, evitando que regressassem ao seu natural estado selvagem.