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O MOVA Diadema: uma proposta de transformação social

CAPÍTULO 3 OS MOVA(s) DIADEMA E MAUÁ: UMA MESMA POPULAÇÃO

3.5. As Concepções do MOVA: entre a transformação e a auto-estima

3.5.1. O MOVA Diadema: uma proposta de transformação social

O MOVA Diadema, que nasceu como outros tantos movimentos de produção da cidade, carregou com ele a marca da participação. De forma clara e coerente, a concepção freireana de educação, que já marcava o Serviço de Educação de Jovens e Adultos – SEJA, criado em 1987, também marcou este movimento.

Partindo do princípio de que “a leitura do mundo precede a leitura da palavra”, como sintetiza o educador Paulo Freire, a Prefeitura de Diadema, até 1993, tinha à disposição de jovens e adultos da cidade 53 salas de aula. (...) além de dar continuidade a esse programa, a atual gestão ampliou a capacidade de atendimento e hoje o SEJA conta com 179 salas, localizadas em escolas municipais, empresas e instalações da Igreja, através de parcerias exclusivas. [...] Lançado no segundo Congresso de Educação, Cultura, Esporte e Lazer, em outubro de 1995, o Movimento de Alfabetização de Diadema (MOVA) começou a ser articulado com o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC como uma grande ofensiva do poder público e da sociedade civil para reverter as estatísticas do Censo da Pessoa Deficiente que indicou um total de 39.050 pessoas com baixa escolaridade no município, sendo quinze mil analfabetas. (PREFEITURA MUNICIPAL DE DIADEMA, 1996d, p. 21).

O MOVA, assim como o SEJA, trazia nele a marca de educação como ato político e de conhecimento, tanto da parte do educando quanto do educador, no sentido da transformação da realidade, tal como proposta freireana (FREIRE, 1980).

Se revolucionária é sua opção [do educador], o fundamental na alfabetização de adultos é que o alfabetizando descubra que o importante mesmo não é ler estórias alienadas e alienantes, mas fazer história e por ela ser feito. [...] ... os educandos são convidados a pensar. Ser consciente não é, nesta hipótese, uma simples fórmula ou um mero ‘slogan’. É a forma radical de ser dos seres humanos enquanto seres que, refazendo o mundo que não fizeram, fazem o seu mundo e neste fazer e re-fazer se re-fazem. São porque estão sendo. O aprendizado da leitura e da escrita, como um ato criador, envolve, aqui, necessariamente, a compreensão crítica da realidade. (FREIRE, apud GADOTTI, 1993: 254-255).

Por isso, “o Estudo do Meio é apresentado e analisado como uma das possibilidades de se trabalhar com temas geradores. Ele passa a ser estratégia e metodologia, pois possibilita o desenvolvimento do estudo da realidade e propõe uma forma de se trabalhar em sala de aula” (MOVA DIADEMA, 1996a), organicamente conectada à realidade da cidade, conforme

pode ser visto na organização dos dados coletados no estudo, no quadro a seguir. Quadro 8 – Tema gerador – Diadema

Para construção de uma educação transformadora, o estudo da realidade tem um papel fundamental, pois está relacionada a uma prática que visa a possibilitar ao educando conhecer e se reconhecer na própria realidade de onde vive, construir interrelações entre a escola e a comunidade de forma conseqüente, transformando a escola num centro de DIADEMA

Desenvolvimento histórico da cidade

Migração Crescimento urbano

Política da cidade

Educação Saída das Empresas Infra-estrutura

Desemprego Violência Impostos Conselho Municipal

produção, recriação e irradiação de culturas. (...). A realidade é interdisciplinar em si mesma. (MOVA DIADEMA, 1996c). A perspectiva de educação adotada em 1995 permanece até os dias atuais, tendo havido, na gestão 1997-2000, a incorporação, à proposta freireana, dos chamados “temas sociais transversais”, em função da influência de propostas explicitadas nos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN’s, numa evidente adaptação dos temas transversais. Esta influência também se evidencia com a adoção da divisão dos conteúdos em categorias distintas, conteúdos conceituais, conteúdos atitudinais, conteúdos procedimentais. Essa influência advinda das diretrizes do governo federal, no caso de Diadema, tem como substrato a permanência da:

...concepção da problematização do social na escola (e da) ... educação de jovens e adultos (como) parte integrante do projeto sócio-político global da luta popular na sociedade de classes. (...) Os temas sociais coletivamente eleitos pela comunidade escolar, criteriosamente selecionados, rigorosamente estudados, deverão ser os eixos vertebradores da proposta curricular” (PREFEITURA MUNICIPAL DE DIADEMA, 2000, p. 30-31).

Relativo à concepção metodológica, manteve-se a preocupação com o estudo do meio, mas incorporou-se, como elemento central, a metodologia de projetos, nela o desenvolvimento de atividades interdisciplinares, aparecendo desta forma uma preocupação também focada na aprendizagem do aluno.

A aprendizagem baseada em projetos oferece a possibilidade de investigar um tema, partindo de um enfoque relacional que vincula idéias-chave e metodologias de diferentes disciplinas, abrindo um caminho para se repensar a função da escola e revisar os saberes escolares.

Esse procedimento metodológico facilita o aprendizado na medida em que aproxima o conhecimento científico da vida real. (PREFEITURA MUNICIPAL DE DIADEMA, 2000, p.33-34) Nesta gestão, 1997-2000, o MOVA passa a compor o quadro da EJA – Educação de Jovens e Adultos que se desenvolvia através de três conjuntos de ações:

a) SEJA – Serviço de Educação de Jovens e Adultos, organizado na modalidade suplência, que se destinava a suprir a escolarização regular, organizado em dois níveis: suplência I, correspondente às quatro séries iniciais do ensino fundamental, e suplência II, correspondente às quatro últimas séries do ensino fundamental;

b) MOVA – Movimento de Alfabetização, definido como atendimento comunitário a jovens e adultos analfabetos ou com baixa escolarização;

c) Ensino profissionalizante, através da Fundação Florestan Fernandes, encarregada do desenvolvimento de cursos de qualificação, aperfeiçoamento, especialização e acompanhamento profissional, bem como informação profissional e orientação para o trabalho, suplência profissionalizante, formação e apoio para empreendedores. (PREFEITURA MUNICIPAL DE DIADEMA,

1998).

O MOVA é, então, incorporado a uma proposta curricular caracterizadamente escolar, da concepção geral à organização das disciplinas, seus conteúdos e formas de avaliação. Este movimento dá sinais de sair do campo de uma “verdadeira ação de guerra” para compor o conjunto de ações institucionais. Ainda na gestão 1997-2000, a abrangência da ação se restringe aos dois primeiros anos de escolaridade do ensino fundamental, ou seja, à alfabetização propriamente dita.

Na gestão 2001-2004, a tendência de escolarização se acentua e o MOVA passa “a atender os alunos para concluírem os estudos correspondentes aos 4 anos de escolarização”, sem abandonar a perspectiva de “educação popular libertadora” e retomando a proposta freireana de tema gerador, sem explicitar possível influência da proposta dos PCN´s, relativa aos temas transversais, num claro retorno à proposta original de 1995, à exceção da “ação de guerra”. (DIÁRIO NA ESCOLA –DIADEMA, 2004, p. 19-20).

O tema gerador deve expressar a realidade vivida pelos educandos, permitindo um processo ordenado de teorização, que se alcança pelo desenvolvimento dos subtemas ou eixos temáticos. (MOVA DIADEMA, 1996c).

Concebendo que o conhecimento da realidade local onde os alunos moram, trabalham, assimilam e constroem as suas culturas e a história de vida é fundamental para as aprendizagens significativas, a formação para os educadores do MOVA, desde o início, está pautada no Estudo do meio e no Tema gerador. (DIÁRIO NA ESCOLA – DIADEMA, 2004, p. 20).

Interessante notar que os dois documentos da Prefeitura de Diadema que apresentam política de educação e currículo relativos à EJA foram produzidos no último ano de duas diferentes gestões. Um deles, “Currículo – Educação de Jovens e Adultos – Diadema”, datado do ano 2000, referente à gestão 1997-2000, e o “Diário na escola – Diadema – Política de Educação de Jovens e Adultos – Diadema faz escola”, datado de 2004, é da gestão 2001- 2004.

Mais do que entender esses documentos como uma prestação de contas de governos em final de mandato para se qualificar para o novo processo eleitoral, vale ressaltar que

ambos revelam que a sua produção passou pelo envolvimento dos atores da escola, com a participação de assessorias, num processo que percorreu cada uma das duas gestões.

O processo de construção deste documento iniciou-se nas UNIDADES ESCOLARES, envolvendo pais, alunos, funcionários, professores e coordenadores de escolas. Para a organização do documento inicial “Retratando o currículo da Rede: Primeiro olhar”, a equipe técnico-pedagógica (1998) obteve orientação de um especialista universitário em currículo. Em continuidade ao processo de organização e sistematização deste documento, a EJA passa a contar com a assessoria da AÇÃO EDUCATIVA (Assessoria, Pesquisa, Informação) a partir de 1999, buscando a contribuição desta organização para o resgate, concretização e sistematização do documento, atendendo assim a reivindicação dos professores do segundo segmento, que tiveram formação específica. (PREFEITURA MUNICIPAL DE DIADEMA, 2000, p. 30).

As mudanças sociais e educacionais trouxeram marcas significativas para repensar uma nova visão da educação de jovens e adultos em Diadema. A elaboração da proposta curricular para rede municipal foi construída a partir de um longo processo de debates com todos os professores/professoras, considerando não só o trabalho desenvolvido pelas escolas, mas também a partir de uma nova concepção de aluno que queremos e do seu papel no processo de transformação da cidade, do país e da sua inserção no mercado de trabalho. (DIÁRIO NA ESCOLA – DIADEMA, 2004, p. 3-4).

Bem como se identifica a influência do pensamento freireano e das idéias contidas nos PCN´s, de 1995 a 2004, verifica-se também na proposta inicial do MOVA e na proposta da gestão 1997-2000, há uma clara preocupação em explicitar referenciais teóricos que orientam a discussão sobre a aquisição da leitura e da escrita. Assim, no documento MOVA–DIADEMA

(1996b), além da proposta político-pedagógica freireana, são abordadas as etapas que o indivíduo percorre para chegar à construção da escrita, segundo Emília Ferreiro e Ana Teberosky, as diferentes hipóteses relativas à aquisição da escrita: pré-silábica, silábica, silábico-alfabética e alfabética. Na gestão 1997-2000, essa análise se amplia ao ser feita a discussão sobre letramento e alfabetismo.

Atualmente, os educadores trabalham com um conceito mais abrangente, que alguns designam como alfabetismo, outros como letramento. Esse conceito refere-se não apenas ao saber ler e escrever, mas principalmente ao saber usar a leitura e a escrita. Portanto, para apesar da condição de analfabeta para a condição de alfabetizada, a pessoa precisa transformar minimamente a sua condição, incorporando a linguagem escrita à vida. (PREFEITURA MUNICIPAL DE DIADEMA, 2000, p. 45).

Na gestão 2001-2004, a formação dos educadores do MOVA segue pautada por uma concepção pedagógica que valoriza a educação popular libertadora. Trata-se de formação permanente, processual e as atividades de trabalho são definidas, coletivamente, pela equipe de coordenação, assistentes técnicos e educadores.

... o princípio que norteia o trabalho pedagógico do movimento de alfabetização são os eixos da proposta curricular da rede municipal de Diadema, dentre eles Dignidade e Humanismo, Meio Ambiente e Cultura. (DIÁRIO NA ESCOLA –DIADEMA, 2004, p. 23).

Uma sistemática de reuniões semanais, por região da cidade (Norte, Sul, Leste e Centro-Oeste), tem por objetivo, no início de cada semestre, caracterizar o perfil dos alunos e o da realidade local. Por meio deles é discutida e definida a temática de trabalho. Um exemplo pode ser visto abaixo.

Região Centro-Oeste, projeto político pedagógico Eixo norteador: Dignidade e Humanismo

Temáticas (pontos de articulação do eixo): Desigualdade social, Resgate Cultural, Ética e Valores, Trabalho/Desemprego, Violência. (DIÁRIO NA ESCOLA – DIADEMA, 2004).

As temáticas se articulam para a construção do novo conceito de cidadania, autonomia e participação, visando o resgate da auto-estima dos educandos como sujeitos do processo educacional. O objetivo é a criação de mecanismos de participação e envolvimento dos alunos para a transformação da realidade local.

Ficam explicitados claramente, nas ações para definição da proposta pedagógica e sua implementação, os objetivos e os mecanismos criados:

... os educandos são incentivados a participarem dos diferentes fóruns de debate e decisão política como os Conselhos Populares e o Orçamento Participativo, que estabelece as prioridades para as regiões e a cidade. (DIÁRIO NA ESCOLA –DIADEMA, 2004, p. 22).

É importante ressaltar que, na gestão 2001-2004, assessores do CRJ (Centro de Referência da Juventude) participaram dos sábados de formação para educadores da EJA e do MOVA, abordando as temáticas: o Estatuto da Criança e do Adolescente, juventude e gênero, literatura e arte, a violência urbana, diversidade e cultura, dentre outras.

Trata-se de uma proposta curricular que está articulada com outras iniciativas da gestão 2001-2004: a criação dos Centros Públicos, espaços abertos à participação da comunidade, e à implementação do Ação Compartilhada, atividades co-gestionadas monitores – população que acontecem nos centros públicos, nos poli-esportivos, escolas, bibliotecas

comunitárias. Do ponto de vista do executivo local, é intensa a participação dos alunos do MOVA, jovens, adultos e idosos, nas atividades e na gestão desses espaços e ações. No entanto, isso não se confirma quanto aos jovens das salas do MOVA, conforme poderá ser visto na parte 6 do presente estudo.