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VI Estrutura da tese

PARTE 1 – CONVERGÊNCIA JORNALÍSTICA E ROTINAS DE PRODUÇÃO

1. CONCEITO FLUIDO DE CONVERGÊNCIA: UMA DEFINIÇÃO MULTIDIMENSIONAL

1.2 Jornalismo digital e a convergência

A compreensão das mudanças em discussão sobre convergência no jornalismo remete, de alguma forma, aos anos 1990 com a internet se consolidando comercialmente e como rede de espaço de fluxos (CASTELLS, 1999), conduzindo o jornalismo para uma nova morfologia no que tange a sua lógica de funcionamento com produtos em formatos digitais para disponibilização e circulação, com o desenvolvimento do jornalismo digital e suas características centrais, como coloca Palacios (2002) em termos de multimidialidade, interatividade, hipertextualidade, customização/personalização, memória e instantaneidade/atualização contínua. 27

O primeiro aspecto dessa classificação, multimidialidade, relaciona-se à composição da notícia a partir dos diversos formatos presentes na mídia tradicional (áudio, vídeo, imagem, texto). É uma das características que mais se potencializa nos meios digitais; interatividade se apresenta através de novos recursos de interface e de participação mais ativa do público na produção jornalística. O jornalismo participativo é uma dessas dimensões vinculadas à interatividade; hipertextualidade compõe a base dos nós das notícias no jornalismo digital com interconexão de links que permita aprofundamento e densidade;

customização/personalização eleva o grau de participação do público em termos de definir

aspectos como apresentação de sua home, do conteúdo que deseja receber, entre outras possibilidades que a web flexibiliza na condição digital; memória funciona em pelo menos duas frentes: repositório da produção e acionamento de bases de dados dinâmicas para a

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Nesta pesquisa doutoral sobre jornalismo e mobilidade, das seis características do jornalismo digital apontadas, a instantaneidade/atualização contínua e a multimidialidade são as mais presentes em termos do trabalho em mobilidade com o uso de plataformos móveis. Essas duas características específicas se expandem com o jornalismo móvel porque os repórteres em campo são cada vez mais exigidos a enviar parciais da produção para alimentar o fluxo dos sites e dos canais móveis de forma mais constante. Para Palacios (2002), "a rapidez do acesso, combinada em meio à facilidade de produção e disponibilização propiciada pela digitalização da informação e pelas tecnologias telemáticas, permite uma extrema agilidade de atualização do material nos jornais da web". Além disso, a multimidialidade se sobressai com a produção de campo através do envio de elementos audiovisuais.

produção jornalística e a recuperação de informações no e para o jornalismo digital; e por último, instantaneidade/atualização contínua, que aumenta a velocidade da produção e a disponibilização de conteúdos na rede devido à combinação das redes telemáticas (computadores e telecomunicações) no processo de digitalização.

A compreensão dessas características desenvolve-se em meio à delimitação das fases evolutivas do jornalismo digital28 a partir da década de 1990, como bem define Mielkniczuk (2003) em sua tese de doutorado na UFBA, ao apresentar três gerações ou fases e suas respectivas formas de funcionamento: “webjornalismo de primeira geração”, primordialmente calcado na transposição de conteúdos das versões impressas para a internet sem um tratamento diferencial; “webjornalismo de segunda geração”, emerge no final da década de 90 e agrega características e potencialidades próprias da web numa busca de exploração da linguagem inerente ao meio; “webjornalismo de terceira geração”, vai além e, se aproveitando das novas condições da rede, como ferramentas de flash, banda larga e etc. incorpora recursos para a prática do jornalismo digital na rede com multimídia e outros elementos audiovisuais que permitam uma nova narrativa. Esta fase se inicia nos primeiros anos da década passada. Barbosa (2007) e Schwingel (2005), por sua vez, com a identificação da explosão e visibilidade das bases de dados enquanto recurso para a produção jornalística (MACHADO, 2007) em termos de estruturação, recuperação e visualização da informação vão apontar, partindo destas condições, uma “quarta geração” para o jornalismo digital tendo as bases de dados em operação na narrativa. Rodrigues (2009), ao analisar as infografias em base de dados em sua dissertação de mestrado, enquadra seu objeto nesta fase de desenvolvimento. Uma quinta fase pode ser compreendida como a emergência do jornalismo em plataformas móveis, que incorpora todas as características evolutivas das anteriores e acrescenta ainda a portabilidade, a mobilidade de produção e ainda de consumo, com novas formas de interagir

28Mielniczuk (2003), em meio a proliferação de nomenclaturas para definir o jornalismo praticado na Internet, sintetiza cinco termos: jornalismo eletrônico (fundamentado no uso de recursos eletrônicos), jornalismo digital (baseia-se no uso de tecnologia digital em sua operação e, portanto, constituído pelo processamento das informações através de bits); ciberjornalismo (demarcado pelo uso do ciberespaço para sua estruturação), jornalismo online (caracterizado pelo fluxo em rede e a transmissão dos dados, inclusive em condições de tempo real) e, por último, webjornalismo (que se particulariza exatamente pela prática através da web como especificidade). Compreendemos que a difusão de inúmeras nomenclaturas se deve à própria natureza do fenômeno de multifaces, mas que a maioria das denominações levam para o mesmo caminho: o jornalismo praticado na internet. Neste sentido, utilizaremos como representação dessa prática o termo jornalismo digital, por ser um dos mais correntes e, a nosso ver, mais adequados para delimitação das atuações jornalísticas nesse novo meio. Entretanto, é importante estar ciente de outras noções em torno do fenômeno.

em termos de interface (touch screen, acelerômetro, aplicações) relacionadas à tactilidade e interfaces hápticas29 (PALACIOS; CUNHA, 2012).

Estas condições mobilizaram, gradativamente, as iniciativas de aproximação entre os meios com o vislumbre da fusão de redações e, consequentemente, de propagação de notícias por multiplataformas. Com a consolidação do jornalismo digital e expansão das tecnologias móveis de comunicação (smartphones, tablets, e-readers, PDA’s), o ciclo se completou na direção do inevitável processo de convergência em busca do estabelecimento de uma cultura que operacionalizasse as práticas produtivas em torno do conceito e suas dimensões (profissional, de conteúdos, empresarial e tecnológica). Conforme Salaverría (2007), a Internet e o jornalismo digital passaram a ser o centro catalizador desse processo de convergência (figura 1), como se observa ao longo do tempo com a internet como plataforma crescendo entre os meios de comunicação para ocupar essa condição matriz para o fluxo de produção entre as multiplataformas.

Figura 1 – Internet e o jornalismo digital no centro do processo de convergência

Fonte: Salaverría (2007)30

De acordo com Salaverría e Negredo (2008), a definição de convergência é polissêmica, multifacetada e ambígua. Por isso, o desafio da própria construção conceitual diante de sua disseminação por diversas áreas do conhecimento. Além do aspecto fluido do

29Para interfaces hápticas os autores definem como “estímulos cinestésicos e de tato” em torno dos dispositivos móveis. Por conseguinte, a tactilidade imprime novas condições na interação com o conteúdo disponibilizado para plataformas móveis como tablets.

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Disponível em http://www.scribd.com/doc/5796872/powerpointconvergenciamultimediasalaverria acesso em 22 jan. 2008

conceito, como vimos, o processo de convergência nas redações aparece com nomenclaturas e estratégias as mais diversas por causa da interface com o jornalismo digital como as noções de “jornalismo integrado” (SALAVERRÍA; NEGREDO, 2008), “jornalismo multimídia” (DEUZE, 2004), “jornalismo cross-media” (ERDAL, 2009), “jornalismo convergente” (HUANG et AL, 2004; SALAVERRÍA; AVILÉS, 2008; QUINN, 2005) “multiplataforma” (PUIJK, 2008), “narrativas transmidiáticas” (JENKINS, 2009; SCOLARI, 2010), “convergência de mídias” (GRACIE LAWSON-BORDERS, 2006; DUPAGNE; GARRISON, 2006), “Jornalismo em rede/networked” (BECKETT, 2008; HEINRICH, 2011; PRIMO, 2011), entre outros significados distintos que aparecem na literatura e que geram essa interface com o jornalismo digital através da Internet como ponte de interligação entre os meios.

Diante do exposto até o momento e para efeito de compreensão da pesquisa, adotamos o conceito de “convergência jornalística” de Salaverría, Masip e García Avilés (2007, p.20) por apresentarem uma definição mais coesa com o processo e suas devidas escalas de implicações:

A convergência jornalística é um processo multidimensional que, beneficiada pela implementação generalizada de tecnologias digitais de telecomunicações, afeta ao âmbito tecnológico, empresarial, profissional e editorial dos meios de comunicação, propiciando uma integração de ferramentas, espaços, métodos de trabalho e linguagens anteriormente separadas, de forma que os jornalistas elaboram conteúdos que são distribuídos via múltiplas plataformas, considerando as linguagens específicas de cada uma.31

Estas características de multidimensionalidade geram o encaixe necessário para a modalidade de jornalismo móvel digital aqui abordada dentro dessa matriz de convergência englobando-se nos aspectos de rotinas de produção multitarefa adquiridos pelo repórter móvel com a função de produção para meios diversos através dos aparelhos portáteis carregados como ferramentas de trabalho. Estes dispositivos permitem uma condução de atividades multimídia e a emissão da notícia via redações virtuais conectadas sem fio nas zonas de acesso. Deste modo, a observação do processo nas redações e dos modelos adotados é um

31 “La convergencia periodística es un proceso multidimensional que, facilitado por la implantación generalizada

de las tecnologías digitales de telecomunicación, afecta al ámbito tecnológico, empresarial, profesional y editorial de los medios de comunicación, propiciando una integración de herramientas, espacios, métodos de trabajo y lenguajes anteriormente disgregados, de forma que los periodistas elaboran contenidos que se distribuyen a través de múltiples plataformas, mediante los lenguajes propios de cada una.” (SALAVERRÍA; MASIP; GARCÍA AVILÉS, 2007, p.20, tradução nossa).

ponto de discussão pertinente para historicizar esse novo paradigma e mapear as experiências, que cruzam essa relação interdependente entre convergência e mobilidade.

Entretanto, nessa discussão teórico-conceitual, vamos encontrar contraposições à implementação da convergência, ou seja, apontamentos para divergências (ERDAL, 2007) que contrabalançam com o entusiasmo exagerado por parte de alguns autores como Quinn (2005) e Negroponte (1995) e a necessidade de restabelecer uma percepção capaz de filtrar os dois lados do processo para uma análise equilibrada que sinalize os potenciais e os tensionamentos. É uma abordagem que não envolve somente a integração das redações mas, concomitantemente, uma mudança de postura e de cultura que afeta a cadeia produtiva no jornalismo (rotinas, organização espacial e de fluxos da redação, interação com o público, formas novas de apurar e distribuir informações por multicanais, novas formas de apresentação dos conteúdos, entre outros fatores).

O conceito de convergência adquire assim, nesse panorama do estado da arte, uma perspectiva heterogênea e operacionalmente complexa por constituir raízes abrangentes. Se em um primeiro momento, os meios de comunicação se desenvolveram e se estabeleceram de uma forma separada32, com a convergência o modelo parece se exaurir para fazer surgir, principalmente nos conglomerados midiáticos, a junção ou compartilhamento da produção cruzando os diferentes meios numa tentativa “transmidiática” de distribuição. Esta constatação nos leva a pensar da necessidade de adotar metodologias capazes de acercar as questões de uma forma mais eficiente para dentro do campo do jornalismo.

O jornalismo digital, em consonância com o processo de convergência, fez fluir a incorporação de formatos multimidiáticos (áudio, vídeo, imagens) na sua narrativa e, na fase de maturação, com o fluxo da produção atravessando os diferentes meios legitimou o seu modus operandi através da digitalização na articulação dessa passagem entre os meios tradicionais e os digitais. Logo, a fusão de redações tem levado em conta essa condição para o estabelecimento de estratégias que visam acomodar o fluxo produtivo entre as multiplataformas tendo o jornalismo digital como propulsor do contexto em desenvolvimento vinculado a novos modelos de estrutura das redações.

32 As pesquisas em comunicação ou em sociologia do jornalismo acompanharam ao longo do desenvolvimento

dos meios de comunicação de massa do século XX a tendência de submeter os estudos dos meios de forma também individualizada e, eventualmente, de forma comparada. Com a convergência midiática e a proliferação de plataformas de consumo de notícias, nos parece que uma nova corrente teórica se constitui para uma abordagem mais aberta e que perpasse um número maior de suportes para que seja possível uma compreensão mais apurada do funcionamento destes e da forma de circulação de conteúdos neste novo contexto.