• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 3 OS MOVA(s) DIADEMA E MAUÁ: UMA MESMA POPULAÇÃO

3.3. MOVA – DIADEMA e a produção da cidade

O MOVA nasceu em Diadema em função da conjunção de fatores de ordens distintas. Um deles, internacional, relacionado às deliberações da ONU – Organização das Nações Unidas, o outro, nacional, diretamente vinculado à Constituição Federal de 1988, finalmente, o de ordem local, relacionado à decisão política do executivo municipal, gestão 1993-1996.

O ano de 1990 foi declarado o ano internacional da alfabetização pela ONU, que anunciou ser a “alfabetização uma prioridade absoluta da educação”, devendo os povos até o ano 2000, erradicar o analfabetismo. A Constituição Federal, promulgada em 1988, estabeleceu o prazo de 10 anos para a erradicação do analfabetismo no Brasil. [...] A Administração Democrática e Popular de Diadema, comprometida com os interesses e necessidades da população e consciente de sua responsabilidade tem investido na educação de jovens e adultos desde 1993, quando o SEJA – Serviço de Educação de Jovens e Adultos – tinha 56 salas na cidade a ampliou para 180 em 1996. [...] Foi lançado em 27 de setembro de 1995, ..., o MOVA-DIADEMA – Movimento de alfabetização de Jovens e Adultos de Diadema, que tem como objetivo contribuir para erradicar o analfabetismo no município, envolvendo os diversos setores organizados da sociedade civil.(MOVADIADEMA,1996B).

Além disso, deve-se destacar a forte influência do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC.

O Sindicato, na verdade, tinha uma demanda na categoria por qualificação profissional. Aí, foi feito um diagnóstico sobre como é que se implantava essa qualificação. Isso foi por volta de 1994, 95. O sindicato se deparou com uma realidade chocante. Muitos trabalhadores não eram alfabetizados ainda. Isso foi uma coisa dura pro Sindicato. Aí, ele propôs, junto às Prefeituras que desenvolvessem um processo, um programa de alfabetização para essa população. Apenas a Prefeitura de Diadema foi a que propôs fazer uma parceria com o Sindicato para fazer um projeto de alfabetização, com a gestão do Fillipi. A proposta que tinha ... era do MOVA, que era desenvolvida em São Paulo, pelo Paulo Freire. Foi a partir daí que houve um acerto de começar a fazer o MOVA aqui na região. Ou seja, uma proposta regional que só uma cidade adotou em 1995. (LSC, coordenador do MOVA ABC).

Esse conjunto de fatores foi acionado por atores específicos. A Secretária da Educação, Cultura e Esportes de Diadema, Professora Lisete Gomes Arelaro, da gestão 93-96, foi figura central no processo de articulação das condições para que se concretizasse um movimento de alfabetização, no âmbito local. Vale ressaltar que a Secretária vivera no município de São Paulo a experiência do MOVA.

Na verdade, se a gente for pegar historicamente, quando a Lisete assume a Secretaria e traz a equipe de São Paulo, que era a Silvia Telles, Luis Marini, que era o pessoal que estava na organização do MOVA em São Paulo, então, quando eles vêm pra cá, eles assumem a educação de jovens e adultos, junto a isso, eles já começam uma discussão de criar o movimento no município. (I, Chefe da Divisão de Educação do Trabalhador de Diadema).

Uma boa imagem de Diadema, para o período, é a da periferia que, relegada a segundo plano pelo conjunto das cidades ricas do ABC, toma para si o seu destino e o desafio de se reconstruir como cidade. A discussão do Plano Diretor, a implementação de políticas de saúde, de educação, de habitação, dentre outras, a instituição do MOVA-DIADEMA foram exemplos claros disso, não como questões de mera organização do espaço e do enfrentamento dos problemas advindos da pobreza.

... a periferia, sobretudo, foi objeto de interesse limitado, unicamente como lugar da exclusão social e da violência, coisa que ela é apenas em parte ou nem sempre é. A idéia equivocada de que a periferia é lugar de pobreza contaminou a leitura que a sociologia dela faz, que transformou em conceito o que efetivamente não é. Um “conceito” pobre da pobreza.

Estamos, portanto, em face de uma nova característica histórica da espacialidade urbana. [...] Nesses movimentos, mais do que um espaço deteriorado, e o reconhecimento dessa deterioração, a periferia proclama a identidade que lhe é possível no confinamento a que foi relegada: a de quem foi recusado pela cidade e tem com ela a identidade da não- identificação. Esses movimentos proclamam a verdade política do negativo... (MARTINS, 2001).

No burburinho da construção da cidade, em meio a inúmeros movimentos, nasceu o MOVA-DIADEMA, como afirmação do negativo. Tratava-se de um movimento educacional e ao mesmo tempo uma das vigas do movimento de produção da cidade. No Plano Diretor do Município, aprovado em 1994, no título IV, Dos equipamentos e serviços comunitários, Capítulo III, Da Educação, da Cultura e dos Esportes, no artigo 56, alínea iii, consta: “promoção de programas de alfabetização de jovens e adultos, viando contribuir para a erradicação doa analfabetismo” (PREFEITURA MUNICIPAL DE DIADEMA, 1996e, p. 35).

O MOVA – DIADEMA não nasceu isolado, mas do interior de um intenso movimento que toma conta da cidade em todos os rumos e direções.

O Programa de Pós-Urbanização, criado em 1995, abrange os moradores de núcleos habitacionais urbanizados e de áreas de provisão, e prevê intervenções intersecretariais, oferecendo serviços básicos como saúde, educação, lazer, transporte e cultura. Exemplo disso, é o Movimento de Alfabetização de Diadema (MOVA), coordenado pela Secretaria de Educação, Cultura, Esporte e Lazer, que promove a capacitação e

formação de monitores integrando o programa de alfabetização desenvolvido na cidade aos núcleos habitacionais. Muitas vezes os monitores são moradores e lideranças de núcleos, que ministram as aulas de alfabetização nos centros comunitários, igrejas, escolas, ou mesmo nas residências. (PREFEITURA MUNICIPAL DE DIADEMA, 1996c, p. 32).

Integra as diferentes ações desencadeadas na cidade, a luta contra a municipalização do ensino, contribuindo ainda mais para a produção da identidade da própria cidade, na luta contra a proposta do executivo do Estado de São Paulo.

O povo dizia: “O município está bom, queremos que o Estado seja igual. Por isso, queremos a municipalização”. Isso em 94. Tivemos que explicar que não, o que precisamos é mudar o ensino estadual. Porque a emenda PEC 233 jogava toda a responsabilidade do ensino fundamental para o município, mas para isso tínhamos que ter verba. Com os 25% recebidos pelo município, não dá para montar o ensino regular, senão as municipais vão ficar tão ruins quanto as estaduais. Então, o povo viu que não era possível. Agora o Conselho vai continuar lutando contra. (Alaídes, assessora comunitária da SECEL, IN: PREFEITURA MUNICIPAL DE DIADEMA, 1996b, p. 26).

Nesse intenso movimento os atores vão se constituindo. No caso específico do MOVA-Diadema, numa estreita relação com o executivo municipal, de quem recebeu importante suporte.

Há uma nítida relação entre o MOVA e a ação do executivo local, sob a égide do PT – Partido dos Trabalhadores, na linha “participação popular e cidadania”. Iniciativas mais gerais do executivo local, como o projeto “Pé na Rua”, iniciado na gestão 89-92, buscavam o estabelecimento de um diálogo com a população através da ida aos bairros, do Prefeito e seus assessores, para ouvir as demandas da população e passar informações sobre ações do executivo, a exemplo de chamada para a inscrição no SEJA, divulgada no Jornal “Pé na Rua” (1990, 1991, 1992).

Entendendo a educação como um direito universal e condição fundamental para o exercício da cidadania, a meta desse programa é iniciar o processo de alfabetização de 100% da população acima de 15 anos. Para isso, foi montada uma verdadeira operação de guerra. Foram criadas salas de aula em fábricas, centros comunitários, igrejas e residências, com orientação de educadores populares formados pela Prefeitura. (PREFEITURA MUNICIPAL DE DIADEMA, 1996d , p. 21). O MOVA foi criado “em 27 de setembro de 1995, por ocasião da solenidade de abertura do II Congresso de Educação de Diadema, que contou com a presença do Ministro da Educação, Paulo Renato de Souza, e do Professor Paulo Freire” (MOVA REGIONAL, 1999,

p. 12). Previa-se a erradicação do analfabetismo, atendendo a 100% da população de 15 a 59 anos, em três etapas: outubro/95 a fevereiro/96, abril a agosto/96 e setembro a dezembro/1996, anunciada publicamente em matéria de capa de jornal “Vamos acabar com o analfabetismo” (JORNAL DA CIDADE, 1995).

Ele surge, também, simbolicamente identificado pela presença daquele que marcou a sua concepção pedagógica, Paulo Freire, sob a égide da participação cidadã, entendida como:

... processo complexo e contraditório entre sociedade civil, Estado e mercado, em que os papéis se redefinem pelo fortalecimento dessa sociedade civil mediante a atuação organizada dos indivíduos, grupos e associações. Esse fortalecimento dá-se, por um lado, com a assunção de deveres e responsabilidades políticas específicas e, por outro, com a criação e exercício de direitos. Implica também o controle social do Estado e do mercado, segundo parâmetros definidos e negociados nos espaços públicos pelos diversos atores sociais e políticos. (TEIXEIRA, 2001, p. 30).

Para coordenar o MOVA–Diadema foi criado um Fórum Municipal, composto por entidades e movimentos diversos, abrangendo o próprio executivo, evangélicos, católicos, representante local da Secretaria de Estado da Educação, movimento de educação, de estudantes secundaristas, sindicatos de trabalhadores, organização patronal, tanto comércio quanto da indústria, jornais, entidades caritativas, grupos de jovens.

“MOVA–Diadema é um plano de ação cultural que visa a integrar os diversos setores organizados da Sociedade em um grande movimento para vencer o analfabetismo no Município” (MOVA DIADEMA, 1996b). Uma verdadeira operação de guerra, como parte de

produção da cidade.

O MOVA articula-se à idéia de direitos do cidadão, o de “assegurar a todos os jovens

e adultos não escolarizados de Diadema o direito à alfabetização e educação” (MOVA

DIADEMA, 1996b). A mesma idéia também está presente no MOVA-Brasil: “Entendendo a educação como um direito universal e condição fundamental para o exercício da cidadania, a meta deste programa é iniciar o processo de alfabetização de 100% da população acima de 15 anos”. (REDE MOVA BRASIL, 2005, p. 80).

A forte relação do MOVA Diadema com a cidade pode ser depreendida da afirmação a seguir:

“A nossa proposta é trabalhar de forma integrada com educação, cultura e esportes e lazer como expressões de cidadania. A idéia é invadir a cidade, realizando um ‘asfaltamento cultural’, e a partir daí fazer com que a cultura seja um costume, um hábito na vida do cidadão”, diz Lisete Arelaro, Secretária de Educação de Diadema. (PREFEITURA MUNICIPAL DE DIADEMA, 1996d, p. 20).