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VI Estrutura da tese

PARTE 1 – CONVERGÊNCIA JORNALÍSTICA E ROTINAS DE PRODUÇÃO

1. CONCEITO FLUIDO DE CONVERGÊNCIA: UMA DEFINIÇÃO MULTIDIMENSIONAL

2.1 A produção da notícia no contexto histórico: o newsmaking

A discussão sobre convergência jornalística coloca como um dos aspectos centrais em termos de transformações o entorno das “rotinas de produção da notícia” diante da condição multitarefa assumida e a flexibilidade exigida para distribuição por multiplataformas. Neste sentido é mais que relevante uma compreensão do fazer jornalístico em meio às mutações que assistimos. As rotinas de produção são conceituadas como um processo padronizado ou atividades repetitivas que caracterizam a prática jornalística nas redações configurando as funções exercidas do trabalho. Essas rotinas são condicionadas por alguns fatores como tecnologia, regras internas e cultura da profissão, além de baseadas em critérios de noticiabilidade ou de valores-notícia. Para os estudos do jornalismo, ou da sociologia da notícia e do trabalho, o enquadramento tem aparecido como teoria do newsmaking por se preocupar com esses processos rotinizados de produção.

As rotinas são práticas já estabelecidas que funcionam para organizar a maneira com a qual percebemos e funcionamos no entorno social. Nos ocupamos aqui, portanto, dessas normas, regras e procedimentos vigentes, estruturados e profundamente enraizados no trabalho dos meios de comunicação (REESE, 1999, p.60).61

Tuchman (1973), no artigo clássico sobre o assunto “Making News by Doing Work: Routinizing the Unexpected”, tipifica o processo de rotinização nas organizações jornalísticas como forma de “controle” do trabalho para facilitar a realização das tarefas e o controle do fluxo de trabalho e do que se tem para fazer em termos de atividades. Para Becker e Vlad (2009) o conceito de rotina de produção de notícia tem variado na literatura ao longo do tempo sem uma estabilização conceitual para o tema. “Os pesquisadores têm se desdobrado para identificar as características das rotinas de produção que variam ao longo do tempo, por meio dos cenários, entre as organizações de mídia e entre os jornalistas." (BECKER; VLAD,

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Las rutinas son prácticas ya establecidas que funcionan para organizar la manera en que percibimos y funcionamos en el entorno social. Nos ocupamos aquí, por lo tanto, de esas normas, reglas y procedimentos vigentes, estructurados y profundamente enraizados en la labor de los medios” (REESE, 1999, p.60, tradução nossa).

2009, p.59).62 Em parte, essas variações decorrem das inovações tecnológicas que adentraram as redações tendo em vista que as “rotinas são ditadas pela tecnologia, deadlines, espaço e normas.”63. Ainda quanto à definição, Shoemaker e Reese (1996 apud BECKER; VLAD, 2009, p.61), consideram as seguintes convenções fixadas para as rotinas:

Os profissionais de mídia se utilizam destas padronizações, routinizações, repetições, práticas e formas durante a execução de seu trabalho. […] As atividades dessas rotinas são distribuídas considerando as limitações de tempo e espaço de forma a atender o consumidor de notícias com produto aceitável e eficiente.64

A partir dessa construção conceitual, aportamos com as pesquisas que delimitam sobre rotinas de produção da notícia nas redações ao longo desses estudos remontando à década de 1970 (TUCHMAN, 1978; GANS, 1979; FISHMAN, 1996; EPSTEIN, 1974) dentro da sociologia da notícia. Com abordagem etnográfica, a teoria do newsmaking foi a principal perspectiva de análise sobre as práticas jornalísticas dos meios de comunicação de massa, principalmente jornais e televisão, desvendando os processos de construção da notícia em termos de rotinas, no lidar com as fontes, nos processos de negociação e nas percepções da atividade jornalística. A abordagem etnográfica permitiu, com as ferramentas antropológicas, compreender, via observação participante e entrevistas, as práticas jornalísticas e a cultura profissional das redações (WOLF, 2009). Assim, tornou-se possível identificar as apropriações técnicas dos artefatos utilizados para o trabalho e todas as relações estabelecidas no interior do “campo” em termos de seleção e edição do material ou da transformação do acontecimento em notícia (RODRIGO ALSINA, 2009), através dos critérios de noticiabilidade e do conjunto de valores-notícias que os formata (TRAQUINA, 2005; WOLF, 2009).

A observação de que jornalistas e organizações jornalísticas seguem rotinas definidas na produção da notícia tem significativo impacto sobre os estudos do trabalho de notícia. A identificação destas rotinas tem contribuído para um maior argumento teórico na literatura para compreensão de que as notícias deveriam ser

62Researchers have struggled to identify elements of the routines that vary across time, across settings, among

media organizations and among journalists." (BECKER; VLAD, 2009, p.59, tradução nossa).

63“routines are dictated by technology, deadlines, space and norms.”(BECKER; VLAD, 2009, p.61, tradução

nossa).

64“Those patterned, routinized, repeated, practices and forms the media workers use to do their jobs. […] The

job of these routines is to deliver within time and space limitations, the most acceptable product to the consumer in the most efficient manner”. (BECKER; VLAD, 2009, p.61, tradução nossa).

vistas como construção social da realidade em vez de um espelho dos acontecimentos, que já teve seu lugar teórico (BECKER; VLAD, 2009, p.59).65

Estabelece-se aqui o contexto do inventário das rotinas de produção tradicionais e o estado da arte contemporâneo, com suas novas perspectivas baseadas na conjuntura apresentada para caracterizar os estudos do newsmaking66 nas redações e suas reconfigurações diante da ampliação da mobilidade e do processo de digitalização e de convergência jornalística nas redações online ou integradas. Delimitamos uma aproximação da discussão com o objeto de estudo de forma a apontar as contribuições e avanços que a tese propõe em relação às pesquisas conduzidas em torno do processo de produção da notícia nas organizações midiáticas, com ênfase no aspecto em torno das características do jornalismo digital e o uso de novas plataformas de produção e de redefinição do perfil profissional e de reorganização espacial das redações (SALAVERRÍA; NEGREDO, 2008) apontando, conforme argumentamos, para a reconfiguração das rotinas jornalísticas. No atravessamento dessas mudanças, os conceitos de mobilidade, convergência e rotinas produtivas situarão a complexidade que se estabelece na construção da notícia nos meios de comunicação contemporâneos perante à multiplicidade de plataformas de produção, além das exigências por novas habilidades. Logo, discorreremos sobre as duas principais gerações dos trabalhos sobre o newsmaking para demarcação do terreno dos estudos.

A primeira onda (ou geração) dos estudos da sociologia do jornalismo (ou da notícia), baseado na teoria do newsmaking, ocorreu na década de 1970 (WAHL-JORGENSEN, 2010; BOYER, 2010), como mencionado acima, com Tuchman (1978), Fishman (1980), Gans (1978), Tunstall (1971), Epstein (1974), Golding e Elliot (1979) com pesquisas etnográficas nas redações acompanhando as atividades dos jornalistas e o making news da transformação do acontecimento em notícia. Esta fase inicial se concentra essencialmente nos Estados Unidos e, posteriormente, na Europa.

Uma segunda onda (ou segunda geração) dos estudos da sociologia da notícia ocorre na década de 1990 com a digitalização dos processos das mídias eletrônicas, a informatização

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The observation that journalists and media organizations follow identifiable routines in producing the news has had significant impact on the study of news work. The identification of these routines has contributed to a major theoretical argument in the literature, namely that news should be viewed as constructed social reality rather than a mirror image of events that have taken place.” (BECKER; VLAD, 2009, p.59, tradução nossa).

66 Benetti (2009, p.275), na definição de produção da notícia, fecha cerco em torno das perspectivas do

newsmaking como uma acepções “que buscam compreender os processos de construção da pauta, os

procedimentos de definição e seleção de fontes, as técnicas de apuração, de redação e de edição, os critérios utilizados para definir o que é notícia, a inserção do jornalista na organização em que trabalha, a imagem que os jornalistas possuem da profissão, como essa imagem interfere na produção noticiosa”

das redações e o surgimento do jornalismo digital com as redações online (DEUZE, 2002; BOCZKOWISKI, 2005; KLINENBERG, 2005) e no Brasil (MACHADO, 2003, 2007; AFONSO JUNIOR, 2003; BARBOSA, 2007; PALACIOS, 2002, 2003, 2007) e mais recentemente (ALMEIDA, 2009; JORGE, 2007; DOMINGO, 2006). Estes estudos mais recentes focam, de alguma forma, no processo em curso de convergência jornalística ou de integração das redações tornando mais complexo o trabalho de campo das pesquisas pela necessidade de delinear as fronteiras além das exploradas nas primeiras pesquisas da sociologia da notícia.

A digitalização na produção da notícia, a implantação de sistemas automatizados (SCHWINGEL, 2008, 2010), de plataformas de gerenciamento do conteúdo, a inserção de tecnologias móveis conectadas para o fazer jornalístico (WALTER LIMA JR., 2010), o aumento exponencial de aplicações para comunicação (mensageiros instantâneos, voz sobre IP) e apuração e distribuição de conteúdo alteram significativamente a prática jornalística e, consequentemente, o espectro para o pesquisador durante o trabalho de campo. Entretanto, devemos compreender o fenômeno além do condicionamento tecnológico e a partir da perspectiva líquida do trabalho jornalístico (DEUZE, 2008, 2011) considerando os diversos agentes, instituições e culturas embarcadas nos processos.

O momento atual indica essa metamorfose em decorrência da conjuntura dinâmica que o jornalismo se apresenta em vários níveis de atuação e de desenvolvimento de produtos inovadores que demandam novas práticas e novos aportes teóricos para acercar suas condições. Assim, um olhar sobre as bases tradicionais e sobre a abordagem da questão se lança para caracterizar os novos elementos e como eles influenciam nos estudos das rotinas de produção no contexto atual.