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CAPÍTULO 4 SANTOANDRÉ: O MOVA NA CIDADE EDUCADORA

4.2 Trajetórias diante do espelho

No ano de 1989, assumem o executivo andreense, Celso Daniel e José Cicote, na primeira gestão do Partido dos Trabalhadores na cidade.

O Programa de Educação do Partido dos Trabalhadores para Santo André (1988) se apresentava como um plano de natureza pública e popular, e para a educação de jovens e adultos:

Promover a educação de jovens e adultos, criando uma estrutura própria (física, profissionais remunerados, proposta pedagógica própria), atendendo a um direito dessa população que tem sido tratada com descaso ao longo da história de Santo André. Quanto à participação e à gestão, a criação de comissões junto aos setores específicos da Secretaria de

Educação, com a participação de professores, alunos e representantes de entidades conveniadas.

Embora nas três últimas décadas tenha ocorrido certo revezamento de representantes do PT e do PTB, a história dos governos municipais é marcada pela presença de outras agremiações partidárias que se auto-identificavam com valores democráticos, republicanos e com os direitos de cidadania dos trabalhadores, dos movimentos sociais e populares, e sobretudo, instituem modalidades ou processos de gestão da administração local, combinando mecanismos e as ações de participação próprios da democracia representativa, aliados aqueles que apelavam à participação direta e ativa da população organizada na gestão da coisa

pública.

A EJA, sob a responsabilidade do Município, tem início justamente em 198944, com a inclusão do compromisso deste atendimento na Lei Orgânica do Município, Lei aprovada a 02 de abril de 1990.

Art. 247.

O Município organizará o sistema municipal de ensino, providenciando o atendimento escolar nas modalidades de: I – educação infantil;

II – educação de jovens e adultos; III – educação especial.

§ 1º - a Educação infantil tem por objetivo atender ao pleno desenvolvimento da criança de zero a seis anos de idade através de creches e pré-escolas.

§ 2º - A educação de jovens e adultos tem por objetivo atender àqueles que, na idade própria, a ela não tiveram acesso.

§ 3º - A educação especial tem por objetivo atender o aluno portador de deficiência ou o autista.

Foram promovidos debates com representantes da sociedade civil (representantes de sindicatos, movimentos sociais, sociedades amigos de bairro) de forma a envolvê-los naquele compromisso, dado o número estimado de analfabetos.

Em maio de 1989, foi iniciado o Projeto Chegou a sua vez – valorização do

Funcionalismo Municipal45. Concomitantemente, foi realizado o primeiro concurso para professores de EJA e, no início do 2º semestre, sete dos dez aprovados iniciaram o trabalho

44 A EJA integrava pela, primeira vez, um programa de governo de candidato ao executivo municipal. Na gestão 1989-1992, Marilena Nakano assume a Secretaria Municipal de Educação Cultura e Esportes; Marli P. Ancassuerd, o Departamento de Educação e Elmir de Almeida, a Coordenação do Serviço de Educação de Jovens e Adultos. Ao final de 1989, Sonia Maria P. Kruppa assume a Secretaria Municipal de Educação e Rosilda Silva Souza, o Departamento de Educação.

45 O Projeto buscou atender aos servidores analfabetos ou semi-analfabetizados. Foram montadas salas de aula nos mais diferentes locais de trabalho [garagem municipal, cozinha piloto, postos do SEMASA, (Serviço Municipal de Saneamento Ambiental de Santo André), cemitérios, bastidores do Teatro Municipal]. Funcionários com, no mínimo, 2ºgrau completo, assumiram essas salas, por uma hora diária e receberam horas extras por esse trabalho. Cargos de confiança também o fizeram, dando aulas fora do horário de seu expediente.

nos núcleos já instalados. A formação desses professores não foi questão secundária: semanalmente, por 4 horas, eles participavam de reuniões com a Coordenação. Nesses encontros eram abordados aspectos políticos e metodológicos do projeto.

No mês de outubro do mesmo ano, a Secretaria de Educação, Cultura e Esportes promovia o 1º Seminário Municipal sobre Alfabetização, em conjunto com organizações: o Movimento de Defesa dos Favelados (MDDF), CEPS e o Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (APEOESP)46.

Ainda no primeiro semestre/1989 assim se pronunciara a Secretária de Educação, Marilena Nakano, num encontro para a avaliação da Administração:

O grande divisor de águas entre uma administração petista e as demais é a proposta de construção de uma outra qualidade do serviço público: aquela em que a participação popular é fundamental, aquela em que a democracia se faça presente: uma administração para, com e pelo trabalhador.

No início, a implementação do projeto esbarrou em questões estruturais básicas. Os locais colocados à disposição pela sociedade civil nem sempre dispunham da infra-estrutura esperada por educandos e educadores.

O número de educandos em alguns locais era reduzido. Os educadores exprimiam a necessidade de ampliar a divulgação do serviço para a população-alvo. Muitos se organizaram com setores que faziam trabalhos na comunidade para atingir esse objetivo.

A intenção inicial do projeto era atender apenas jovens e adultos que não fossem alfabetizados, mas o trabalho efetivado nas comunidades mostrou que era grande o número daqueles que não haviam concluído a primeira fase do então primeiro grau. A partir desse diagnóstico, essa demanda foi integrada ao trabalho, surgindo então as salas multisseriadas.

Outra demanda incorporada, durante o trabalho de implementação da EJA, foi o atendimento aos educandos com deficiência. E com ela o desafio de como fazê-lo.

A formação dos educadores, neste início, aconteceu semanalmente. Os educandos eram atendidos de segundo a quinta-feira, e na sexta-feira os educadores se reuniam com a equipe pedagógica para discutir questões que definiam a concepção do projeto, necessidades/dificuldades específicas do trabalho com a faixa etária, currículo e possibilidades teórico/metodológicas que pudessem aperfeiçoar a prática. Essas reuniões representaram um espaço de construção coletiva do projeto pedagógico.

46 As temáticas abordadas na ocasião foram: A produção do analfabetismo no sistema regular de ensino; Dimensão pedagógica, social e política da alfabetização, e O papel do poder público e das organizações não-governamentais na política de alfabetização.

As formações se aprofundaram em diversas áreas do conhecimento, com destaque especial para alfabetização. O conjunto dos educadores com o auxílio das assessorias, tinham a intenção de elaborar um currículo que contemplasse a EJA. Foi ainda em 1990 que iniciou o processo de regulamentação do curso no Conselho Estadual de Educação, concluído em 1991. O projeto da EJA passou a ser um serviço institucional oferecido pela Prefeitura de Santo André e se tornou SEJA (Serviço de Educação de Jovens e Adultos). A partir daí, os educandos passaram a ser certificados pela própria Prefeitura e o curso supervisionado pela Delegacia de Ensino do Estado.

O regimento aprovado estabeleceu o curso anual com dois ciclos denominados de Alfabetização e Pós-Alfabetização. A avaliação, inicialmente, tinha como registro um relatório que descrevia o histórico da aprendizagem de cada educando.

A regulamentação também previu quantidades mínimas de dias letivos ou horas-aula de trabalho com os educandos. Isso modificou a freqüência das formações, que deixaram de ser semanais e gerais para serem quinzenais e setoriais. As reuniões gerais passaram a acontecer uma vez ao mês. A estrutura diária era composta de quatro horas-aula com educando e uma hora-atividade para estudo e planejamento.

A Secretaria de Educação assumiu o arquivamento dos planos pedagógicos, o acompanhamento pedagógico, o suprimento de materiais e tudo que envolvesse o trabalho com a EJA. Uma equipe própria estava responsável pela implementação e coordenação deste novo serviço. As salas de aula ocuparam os espaços das EMEIs, mas os educadores não estavam integrados na dinâmica e na rotina deles. As infra-estrutura necessária para atender adultos e crianças ao mesmo tempo, principalmente nas salas que ofereciam aulas durante o dia. Em alguns casos, instalaram contêineres nos espaços externos das escolas.

Ocupar um espaço sem fazer parte dele trazia aos educadores um sentimento de rejeição e de incompreensão dos motivos que levavam a tratamentos diferenciados nas escolas, por exemplo. Esse estranhamento se dava pelo tempo diferenciado de atendimento dos dois serviços (Santo André possui Educação Infantil desde 1976). Não existia, até então, nenhum vínculo operacional entre o trabalho com crianças e com jovens e adultos, e a direção das escolas não tinha claro o objetivo deste novo trabalho. Em 1992, as formações feitas com os educadores durante esses três anos foram sistematizadas e desta forma foi elaborada a primeira proposta curricular do SEJA.