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Diretivas Antecipadas de Vontade e Planejamento Avançado de Cuidados

No documento Manual de Cuidados Paliativos (páginas 93-98)

Anexo 1 – Escala de Katz: Adaptação Transcultural

10. Diretivas Antecipadas de Vontade e Planejamento Avançado de Cuidados

Objetivo: Descrever o que é e como realizar o planejamento de cuidados e a comunicação

com o paciente sobre diretivas antecipadas de vontade.

10.1. Diretivas Antecipadas de Vontade

As diretivas antecipadas de vontade são instruções escritas realizadas pelo paciente maior de idade (18 anos ou mais), com autonomia e capacidade de decisão preservadas, sobre como devem ser tomadas decisões de tratamento médico quando esta pessoa não tiver mais condições para tal (DADALTO; TUPINAMBÁS; GRECO, 2013). Sua aplicação está relacionada com doenças sem possibilidade curativa ou quadros clínicos com danos irreversíveis. A definição das diretivas antecipadas é um processo dinâmico que deve ser revisado periodicamente quando decisões clínicas precisam ser tomadas e, principalmente, no momento da admissão hospitalar (DADALTO; TUPINAMBÁS; GRECO, 2013).

No Brasil, o respaldo ético encontra-se na Resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) nº 1995/2012, que dispõe sobre as diretivas antecipadas de vontade dos pacientes e diz o seguinte (CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, 2012):

Art. 1: Definir diretrizes antecipadas de vontade como “conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestados pelo paciente, sobre cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber no momento em que estiver incapacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade.”

Art. 2: Nas decisões sobre cuidados e tratamentos de pacientes que se encontram incapazes de comunicar-se, ou de expressar de maneira livre e independente suas vontades, o médico levará em consideração suas diretivas antecipadas de vontade.

Parágrafo 1: Caso o paciente tenha designado um representante para tal fim, suas informações serão levadas em consideração pelo médico.

Parágrafo 2: O médico deixará de levar em consideração as diretivas antecipadas de vontade do paciente ou representante legal, caso em sua análise, as mesmas estejam em desacordo com o Código de Ética Médico.

Parágrafo 3: As diretivas antecipadas do paciente prevalecerão sobre qualquer outro parecer não médico, inclusive sobre os desejos dos familiares.

Parágrafo 4: O médico registrará, no prontuário, as diretivas antecipadas de vontade que lhes foram diretamente comunicadas pelo paciente.

Parágrafo 5: Não sendo conhecidas as diretivas antecipadas do paciente, não existindo um representante legal e havendo desacordos entre familiares, o médico deverá recorrer ao Comitê de Bioética da Instituição ou, na falta deste, à Comissão de Ética Médica do hospital ou ainda ao Conselho Regional e Federal de Medicina para fundamentar sua decisão sobre os conflitos éticos existentes.

O médico deverá registrar em prontuário as diretivas antecipadas de vontade que foram comunicadas diretamente pelo paciente; não exige a presença de testemunhas ou que o documento seja firmado em cartório. É importante que o médico possa estimular a elaboração das diretivas antecipadas de vontade com o paciente utilizando uma linguagem clara e esclarecendo dúvidas sempre que existirem (THOMPSON, 2015). Portanto, o registro das diretivas antecipadas permite que a equipe tenha suporte ético na tomada de decisão. As diretivas são usadas quando o médico verifica que o paciente não possui mais capacidade de decidir sobre seu plano de cuidados devido ao seu estado clínico.

As diretivas costumam ser lembradas no contexto de pessoas idosas ou gravemente adoecidas, mas idealmente todos os adultos deveriam preparar diretivas antecipadas pois estas podem ajudar em situações de enfermidades agudas e graves (THOPSON, 2015).

10.2. Testamento Vital

No Brasil, o termo testamento vital costuma ser utilizado quando o documento é registrado em cartório. Trata-se de documento que uma pessoa com discernimento e civilmente capaz (maior de 18 anos) redige sobre quais tratamentos e procedimentos médicos quer ou não quer ser submetida. Tipicamente, o testamento vital inclui decisões sobre utilização de medidas artificiais de suporte à vida, como diálise, entubação orotraqueal e uso de droga vasoativa. Pode incluir outras opções de cuidado (hospitalização, uso de sonda nasoenteral, uso de quimioterapia etc.). É aplicado para pacientes gravemente enfermos e incapacitados. É indicado que o testamento vital seja construído com o auxílio de um médico de confiança, que apenas irá orientar tecnicamente (cuidados obrigatórios e não obrigatórios; procedimentos) e sem impor sua vontade e/ou seus interesses. Se possível, deve ser consultado um advogado com experiência no tema para esclarecimento de dúvidas jurídicas (orientação quanto ao lavramento de escritura pública perante tabelião de notas). É válido até que o paciente o cancele (FRUTIG; GUIMARÃES, BRANCO, 2015; THOMPSON, 2015).

Também existe a possibilidade de mandato duradouro, em que o paciente elege um representante, que é alguém em quem confia, para que tome decisões sobre seus cuidados médicos quando este não for mais capaz de tomá-las, respeitando os desejos expressos anteriormente (DADALTO; TUPINAMBÁS; GRECO, 2013).

10.3. Como Iniciar a Abordagem sobre Diretivas Antecipadas

• Ao contato com o paciente, de maneira empática, deve-se explorar pensamentos, valores e objetivos

• Perguntar ao paciente se ele já pensou alguma vez sobre como gostaria de ser cuidado caso tivesse uma doença grave ou algum problema irreversível.

• Estimular sempre que possível o diálogo entre paciente e familiares.

• Focando em estabelecer relação emocional de segurança com o paciente, afirmar que existem formas seguras de registrar este desejo de como quer ser cuidado.

• Deve-se deixar claro que as diretivas antecipadas de vontade podem ser alteradas e realizados novos registros.

10.4. Planejamento Avançado de Cuidados

Planejamento avançado de cuidados é um processo no qual pacientes, familiares e equipe de saúde definem objetivos de cuidados e tratamentos futuros, baseando-se nos desejos e valores do paciente e em questões técnicas (RIETJENS et al., 2017; EPSTEIN, 2018; DETERING; SILVEIRA, 2020).

Preconiza-se que o planejamento de cuidados seja feito através de tomada de decisão compartilhada, isto é, a equipe de saúde deve ter uma escuta ativa, entender como o paciente e a família estão compreendendo o processo de adoecimento, buscar ouvir sobre a história de vida do paciente, quais são as coisas que mais importam para ele e o que faz com que a sua vida tenha sentido (RIETJENS et al., 2017).

Além disso, os profissionais (mais frequentemente o médico) devem prover o paciente com informações sobre seu diagnóstico, prognóstico e opções de tratamento, os riscos e benefícios de cada uma delas (RIETJENS et al., 2017; DETERING; SILVEIRA, 2020).

A ideia é que unindo as informações biográficas e de valores do paciente às questões técnicas do cuidado se construa um planejamento de cuidados individualizado que faça sentido para aquela pessoa, tanto em termos de medicina baseada em evidência como em termos pessoais.

O principal objetivo do planejamento de cuidados é garantir que a medida que o quadro avance o paciente receba tratamentos e cuidados de saúde em consonância com as suas preferências (RIETJENS et al., 2017; AGARWAL; EPSTEIN, 2018).

Para tanto, realizar o planejamento envolve discutir os seguintes assuntos:

1. Valores de vida e desejos de cuidado do paciente e da família; 2. Possíveis situações clínicas e respectivos desfechos;

3. Opções de tratamento;

4. Diretivas antecipadas de vontade; 5. Opções de cuidados de fim de vida.

O planejamento permite que em um momento de piora clínica, no qual o paciente não consiga se expressar, a família tome decisões baseadas nas preferências discutidas anteriormente com ele (DETERING; SILVEIRA, 2020). Isto ajuda a minimizar o sofrimento, pois reduz o stress relacionado à tomada de decisão no momento de crise e facilita o enfrentamento do processo de finitude de seu ente querido (DETERING; SILVEIRA, 2020).

O planejamento é uma construção em conjunto que pode ser iniciada em qualquer momento da vida do indivíduo. O conteúdo do planejamento vai variar conforme a condição de saúde em que o paciente se encontra, desde um contexto de ausência de sintomas da doença até uma situação de terminalidade. Isso inclui conversar com pacientes enquanto recebem tratamento modificador de doença. De qualquer forma, o planejamento é um constructo que deve ser revisado regularmente, principalmente quando há mudança no quadro clínico do indivíduo ou após a admissão do paciente no hospital, para verificar se ele mantém ou não as suas preferências de cuidados ou se gostaria de acrescentar alguma nova informação (RIETJENS et al. 2017; AGARWAL; EPSTEIN, 2018).

O ideal é que essa conversa seja feita enquanto o paciente ainda tenha capacidade para decidir sobre si, mas também pode ser feita com os familiares ou representante legal, caso a pessoa não consiga mais responder. Etapas do planejamento (DETERING; SILVEIRA, 2020):

1. Avaliar a capacidade do paciente em tomar decisões. Em pacientes com depressão descompensada, idealmente tratar primeiro o quadro de humor.

2. Deve-se perguntar para o paciente se ele quer ser envolvido nos processos de tomada de decisão ou se prefere que a equipe fale com um familiar; se for apropriado, estimular o paciente a chamar familiares para a conversa.

3. Obter permissão: convidar o paciente para conversar sobre seu quadro atual e cuidados futuros.

4. Estabelecer o ponto de início: checar entendimento do paciente e seus familiares sobre sua doença e trazer todos para a mesma página, isto é, uniformizar as informações de maneira que todos entendam o momento atual.

5. Explorar crenças e valores: procurar entender o que é viver bem para uma pessoa e qual a expectativa dela em relação ao tratamento.

6. Ao dar informações evitar termos técnicos ou eufemismos: procurar ser claro e objetivo ao passar as informações sobre o estado de saúde atual e quais escolhas ele poderá encarar no futuro (a depender da doença de base do paciente).

7. Introduzir assuntos sobre tratamentos invasivos: questionar o paciente se ele já parou para pensar em como gostaria de ser cuidado, que tratamento gostaria de receber. Algumas pessoas têm experiências prévias de familiares sobre reanimação e intubação e esta pode ser uma forma de introduzir o assunto. 8. Explicar os riscos e benefícios das diferentes opções de tratamento. Esclarecer quando medidas

9. É importante lembrar que esses assuntos devem ser colocados de forma gradativa. Não é preciso e dificilmente se consegue definir tudo em uma conversa. O planejamento de cuidados é uma construção, só se consegue abordar priorização de medidas de conforto em detrimento de medidas invasivas, por exemplo, com um paciente/família que já tenham compreendido estar lidando com um diagnóstico incurável avançado cujos tratamentos não estão dando bons resultados.

10. Após ponderar os aspectos pessoais e técnicos envolvidos é que se constrói o planejamento de cuidados avançado, o qual deve ser compartilhado entre equipe de saúde e paciente/família.

11. É interessante que nesse processo se pergunte ao paciente também quem ele gostaria que fosse abordado sobre tomada de decisões de tratamentos, no caso dele não conseguir falar por si.

12. Outro ponto importante é disseminar as escolhas: se perceber que é apropriado, estimule o paciente a conversar com seus familiares sobre suas preferências de cuidado.

13. Sempre registrar as preferências em prontuário para que toda a equipe responsável pelo paciente tenha acesso ao que foi discutido.

14. Lembrar de rever as preferências do paciente periodicamente, principalmente após o paciente ter ficado internado e em caso de piora clínica.

Veja no “Anexo - Exemplo Práticos de Diálogos” do capítulo de “Comunicação de Más Notícias: Como Abordar Esse Desafio” alguns exemplos práticos de como abordar essas questões.

Referências

AGARWAL, R.; EPSTEIN, A.S. Advance Care Planning and End-of-Life Decision Making for Patients with Cancer. Semin. Oncol. Nurs., v. 34, n.3, p. 316-326. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/ PMC6156999/. Acesso em: 31 mar. 2020.

CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução CFM n° 1.995/2012. Dispõe sobre as diretivas antecipadas de vontade dos pacientes. 2012. Disponível em: https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/ BR/2012/1995. Acesso em: 26 mar. 2020.

DADALTO, L.; TUPINAMPÁS, U.; GRECO, D. B. Diretivas antecipadas de vontade: um modelo brasileiro. Rev. bioét., v. 21, n. 3, p. 463-476, 2013. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/bioet/v21n3/a11v21n3.pdf. Acesso em: 25 mar. 2020.

DETERING, K.; SILVEIRA, M.J. Advance care planning and advance directives. ARNOLD, R.M.; GIVENS, J. (ed.). UpToDate. Waltham, MA: UpToDate Inc., 2020. Disponível em: https://www.uptodate.com/contents/advance- care-planning-and-advance-directives. Acesso em: 31 mar. 2020.

FRUTIG, M.A.; GUIMARÃES, T.V.V.; BRANCO, T.P. Diretivas antecipadas de vontade: testamento vital. In: MARTINS, M.A. (org.). Manual do Residente de Clínica Médica. Barueri: Manole, 2015. p. 1215-1219.

RIETJENS, J.A.C. et al. Definition and recommendations for advance care planning: an international consensus supported by the European Association for Palliative Care. Lancet Oncol., v. 18, v.9, p. 543-551, 2017. Disponível em: https://www.thelancet.com/journals/lanonc/article/PIIS1470-2045(17)30582-X/fulltext. Acesso em: 25 mar. 2020.

THOMPSON, A.E. Advance Directives. JAMA, v. 313, n. 8, 2015. Disponível em: https://jamanetwork.com/journals/ jama/fullarticle/2130319. Acesso em: 25 mar 2020.

11. Particularidades da Comunicação no

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