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A precária institucionalização do MOVA Mauá

CAPÍTULO 3 OS MOVA(s) DIADEMA E MAUÁ: UMA MESMA POPULAÇÃO

3.6. Da operação de guerra à institucionalização do MOVA, o empobrecimento da política

3.6.2. A precária institucionalização do MOVA Mauá

O MOVA Mauá nasceu a partir de uma decisão da Câmara Regional do ABC, no dia 3 de novembro de 1997. Em 28 de novembro, do mesmo ano, Mauá criou o Movimento, oficializado em fevereiro de 1998, com a implantação de trinta salas. As experiências dos municípios de São Paulo, Porto Alegre e Diadema foram tomadas como referência e a sua estruturação inicial contou com o apoio de profissionais que instituíram o MOVA Diadema.

Neste período, já existia em Mauá o serviço de educação de jovens e adultos; entretanto, nenhum de seus profissionais participou da discussão sobre a instituição do MOVA e também não havia demandas da parte da sociedade civil, tal como ocorrera em Diadema.

O Movimento nasceu em Mauá num momento de grande investimento na educação de jovens e adultos, no início da gestão petista. Também há uma reestruturação administrativa com o estabelecimento de novos estatutos para o magistério e o funcionalismo municipal. Em

meio a esse quadro, uma única equipe coordena o MOVA, a EJA e a educação infantil sem qualquer diferenciação, por meio de visitas às escolas/núcleos.

Apesar de eu estar na Secretaria, nós cuidávamos do EJA especificamente, e aí as discussões para a implantação do MOVA nós não trabalhamos acesso. (El, coordenadora técnica pedagógica).

É preciso assinalar que, diferentemente de Diadema, em Mauá não se verifica a prática sistemática do registro. Os documentos são escassos e os atuais gestores, mesmo fazendo parte do quadro de funcionários da Secretaria há, pelo menos, dez anos, desconhecem a história e pouco puderam contribuir para o conhecimento das ações iniciais para instituição do MOVA na cidade, bem como em relação ao MOVA Regional.

O Joel37 ficou um período em Mauá, acho que foi 98, 99, uma coisa assim... Sindicato dos Metalúrgicos, ele foi transferido de Diadema para cá, ele ficou uns dois anos aqui, aí voltou para Diadema. [...] Ele ajudou como parceiro, agora, na organização não. Tinha uma pessoa de diadema que na época trabalhava aqui, que é a Cidinha. (G, coordenadora técnica pedagógica).

Apesar que a Cidinha saiu logo, em 98 ela foi embora. Ela só participou da implantação do MOVA, eu acho que o processo, o início do processo, eu tenho a impressão que ela não acompanhou... (N, assistente técnica da Coordenadoria de Educação).

Não há conhecimento, por parte dos gestores, de que a população tenha reivindicado salas de MOVA. Na verdade, o Movimento foi iniciativa do executivo, não havendo pressão, por parte da sociedade civil, para fazê-lo acontecer.

... eu me lembro que na época, a Jane chamou todas essas entidades, movimentos. Tanto que foi feito no salão da Igreja São Pedro, aqui na vila, é Vila guarani que chama? Mas, aqui lotou porque a Jane, na época era secretária da educação, ela estimulou bem essas entidades, empresas e ali foi tendo uma fala, houve uma sensibilização grande, tanto que, no início, sobreviveu (o Movimento) com parcerias. (N, assistente técnica da Coordenadoria de Educação).

Logo no início da implantação do MOVA no município, foi identificada, pelos gestores, uma pressão da população, porém, em relação ao aumento da demanda por vagas de 5ª a 8ª série, o que resultou na ampliação do número de escolas atendendo também no período noturno.

37 Trata-se do atual vice-prefeito de Diadema, gestões 2001-2004 e 2005-2008, e ex-dirigente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, que teve forte presença no momento inicial da criação do MOVA em Diadema e também do Regional.

A gente sentiu uma movimentação por parte dos alunos logo no início, porque como a gente lançou o MOVA e aumentou a educação de jovens e adultos, a demanda de 5ª. a 8ª. série acabou aumentando.

E aí, assim, esse movimento das escolas atenderem à noite. (El, coordenadora técnica pedagógica).

No caso de Mauá, são frágeis os laços entre o Movimento e a sociedade civil.

Alguns dos educadores têm sua origem nos movimentos sociais na cidade, como os de urbanização de favela e da Igreja. Segundo os gestores, é dessa forma que os “movimentos entram na sala de aula”, porém, não há preocupação manifesta com um mapeamento desse quadro:

Eles (os movimentos) entram, porque alguns dos nossos educadores, eu vejo lá pelo Oratório38 eles fazem parte de outros movimentos [...] Nós temos educador que a sala é dentro da igreja e ele faz parte da igreja... o educador já tem o movimento dentro da igreja. Esse levantamento, de onde é que vem o educador, não, nós não temos... (El, coordenadora técnica pedagógica).

Também as relações com as entidades parceiras se dão por razões meramente burocráticas, para o repasse de recursos destinados ao pagamento da bolsa-auxílio dos educadores.

Quem paga essas bolsas-auxílio? Então, são algumas empresas, sindicatos também, e dois convênios técnicos financeiros que nós temos. A maioria é paga pelo convênio técnico-financeiro [...] a prefeitura repassa (o dinheiro). (G, coordenadora técnica pedagógica).

São duas as entidades parceiras com as quais a Prefeitura Municipal de Mauá mantém convênios de cooperação técnica: a Casa Matheus e a Igreja Adventista. Segundo a responsável (na casa Matheus) pelas ações decorrentes do Convênio, havia expectativa de que a entidade conveniada pudesse participar na capacitação dos educadores e no acompanhamento nos locais de trabalho, expectativa essa que não se concretizou.

Vejo problemas com a capacitação desses educadores. Sabe, no início, pensei na possibilidade de uma participação efetiva nossa, nessa parceria: capacitação dos educadores, idas e acompanhamento nos locais de trabalho... mas, foram criados, pela Secretaria, empecilhos de toda ordem. Então, não insisti, mesmo sabendo que tínhamos competência para a tarefa.[...] Para mim, trata-se de mais uma bolsa-família para os educadores e uma forma de contentar alguns cabos eleitorais... (S, gerente de projetos e programas da Casa Matheus).

38 O Parque Oratório foi local de um movimento intenso de urbanização, por meio das ações da Comissão da Terra, ao longo da década de 80 até meados dos anos 90.

Algumas dificuldades foram apontadas pela gestora da Casa Matheus. Elas incidem sobre a forma de contratação dos educadores, os quais assinam com a entidade conveniada um termo de trabalho voluntário, e um outro contrato com a Secretaria de Educação Municipal. O que sugere um precário controle, por parte da Secretaria, sobre a movimentação (significativa) de entradas e saídas dos educadores.

Por outro lado, a diretoria da Casa Matheus julga que esse é um espaço importante, uma possibilidade de participação, na cidade, da discussão sobre os jovens e adultos, para os quais resta o MOVA.

A Igreja Adventista, a outra parceira, com templos (e espaços cedidos para salas de aula) espalhados por toda a cidade, colaborou desde o início, inclusive na elaboração do decreto municipal39 que estabeleceu as bases para o convênio de cooperação técnico-financeira com as entidades conveniadas. A Igreja Adventista tem um projeto social na cidade.

É porque a Igreja Adventista, além de atender a pessoa na educação, eles atendem também pessoas carentes, toda uma dinâmica aí, voltada para atender as pessoas deles, com necessidades. (G, coordenadora técnica pedagógica).

O trabalho de supervisão pedagógica é realizado por uma equipe única da Secretaria de Educação: cabe a essa equipe fazer o acompanhamento das salas de educação infantil, das de educação de jovens e adultos e também do MOVA. MOVA e EJA apresentam-se vinculados no organograma da Secretaria, mas não são desenvolvidos programas ou eventos com outras secretarias da administração.

São evidentes, nas falas dos gestores e dos professores/educadores, as dificuldades para o desenvolvimento das atividades:

... dentro do MOVA tem muitas salas que estão dentro da escola. Agora, as salas que estão fora, elas são agregadas a alguma escola próxima e, então, tanto o diretor, como o coordenador daquela escola também é responsável, porque senão a gente não dá conta [...] eles conseguem acompanhar pouco, mas conseguem. [...] Tem um registro das observações que os supervisores fazem [...] consta o número de alunos, os matriculados, os alunos presentes, o que eles fazem, o trabalho de registro do trabalho que o educador está desenvolvendo, que projeto tá trabalhando, alguns encaminhamentos. (El, coordenadora técnica-pedagógica). ... cada supervisor tem um bloquinho de escolas e salas de MOVA para dar conta. A gente visita regularmente as salas

39 Decreto no. 5.757, de 6 de novembro de 1997, da Prefeitura do Município de Mauá, que institui o Programa denominado “MOVIMENTO DE ALFABETIZAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS DE MAUÁ – MOVA- MAUÁ”.

de educação infantil, de jovens e adultos e as de MOVA [...] cada um tem a sua demanda, né? (E, coordenadora técnica- pedagógica).

Contudo, há que ser observada a dificuldade que a equipe de coordenação apresenta para coletar, organizar e registrar as informações e dados sobre as atividades desenvolvidas no âmbito do MOVA-Mauá.

Ainda, segundo as coordenadoras, as demandas recebidas quando das visitas às salas do MOVA, são, invariavelmente, demandas por material de consumo (caderno, lápis...), e carteiras; dificilmente tratam de questões pedagógicas.

... eles (os educadores) dificilmente pedem ajuda, mas a gente vê a dificuldade, né?. (El, coordenadora técnica-pedagógica). ... Mas a gente até pergunta: quem tem alguma dúvida? Coloque as suas dúvidas, e é difícil tirar deles a dúvida, muitas vezes a gente tem que ir juntinho. Aí você vê aquele monte de relação de palavras. De onde você tirou essas palavras? E aí “Não tirei da cartilha, eu peguei de um livro”. (G, coordenadora técnica-pedagógica).

Os educadores, por sua vez, se ressentem da falta dos encontros, que no início do movimento eram realizados às sextas-feiras para a troca de experiências entre eles:

... a gente fazia essas trocas de experiências todas as 6as. feiras, que eram selecionados dois educadores, e eles mostravam pra gente como é o método de trabalho deles, nos ajudando a esclarecer algumas dúvidas que a gente sempre tem. (V, educador do MOVA).

Também, foram detectados os pontos de tensão/resistência na relação professores do EJA e educadores do MOVA. A manifestação das pessoas, durante o grupo focal realizado, permitiu identificar atitudes de discriminação por parte de alguns professores de EJA, em relação aos educadores e o fato de que alguns diretores de escolas não convidam os educadores do MOVA para as atividades de cunho pedagógico (HTPCs). Ainda, a demarcar essa tensão, as diferenças salariais, de contrato e admissão, o fato de que o educador do MOVA tem que ir em busca do seu aluno. Como explicitou uma educadora:

... no grupo, é porque aí, conforme as pessoas vão convivendo, ele vai convivendo com outro professor, ele vai percebendo que não existe diferença [...] lá nós somos professores, nós somos educadores. (F, educadora do MOVA).

Quando das entrevistas finais para este estudo de caso, os gestores do MOVA-MAUÁ aguardavam a assinatura de convênio a ser estabelecido entre o Consórcio Intermunicipal do ABC e o governo federal para a implantação na região do Programa Brasil Alfabetizado.

Segundo a imprensa regional – Repórter Diário – em matéria de 28 de abril de 2005, o Programa Brasil Alfabetizado do ABC, em parceria com o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), receberá investimento de aproximadamente R$ 500 mil. Participam da iniciativa Santo André, São Bernardo do Campo, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra. São Caetano do Sul não entrou como município parceiro alegando já ter programa próprio.

A história do MOVA-Mauá, organizado sob a égide do MOVA Regional, permite aventar a possibilidade de haver um esvaziamento ainda maior do MOVA local com a substituição pelo Programa Brasil Alfabetizado.