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3 A “ILUSÃO AMERICANA” VERSUS “A REALIDADE

3.2 IMPRESÕES DOS ESTADOS UNIDOS (1896-1900)

3.2.2 Os efeitos da imigração

Oliveira Lima é taxativo ao afirmar que as duas grandes forças por trás da grandeza dos Estados Unidos eram a “considerável immigração européa, alem do gênio activo e inventivo da própria raça colonizadora”. (LIMA, 1899, p. 53-54). Em última instância, a raça era o fator explicativo fundamental para o sucesso ou o fracasso de um país. Tanto

139 Libéria tem uma história singular no continente africano porque não foi uma colônia europeia, mas sim de uma associação privada norte-americana, a American Colonization Society, fundada em 1816. Esta sociedade formada por donos de escravos ajudou a fundar a Libéria em 1821 e fomentava a sua “colonização” por escravos libertos ou nascidos livres, evitando sua presença considerada potencialmente perturbadora da ordem nos Estados Unidos. Sua independência foi declarada em 1847, mas os Estados Unidos só deram o reconhecimento oficial em 1862.

assim que era o que explicava as diferenças de resultado na colonização da América Latina em comparação com a América Anglo-saxônica. Encontrando praticamente os mesmos obstáculos, inclusive os benefícios pendendo para o lado português, portugueses no Brasil e ingleses nos Estados Unidos realizaram obras totalmente diferentes. O Brasil tornou- se um

[...] corpo anêmico e fraco, porque foi gerado por uma raça açodada, com uma vontade mais ardente que tenaz, de fé proselytica e ganancia tumultuosa, que desembarcava sôfrega por alcançar n´um momento a conversão em massa do gentio e as riquezas fabulosas dos sonhos medievais. (LIMA, 1899a, p. 56).

Por outro lado, os Estados Unidos eram o “produto forte, prospero, admirável, de uma raça mais nova, mais cheia de seiva, menos pejada de antiguidade e de tradições, e que consigo levava o peso positivo da vida”. (LIMA, 1899, p. 56).

Dentro do seu esquema fortemente embasado nas teorias da evolução, tendo sido fundados pela Inglaterra, “pátria da energia e da perseverança”, claramente os norte-americanos herdaram preciosos predicados de raça. (LIMA, 1899, p. 63). Além disso, conseguiram desenvolver e aperfeiçoar estes traços porque encontraram um meio favorável como o da Nova Inglaterra. Com meio não se refere tanto ao meio físico mas ao meio social, resultante da orientação coletiva e da adaptação a ela dos indivíduos mais aptos, que se encontravam em constante renovação e aperfeiçoamento. Não por acaso o historiador considerava Boston a capital da inteligência americana, um “cadinho formidável em que se fundem tantas variedades da raça branca”. (LIMA, 1899, p. 65).

Considerava que o norte-americano era psicologicamente superior inclusive ao Inglês porque possuía uma “faculdade mais disseminada de colher impressões, um poder de ternura e affecto mais expansivo”. (LIMA, 1899, p. 72). Estes indivíduos haviam conseguido portanto aperfeiçoar a já superior raça inglesa e possuíam o caráter, que vale mais que a inteligência para a fundação das grandes e duradouras nacionalidades. Lima cita quase textualmente Gustave Le Bon140 neste

140 “We shall soon see that in general the average intelligence of the Hindus is not in any way inferior to he average of the Europeans who dominate them, but that they are immensely inferior by their character. This reason alone will always eassure their submission to the domination of the West. I say it will always assure, because the more ne thorougly examines history, the more one studies men, the

ponto. E assim, chega a conclusão de que aquela era “uma nacionalidade fadada para subjugar o mundo n'uma proporção que desconheceu, quer o império romano, quer a monarchia universal de Carlos V”. (LIMA, 1899, p. 70). Está claro que para Lima a imigração era a espinha dorsal do progresso americano, não apenas porque garantia o aumento necessário da população branca e evitava misturas degradantes mas porque contribuía para a disseminação de valores civilizados.

Cahirão assim quasi todos os nossos paizes latino- americanos, si os não salvarem a sã immigração européa, com todas as consequências moraes que comporta, e a practica das virtudes que explicam o poderio da raça saxónica, dentro da cathegoria geral das terras tropicaes habitadas pelas raças inferiores, e para as quaes está-se tornando preciso aviar a receita humanitária da dominação do povo mais apto para a colonização e o progresso. Do successo da immigração e da nossa própria previdencia e sizo depende o podermos luctar contra as circumstancias antagónicas e fazer vingar a supremacia da nossa tradição histórica que, na verdade, é composta muito mais de adiantamento intellectual e social que de atrazo, (LIMA, 1899, 457-458).

Neste cenário, a “qualidade da imigração” tinha papel fundamental. (LIMA, 1899, p. 86). Por “qualidade”, claro está, entende- se a procedência dos imigrantes. Esta preocupação com a origem dos imigrantes se explica porque o tipo de imigração pelo qual advogava não era apenas a substituição da mão de obra escrava, pois para isso bastariam as raças inferiores. O imigrante europeu, “trará o concurso da sua intelligencia, a saber, uma porção infinitesimal da experiência do seu continente em matéria de organização financeira e económica, de pericia industrial, de adiantamento moral”. (LIMA, 1899, p. 83-84). Portanto, o grande contingente de “gentes do Norte” (alemães, irlandeses141 e

more one ascertains that character - or, to speak most clearly, perseverance and will - plays a much more important role in the life of individuals and peoples than that which the intelligence exercises. It is above all with character, much more than with intelligence, that one lays the foundation of religions and empires”. Grifo meu. (LE BON, 1886, p. 15)

141 “Os Irlandezes são para os Americanos alguma cousa de parecido com o que os Portuguezes são para nós: uns e outros fallando a mesma lingua, ainda que não da mesma familia, do mesmo tronco politico porem e com os mesmos costumes

escandinavos) nos Estados Unidos ajudava a explicar o seu progresso. Já os italianos, eslavos, judeus polacos e russos, eram um contingente existente mas menos desejável.

Por conseguinte, o exemplo dos Estados Unidos deveria ser seguido pelo Brasil com cautela no que se refere a seleção dos imigrantes. Por um lado, deveriam ser evitadas certas raças consideradas inferiores. Os chineses, por exemplo, eram um povo “eivado de vicios e physiologicamente inferior” que “abastardaria ainda mais uma raça que a enervação tropical e o cruzamento com raças inferiores já teem sufficientemente estigmatizado”. (LIMA, 1899, p. 81). Por outro lado, como as faculdades de assimilação do povo brasileiro não eram compatíveis com as dos norte- americanos, nem a estrutura política comparável em rigidez com a dos Estados Unidos, um número excessivo de imigrantes de variedades da raça ariana dissolveriam a pouco consistente nacionalidade. (LIMA, 1899, p. 82). Estes povos, por natureza mais vigorosos e progressivos, poderiam diluir a idiossincrasia brasileira e por isso era importante manter controlado o seu número.

Este perigo de dissolução da identidade nacional não existia nos Estados Unidos, “onde o nacional, mercê da sua rara faculdade de assimilação, acaba por absorver os elementos estranhos”. (LIMA, 1899, p. 69). Admirava sobretudo como se dava a mais perfeita assimilação pelo seu povo dos estranhos em “uma terra que durante um século tem constantemente recebido emigrantes de todas as nacionalidades e a todos tem absorvido, fundido sem descanço elementos tão diversos, conservando sempre o seu primitivo aspecto, defendendo o seu já agora indelével cunho originário”. (LIMA, 1899, p. 70). Para Lima, estava claro que apenas um grande povo como era o dos Estados Unidos seria capaz de manter as “qualidades de raça que o distinguem, sem perder sequer a apparencia externa dos seus maiores”. (LIMA, 1899, p. 70).