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2.2.1 (Des)centralidade das redações: entre o estável e a flexibilidade líquida

O JORNALISMO MÓVEL DIGITAL (MOJO)

3.4 Jornalismo locativo, hiperlocal e geolocalizado

A mídia locativa caracteriza-se pela infocomunicação baseada em artefatos como tecnologias sem fio124 como demarcação do lugar como sentido (LEMOS, 2008). As diversas práticas (artísticas, ativistas, de vigilância) atreladas ao termo posicionam uma representação para esse movimento que desencadeia processos vinculados às tecnologias móveis e ao espaço urbano. Essa funcionalidade da mídia locativa e da formatação do território informacional visa dar sentido ao lugar através da prática associada à “relação entre lugares e dispositivos móveis” (LEMOS, 2008).

Essa mesma relação estabelecida na mídia locativa se faz presente no jornalismo através do uso desse conjunto de artefatos voltados para determinar a localização da notícia emitida e da aproximação com o lugar contextualmente transparente através de mapas de geolocalização indicando a visibilidade específica de onde o fato é relatado para construção do sentido para a notícia. Novos termos surgiram para definir esse diálogo entre jornalismo e localidade dentro da perspectiva das funções que agregam anotações, mapeamentos, tags geolocalizadas. As análises sobre o uso das plataformas móveis no jornalismo se expandem

technology refers to something that is portable,i.e. a laptop or mobile phone, while wireless technology refers to the ability to access networks” (VAINIO et al., 2008, p.25, tradução nossa).

124

Lemos (2008) enquadra como tecnologias sem fio para mídia locativa GPS, palms e laptops, celulares, redes wi-fi, bluetooth, Wi-Max, etiquetas RFID.

para essa infraestrutura tecnológica que associa ao fenômeno as novas territorialidades e o “lugar na comunicação” (MEDEIROS, 2011) diante das novas geografias com as condições encadeadas pela elasticidade das tecnologias da mobilidade.

Nyre et al. (2012) defendem que o jornalismo locativo indica a necessidade de reinterpretação dos critérios do jornalismo tradicional com a introdução de smartphones e

GPS na produção da notícia com zona de proximidade através do estabelecimento de uma

nova relação baseada no entrosamento entre jornalismo e cartografia. “Ao contrário do jornal impresso, o smartphone permite que as notícias se adaptem à mudança enquanto os leitores se movimentam em torno do ambiente” (NYRE et al., 2012, p.298).125

Para os autores, o jornalismo local construiria uma conexão mais sensitiva para os leitores com a consideração em mapas da localização da notícia, ou seja, jornalismo baseado em localização com camadas que oferecem visibilidade contextual para compreensão da história narrada (figura 20). “Nós propomos a ideia de que o jornalismo local migre para os telefones móveis porque esta plataforma permite as redações locais responderem mais sensitivamente que antes considerando os movimentos dos leitores baseados em sua localização.” (NYRE et al., 2012, p.299).126

Figura 20 – smartphones na produção da notícia e os estudos acadêmicos

Fonte: BBC Academy127

125 “In contrast to the printed newspaper, the smartphone allows the news to change as the readers move around

in their environment” (NYRE et al., 2012, p.298, tradução nossa). 126

We propose that local journalism migrate to the mobile phone because this platform allows local newsrooms to respond more sensitively than ever to the readers’ movements through their surroundings”(NYRE et al., 2012, p.299, tradução nossa).

Para aprofundar o entendimento desta nova conjuntura constituída pela relação jornalismo e mobilidade operacionalizada pela lógica técnica vigente, visualizamos o desdobramento do jornalismo móvel por outras possibilidades como o jornalismo locativo (hiperlocal, geolocalizado) que vincula suas práticas à mobilidade e à noção de lugar das mídias locativas. Tanto o jornalismo móvel quanto o jornalismo locativo apresentam definições tênues e atuações interdependentes, híbridas, cruzadas. O primeiro aspecto, como já exploramos, refere-se ao trabalho do repórter em campo em condições de mobilidade com uso de tecnologias móveis. O segundo parte do mesmo princípio, mas leva em consideração o lugar na comunicação (MEDEIROS, 2011; LEMOS, 2008), o aspecto de proximidade com a comunidade e, doravante, pode explorar tags de geolocalização nas notícias através de GPS para demarcar o lugar como fator de noticiabilidade. O Twitter, Facebook e o Foursquare128

(figura 21) são exemplos de aplicações acionadas por dispositivos móveis e com a exploração da mobilidade, a incorporação da característica hiperlocal. Com as tecnologias móveis “os espaços passam a ser geolocalizados e a comunicação acessível em qualquer lugar, em qualquer tempo, em qualquer máquina” (SQUIRRA, 2011, p.269).

Figura 21– Foursquare e a geolocalização para o jornalismo

Fonte: Weeplaces129

128 Uso jornalístico do jornalismo locativo disponível em http://10000words.net/2010/08/location-location-

location-how-journalists-can-use-location-based-social-media/ e apropriações do Foursquare para o jornalismo disponível em http://onlinejournalismblog.com/2010/04/26/foursquare-for-journalists/ acessos em 19 out. 2010

Estas duas categorias (móvel e locativo) se alimentam da mesma estrutura, ou seja, as tecnologias móveis digitais e as conexões sem fio. Vale salientar que nem sempre verificamos este funcionamento de uma forma sistemática e integrada ao processo jornalístico nas empresas de comunicação de caráter tradicional, entretanto, há experiências variadas na rede digital visando a sua potencialização. De forma integrada ou isolada, é importante considerar que uma reflexão sobre a prática jornalística contemporânea deve levar em conta esta processualidade tipológica atuando no seu entorno.

O jornalismo móvel digital se apresenta como uma modalidade intrínseca ao “desejo” de um trabalho que possa ser exercido em condições de mobilidade pelos repórteres. Esta é uma característica própria do jornalismo que ganhou visibilidade durante coberturas de guerra e que agora se estrutura de uma forma consistente no vínculo com as redes digitais móveis tendo o celular como o dispositivo central, como enfatiza Deuze (2008):

O celular pode ser encarado como um caso específico de abordagem da experiência de vida, de trabalho e de lazer na Mediapolis: um dispositivo sem fio, conectado instantaneamente a uma rede global ou regional, personalizável de forma individual por meio de ringstones baixados para o aparelho e da interface do menu. Além disso, o aparelho pode ser utilizado como câmara digital, navegador web, mensageiro instantâneo, cliente de email, receptor de televisão, plataforma de games, tocador de música e sintonizador de rádio, ou seja, uma complexa convergência entre telefone, computador e telecomunicações num único artefacto (DEUZE, 2008, p. 13).130

O entendimento do dispositivo técnico (o celular), no seu aspecto de convergência, é central na compreensão do jornalismo móvel e do jornalismo locativo como práticas potencializadoras da produção em mobilidade. “O processo de produção se transforma no contexto de um cenário móvel que vislumbra o acesso e a produção ubíqua, permitindo publicação instantânea através dos dispositivos portáteis conectados às redes sem fio” (SILVA, 2009a, n/p).131

A constituição das redes como microblog Twitter e de geolocalização como

Foursquare apresentam uma função informacional e de fonte para jornalistas se pautarem,

130

The cell phone can be seen as a case in point for the experience of life, work and play in the mediapolis: a wireless device, instantaneously connected to a regional or even global networks, individually customizable through downloadable ringstones and menu interfaces, usable as digital camera, Web browser, instant messenger, e-email client, television set, gaming platform, music player, and radio tuner – signifying the complex convergence between the telephone, the computer, and telecommunications in a single artifact” (DEUZE, 2008, p.13, tradução nossa).

131 “The production process also transforms in the context of a mobile environment that enables ubiquitous

access and production, allowing instant publication via portable devices connected to wireless networks” (SILVA, 2009a, n/p, tradução nossa).

além da sua característica ubíqua e de inúmeras apropriações realizadas livremente. Os microblogs como o Twitter geram o jornalismo de proximidade (ZAGO, 2008) com a apropriação da mobilidade através de postagens via telefones móveis levando em questão a informação hiperlocal. Castilho (2009) posiciona a função do jornalista em outro patamar com a necessidade de estabelecimento de conversação junto ao público e fontes.

Para os repórteres e editores, a ampliação do uso do Twitter marca mais um passo na direção do fim da era do furo jornalístico. É também um novo empurrão no sentido da transformação dos profissionais em orientadores e contextualizadores das informações passadas ao público pelos tomadores de decisões e formadores de opiniões (CASTILHO, 2009, n/p).

Um exemplo está no caso do acidente ocorrido no rio Hudson (figura 22) 132 com o

avião Airbus A320 em 2009, nos Estados Unidos. A primeira imagem registrada do acontecimento é atribuída a um cidadão a partir de um aparelho iPhone e publicada no Twitter logo após. O noticiário, na sequência, se valeu dessa foto para a ilustração de suas matérias em jornais e portais de internet dentro da noção de jornalismo móvel digital participativo. 133

Figura 22 – A primeira imagem do acidente do avião no Rio Hudson clicada por iPhone

Fonte: reprodução134

132 Disponível em http://g1.globo.com/Noticias/Mundo/0,,MUL957846-5602,00-

EMPRESARIO+MOSTRA+RESGATE+DE+PASSAGEIROS+DE+AVIAO+EM+NOVA+YORK.html acesso em 15 jan. 2009

133 Estes projetos dos meios de mídia tradicionais supostamente participativos são discutíveis. Primeiro pelo fato

de que parte da produção amadora não é incorporada à rotina jornalística e ao conteúdo publicado sistematicamente pelo meio tendo em vista que canais específicos estabelecem estes distanciamentos. Segundo: os contratos de cessão de direitos sobre a obra produzida ao qual o usuário é submetido transfere totalmente para o meio todo o direito de uso do material criando uma situação anacrônica e uma falsa sensação de participação.

Portanto, o jornalismo locativo demarca-se pelo hiperlocal baseado em tecnologias de geolocalização que tragam o contexto local da notícia, a proximidade apontando para o conceito de mídias locativas (LEMOS, 2007; SANTAELLA, 2007). O lugar é um agregador relevante na notícia. Nesta interface entre o “móvel” e o “local”, Lemos (2008) projeta uma hibridação entre o jornalismo móvel (Mojo) e o jornalismo locativo (Lojo) devido à proximidade de abordagem.

Em pouco tempo estaremos assistindo a uma grande quantidade de experiência fundindo os dois tipos. O "Mojo" usa as redes sem fio e dispositivos móveis e ferramentas da Web 2.0 para produção, consumo e distribuição (em blogs, micro- blogs, live-streaming, bluetooth, smartphones, palms, GPS) de notícias em plataformas móveis. O exemplo mais recente é o uso de QRCodes pelo Jornal A Tarde como forma de ampliar conteúdo do jornal impresso por telefones celulares (LEMOS, 2008, n/p).

Jornalismo móvel, jornalismo locativo, jornalismo hiperlocal. Com a apropriação destas características foi lançado no Brasil, em 2009, o projeto LocastPOA135 (figura 23),

conforme retratado. A iniciativa, com propósito de produção de conteúdo jornalístico com características de ultralocalismo com uso de celulares com GPS, foi uma parceria entre o curso de Comunicação Social (Famecos) da PUC-RS, Massachusetts Institute of Technology (MIT) e jornalistas do Grupo RBS. As notícias, produzidas em vídeo, eram vinculadas a um mapa através de GPS, com a demarcação da localização de onde o fato acontece. Para isto os jornalistas utilizavam celulares e faziam a edição diretamente no aparelho e na hora136. Com

isto tem-se nessas experiências uma aproximação com a realidade das comunidades relatadas focada no contexto local. Sendo assim, observamos uma expansão dessas iniciativas que se relacionam com os tipos elencados expondo a complexidade para análise dentro do campo jornalístico com esta nova configuração envolvendo tecnologias móveis e processos de geolocalização.

135 Disponível em http://locast.mit.edu/civic acesso em 18 nov. 2009

136 Projetos relacionados à mídia locativas, geolocalização, mobilidade e jornalismo locativo vem sendo

desenvolvidos por alunos de graduação do professor André Lemos na UFBA como forma de apropriação das tecnologias e como forma de dar visibilidade a espaços urbanos, politizar os lugares. Exemplos são o Vila Brandão Existe [disponível em http://vbexiste.blogspot.com/ ] que utiliza QR Codes.

Figura 23 – LocastPOA alia produção jornalística instatânea com geolocalização

Fonte: LocastPOA (reprodução)137

As dimensões do nexo jornalismo e mobilidade a partir da interface com a localização representam múltiplos significados no contexto. Os exemplos apresentados ilustram a influência combinatória entre dispositivos como smartphones, conexão sem fio e tecnologias de geolocalização. Estes são elementos que compõem a nova cultura da mobilidade no enquadramento do jornalismo nessa complexa e relevante rede de potencialidades que as experiências relatadas expressam.