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A Priorização de Casos para Admissão em UTI

No documento Manual de Cuidados Paliativos (páginas 69-72)

Anexo 1 RESOLUÇÃO CFM Nº 1.805/2006

6. Considerações sobre a Proporcionalidade de Medidas Invasivas de Suporte de Vida e seus Conflitos

6.3. A Priorização de Casos para Admissão em UTI

Essa problemática fez com que várias sociedades médicas internacionais publicassem posicionamentos sobre o assunto (BOSSLET et al., 2015; JOYNT et al., 2019). Um dos mais difundidos é o guideline de priorização de admissão em UTI da Society of Critical Care Medicine (NATES et al., 2016) apresentado na tabela 13 a seguir.

Tabela 13.

Guideline de priorização de admissão em UTI da Society of Critical Care Medicine

(SCCM)

Nível de

atendimento Prioridades Tipo de Paciente

UTI

Prioridade 1

Pacientes em estado crítico que necessitam de suporte de vida por falência de órgãos, monitoramento intensivo e terapias fornecidas apenas no ambiente da UTI. O suporte à vida inclui ventilação invasiva, terapias de substituição renal contínuas, monitoramento hemodinâmico invasivo para direcionar intervenções hemodinâmicas agressivas, balão intra-aórtico, oxigenação por membrana extracorpórea e outras situações que requerem cuidados críticos (por exemplo, pacientes com hipoxemia grave ou choque).

Prioridade 2

Pacientes, como descrito acima, com probabilidade significativamente menor de recuperação e que gostariam de receber terapia intensiva, mas não ressuscitação cardiopulmonar em caso de parada cardíaca (por exemplo, pacientes com câncer metastático e insuficiência respiratória secundária a pneumonia ou choque séptico que requer vasopressores).

Unidade semi-intensiva

Prioridade 3

Pacientes com disfunção de orgãos que necessitam de monitoramento intensivo e/ou terapias (por exemplo, ventilação não invasiva) ou que, na opinião clínica do médico responsável pela triagem, possam ser tratados em um nível de atendimento mais baixo do que a UTI (por exemplo, pacientes em pós-operatório que requerem monitoramento próximo por risco de deterioração ou por que exigem cuidados intensivos no pós-operatório, pacientes com insuficiência respiratória tolerando ventilação não invasiva intermitente). Esses pacientes podem precisar ser internados na UTI se o gerenciamento precoce falhar para evitar a deterioração ou se não houver capacidade de semi-intensiva no hospital.

Prioridade 4

Pacientes, como dito acima, mas com menor probabilidade de recuperação/ sobrevivência (por exemplo, pacientes com doença metastática de base) que não desejam ser intubados ou ressuscitados. Como acima, se o hospital não tiver capacidade de semi-intensiva, esses pacientes poderiam ser considerados para UTI em circunstâncias especiais.

Nível de

atendimento Prioridades Tipo de Paciente

Cuidado

Paliativo Prioridade 5

Pacientes terminais ou moribundos sem possibilidade de recuperação; em geral, esses pacientes não são adequados para a admissão na UTI (a menos que sejam potenciais doadores de órgãos). Nos casos em que os indivíduos tenham recusado terapia intensiva de modo individual ou tenham processos irreversíveis, como câncer metástico, sem quimioterapia adicional ou opções de radioterapia, os cuidados paliativos devem ser oferecidos inicialmente.

Fonte: NATES, J. L. et al. ICU admission, discharge, and triage guidelines: A framework to enhance clinical operations, development of institutional policies, and further research. Critical Care Medicine, v. 44, n. 8, p. 1553-1602, 2016.

Um grupo brasileiro desenvolveu um algoritmo para auxiliar essa classificação por níveis de prioridades baseado em 4 perguntas (RAMOS et al., 2016):

1) A internação em UTI foi solicitada visando intervenção imediata ou monitoramento?

– Intervenção: necessidade de drogas vasoativas, ventilação mecânica ou diálise em paciente instável – Monitorização: pacientes cirúrgicos de alto risco, síndromes coronarianas agudas e AVC pós trombólise 2) Apresenta comorbidades? Resposta estratificada em níveis:

– Sem comorbidades;

– Comorbidades compensadas; – Comorbidades descompensadas;

– Doença avançada com sobrevida estimada em meses (por exemplo: câncer metastático, ICC estagio D, DPOC dependente de O2 com dispneia em repouso a despeito de medicação, IRC estágio 5 com contraindicação de diálise, cirrose Child C com contraindicação de transplante hepático, demência avançada com complicações) – nota: ver capítulo “Avaliação de Prognóstico: Considerações e Instrumentos Práticos” para ferramentes de sobrevida estimada.

3) Qual a funcionalidade do paciente conforme a escala de Katz de Atividades Básicas da Vida Diária (ABVDs - ver anexo)? Classificada como (LOPES et al., 2015):

– Independentes (pacientes capazes de realizarem as 6 ABVDs da escala de Katz); – Parcialmente dependentes (pacientes que conseguem executar 3 a 5 ABVDs); – Totalmente dependentes (pacientes capazes de no máximo 2 ABVDs).

4) Prognóstico intuitivo – qual o desfecho pós-UTI que o médico solicitante considera mais provável? Classificado como:

– Sobreviva sem sequelas graves; – Sobreviva com sequelas importantes;

O algoritmo proposto identifica os pacientes conforme o guideline da SCCM. A partir das perguntas descritas o algoritmo classifica os pacientes em ordem crescente de prioridade para admissão em UTI conforme descrito na tabela a seguir.

Tabela 14.

Algoritmo de priorização e admissão em UTI de RAMOS et al. (2016)

Prioridade Descrição

5

Doença crônica com frequentes descompensações e dependência importante OU Doença crônica em fase avançada E dependência importante OU parcial OU Doença crônica em fase avançada E independência funcional

E prognóstico de não sobreviver à UTI

4

Pacientes com solicitação de vaga para monitorização E Doenças crônicas controladas e dependência importante OU

Doença crônica com frequentes descompensações E dependência parcial OU Doenca crônica em fase avançada E independência

funcional E prognóstico de sobreviver à UTI

3 Todos os outros pacientes com solicitação de vaga para monitorização

2

Pacientes com necessidade de intervenção ativa E

Doenças crônicas controladas e dependência importante OU

Doença crônica com frequentes descompensações E dependência parcial OU Doença crônica em fase avançada E independência

funcional E prognóstico de sobreviver à UTI

1 Todos os outros pacientes com necessidade de intervenção ativa

Fonte: Adaptado de (RAMOS, J. G. R. et al. Development of an algorithm to aid triage decisions for intensive care unit admission: A clinical vignette and retrospective cohort study. Critical Care, v. 20, n. 1, p. 1–9, 2016. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1186/s13054-016-1262-0>.)

Este algoritmo mostrou validade e confiabilidade quando comparado à avaliação por um painel de especialistas (RAMOS et al., 2016) e posteriormente em estudo prospectivo em hospital terciário brasileiro foi associado à redução de admissões potencialmente inadequadas na UTI (RAMOS et al., 2019).

No Brasil, em 2016 o Conselho Federal de Medicina publicou a Resolução nº 2156/2016, que versa sobre critérios de admissão e alta da UTI. Esta resolução, que conta com o apoio da Associação de Medicina Intensiva Brasileira, estabelece critérios de priorização de admissão na unidade de tratamento intensivo e tem lógica similar ao guideline da SCCM:

• Prioridade 1: Pacientes que necessitam de intervenções de suporte à vida, com alta probabilidade de recuperação e sem nenhuma limitação de suporte terapêutico.

• Prioridade 2: Pacientes que necessitam de monitorização intensiva, pelo alto risco de precisarem de intervenção imediata, e sem nenhuma limitação de suporte terapêutico.

• Prioridade 3: Pacientes que necessitam de intervenções de suporte à vida, com baixa probabilidade de recuperação ou com limitação de intervenção terapêutica.

• Prioridade 4: Pacientes que necessitam de monitorização intensiva, pelo alto risco de precisarem de intervenção imediata, mas com limitação de intervenção terapêutica.

• Prioridade 5: Pacientes com doença em fase de terminalidade, ou moribundos, sem possibilidade de recuperação. Em geral, esses pacientes não são apropriados para admissão na UTI (exceto se forem potenciais doadores de órgãos). No entanto, seu ingresso pode ser justificado em caráter excepcional, considerando as peculiaridades do caso e condicionado ao critério do médico intensivista.

Além disso, a resolução fala que os pacientes classificados como Prioridade 2 ou 4 devem preferencialmente ser admitidos em unidades de cuidados intermediários (semi-intensivas) e que os pacientes classificados como Prioridade 5 devem preferencialmente ser admitidos em unidades de cuidados paliativos (CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, 2016).

O raciocínio sobre a proporcionalidade de medidas é complexo e multifatorial. Ele deve envolver parâmetros técnicos e também os valores do paciente em questão. Não existe uma medida única do que é “benéfico” ou “valioso”, especialmente em uma sociedade plural. Decisões sobre tratamentos potencialmente inapropriados exigem julgamentos complexos que levem em consideração as concepções pessoais do que dá sentido à vida dos pacientes, familiares e dos profissionais de saúde. A maioria dos conflitos entre equipe e familiares pode ser resolvida através do diálogo contínuo ou com a ajuda de um especialista em ética ou cuidados paliativos. A maioria das divergências não se deve a conflitos de valores profundos, mas sim à comunicação e suporte inadequados diante de uma doença ameaçadora da vida (ARNOLD e FINLAY, 2014).

No documento Manual de Cuidados Paliativos (páginas 69-72)