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A PROGRESSIVIDADE PELA EMENDA CONSTITUCIONAL 29/2000

Não há estudo do princípio da progressividade tributária que se possa dizer minimamente aceitável sem que trate das alterações legislativas trazidas pela Emenda Constitucional 29/2000, que adicionou à redação do parágrafo primeiro do artigo 156 da Constituição Federal.

Anteriormente à sua vigência, o artigo em questão assim vinha prescrito:

“Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

I - propriedade predial e territorial urbana;

(...)

§ 1º O imposto previsto no inciso I poderá ser progressivo, nos termos de lei municipal, de forma a assegurar o cumprimento da função social da propriedade.”63

Em sua primeira redação, o parágrafo previa exclusivamente a progressividade no tempo a que alude o art. 182, §4º, II, também já presente na publicação original da Constituição da República, que é costumeiramente tratada como progressividade extrafiscal, mas não fazia menção à progressividade fiscal - aquela associada ao princípio da Capacidade Contributiva – mais semelhante àquela já empregada nos tributos da Grécia Antiga.

Como analisado por Laís Gramacho Colares em seu artigo supratranscrito, ainda que hoje o entendimento doutrinário e jurisprudencial já esteja mais desvinculado da ideia fechada de Progressividade-regra - quando se entendia apenas aplicável àqueles casos com estrita previsão legal -, compreendendo que a Progressividade enquanto princípio seja aplicável em determinados casos, tinha (a Progressividade-regra), à época, forte dominância nas correntes jurisprudenciais superiores.

A exemplo, decisão do Plenário da Suprema Corte em 1997, de relatoria do Ministro Carlos Velloso, naturalmente anterior à Emenda Constitucional nº 29, demonstra a orientação do Excelso em considerar inconstitucional qualquer forma de

63 Constituição Federal – Publicação original – art. 156, §1º

IPTU progressivo, que não a do artigo 182, §4º, II, da Constituição, ao ponto em que a progressividade fiscal seria incompatível com impostos de caráter real.64

EMENTA: - IPTU. Progressividade. - No sistema tributário nacional é o IPTU inequivocamente um imposto real. - Sob o império da atual Constituição, não é admitida a progressividade fiscal do IPTU, quer com base exclusivamente no seu artigo 145, § 1º, porque esse imposto tem caráter real que é incompatível com a progressividade decorrente da capacidade econômica do contribuinte, quer com arrimo na conjugação desse dispositivo constitucional (genérico) com o artigo 156, § 1º (específico). - A interpretação sistemática da Constituição conduz inequivocamente à conclusão de que o IPTU com finalidade extrafiscal a que alude o inciso II do § 4º do artigo 182 é a explicitação especificada, inclusive com limitação temporal, do IPTU com finalidade extrafiscal aludido no artigo 156, I, § 1º. - Portanto, é inconstitucional qualquer progressividade, em se tratando de IPTU, que não atenda exclusivamente ao disposto no artigo 156, § 1º, aplicado com as limitações expressamente constantes dos §§ 2º e 4º do artigo 182, ambos da Constituição Federal. Recurso extraordinário conhecido e provido, declarando-se inconstitucional o sub-item 2.2.3 do setor II da Tabela III da Lei 5.641, de 22.12.89, no município de Belo Horizonte.65

Com a edição da Súmula 668 do Supremo Tribunal Federal, publicada em 13/10/2003, ratificou-se o entendimento ao passo em que assim veio enunciada:

“É inconstitucional a lei municipal que tenha estabelecido, antes da Emenda Constitucional 29/2000, alíquotas progressivas para o IPTU, salvo se destinada a assegurar o cumprimento da função social da propriedade urbana.”

Bem se vê, o Pretório seguiu firme em considerar inconstitucional toda lei municipal que tenha estabelecido a cobrança de IPTU progressivo na modalidade fiscal antes da entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 29, que, ao alterar o parágrafo 1º e inserir o inciso I no artigo 156 da Constituição Federal, admitiu a progressividade do imposto em razão da capacidade contributiva (em razão do valor do imóvel)66:

“Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

(...)

64 Impostos de natureza real ou apenas impostos reais – classificados em oposição aos impostos pessoais -, são aqueles que levam em conta apenas a matéria tributável, sem analisar as condições individuais do contribuinte.

65 RE 153771, Relator(a): CARLOS VELLOSO, Relator(a) p/ Acórdão: MOREIRA ALVES, Tribunal Pleno, julgado em 20/11/1996, DJ 05-09-1997 PP-41892 EMENT VOL-01881-03 PP-00496 RTJ VOL-00162-02 PP-00726

66 Para além, inseriu também o inciso II do mesmo art. 156, §1º da CF, mas que, no entender da doutrina, faz as vezes de progressividade extrafiscal, autorizada a graduação em função de uso e localização do imóvel, com vistas à manutenção da devida função social de cada propriedade.

§ 1º Sem prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o art. 182, § 4º, inciso II, o imposto previsto no inciso I poderá:

I - ser progressivo em razão do valor do imóvel”

Conforme analisado, após a edição da EC nº 29, o STF, considerando constitucional a partir desse momento a imposição de IPTU progressivo em razão do valor do imóvel - o que, inclusive, ocorre em linha com a ideia da progressividade-regra, apenas admissível quando expressamente disposto na Constituição Federal -, assim passou a decidir, eliminando quaisquer dúvidas acerca da questão outrora suscitada.67

Cita-se, pois mais se analisará das jurisprudências dos Tribunais pátrios em tópico oportuno, nesse sentido a decisão Plenária que firmou Tese de Repercussão Geral ratificando a Súmula nº 668-STF, qual seja, o acórdão em Repercussão Geral na Questão de Ordem no Agravo de Instrumento 712.743/SP convertido em Recurso Extraordinário, de relatoria da Ministra Ellen Gracie, assim ementado:

QUESTÃO DE ORDEM. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONVERSÃO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO (CPC, ART. 544, PARÁGRAFOS 3º E 4º).

IPTU. INCIDÊNCIA DE ALÍQUOTAS PROGRESSIVAS ATÉ A EC 29/2000.

RELEVÂNCIA ECONÔMICA, SOCIAL E JURÍDICA DA CONTROVÉRSIA.

RECONHECIMENTO DA EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL DA QUESTÃO DEDUZIDA NO APELO EXTREMO INTERPOSTO.

PRECEDENTES DESTA CORTE A RESPEITO DA

INCONSTITUCIONALIDADE DA COBRANÇA PROGRESSIVA DO IPTU ANTES DA CITADA EMENDA. SÚMULA 668 DESTE TRIBUNAL.

RATIFICAÇÃO DO ENTENDIMENTO. POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DOS PROCEDIMENTOS DA REPERCUSSÃO GERAL (CPC, ART. 543-B).

1. Mostram-se atendidos todos os pressupostos de admissibilidade, inclusive quanto à formal e expressa defesa pela repercussão geral da matéria submetida a esta Corte Suprema. Da mesma forma, o instrumento formado traz consigo todos os subsídios necessários ao perfeito exame do mérito da controvérsia. Conveniência da conversão dos autos em recurso extraordinário. 2. A cobrança progressiva de IPTU antes da EC 29/2000 assunto de indiscutível relevância econômica, social e jurídica – já teve a sua inconstitucionalidade reconhecida por esta Corte, tendo sido, inclusive, editada a Súmula 668 deste Tribunal. 3. Ratificado o entendimento firmado por este Supremo Tribunal Federal, aplicam-se aos recursos extraordinários os mecanismos previstos no parágrafo 1º do art. 543-B, do CPC. 4. Questão de ordem resolvida, com a conversão do agravo de instrumento em recurso extraordinário, o reconhecimento da existência da repercussão geral da questão constitucional nele discutida, bem como ratificada a jurisprudência

67 Aqui entendida a questão da existência de norma municipal prevendo o IPTU progressivo fiscal, antes dos idos de 2004, quando entrou em vigor a Emenda Constitucional nº 29.

desta Corte a respeito da matéria, a fim de possibilitar a aplicação do art. 543-B, do CPC.68

Há, por fim, que se fazer referência à parcela da doutrina que entende inconstitucional a EC nº 29, sob argumentos diversos.

EVANDRO PAES BARBOSA a vergasta por considerar que afronta o inciso IV do parágrafo 4º do artigo 60 da Constituição Federal – cláusula pétrea -, “por ferir o direito individual de propriedade do contribuinte e o sobreprincípio da segurança jurídica.”69

EDUARDO SABBAG apresenta linha defendida por aqueles que atacavam a Emenda Constitucional nº 29/2000, que “pautava-se na crítica de que a medida teria trazido uma exótica progressividade fiscal ao IPTU...”.70

Data venia, as opiniões não parecem merecer prosperar. Ocorre que, quer seja por suposta violação do direito de propriedade, quer seja por inadequação da progressividade fiscal aos impostos de caráter real, a orientação do Supremo Tribunal Federal nunca se voltou para admitir a inconstitucionalidade da Emenda quanto ao IPTU progressivo, reiteradamente decidindo pela constitucionalidade de Lei que o institui quando posterior à vigência da EC nº 29. Na doutrina, ROQUE ANTÔNIO CARRAZZA também defende a constitucionalidade da referida emenda, por entender que veio com caráter meramente declaratório, apenas para explicitar o que o texto original do artigo 156, §1º, CF, já dizia, veja-se:

“Em razão disso, não se pode falar – como fazem alguns – que a Emenda Constitucional 29/2000 veio desconstruir a coisa julgada. Ela apenas – sem embargo da decisão em contrário do STF – veio explicitar o que estava implícito na redação original do art. 156, §1º, da Lei das Leis.”71