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O IPTU PROGRESSIVO NO TEMPO NAS CORTES SUPERIORES

Nosso STF já discutiu à exaustão o tema da constitucionalidade do IPTU Progressivo no Tempo aplicado previamente à Emenda Constitucional 29/2000, que inseriu na Constituição Federal a nova redação do parágrafo primeiro do artigo 156, esta que trouxe as outras formas de progressividade do IPTU, já referidas em tópico 5.1.

A Corte Constitucional pátria, inclusive, já sumulou entendimento sobre o tema, declarando inconstitucional toda lei municipal que tenha, antes da Emenda Constitucional 29/2000, aplicado alíquotas progressivas ao Imposto Predial Territorial Urbano, veja-se novamente a Súmula 668:

“É inconstitucional a lei municipal que tenha estabelecido, antes da Emenda Constitucional 29/2000, alíquotas progressivas para o IPTU, salvo se

destinada a assegurar o cumprimento da função social da propriedade urbana.”150

É nesse sentido que vêm sendo exaradas as decisões do Egrégio.

A exemplo, tem-se decisão monocrática do Ministro Carlos Ayres Britto em Recurso Extraordinário, publicada in DJe na data de 27/11/2008, que, inclusive, traz em seu bojo a decisão de inferior Instância – Tribunal de Justiça do Estado do Paraná – dos autos, que contrariou a supra referida Súmula, entendendo que “A progressividade do IPTU já era prevista pelo art. 156 da CF (nos termos da lei municipal), antes mesmo da edição da Emenda Constitucional nº 29”.

“Trata-se de recurso extraordinário, interposto com fundamento na alínea “a”

do inciso III do art. 102 da Constituição Federal, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Acórdão cuja ementa ficou assim redigida, na parte que interessa (fls. 1.060/1.061):

“(...)

1. APELAÇÃO DA EMPRESA AUTORA

1.1. DIREITO CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. IPTU CALCULADO COM BASE EM ALÍQUOTA PROGRESSIVA. POSSIBILIDADE, TENDO EM VISTA O DISPOSTO NO ARTIGO 156, § 1º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

SENTENÇA QUE JULGOU IMPROCEDENTE O PEDIDO DE DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DESSA COBRANÇA.

DECISÃO QUE DEVE SER MANTIDA.

- UTILIZAÇÃO RETROATIVA DA EMENDA CONSTITUCIONAL 29/2.000.

ARTIGO 156 DA CF QUE JÁ PREVIA A PROGRESSIVIDADE ANTES DESSA EMENDA.

- APELAÇÃO IMPROVIDA NESTE ASPECTO.

1.1.1. É sonho acalentado pelos povos que, em matéria fiscal, sejam os desiguais tratados com desigualdade, justamente para igualá-los na medida de suas desigualdades. Por isso, a progressividade do IPTU prevista no art.

156 da CF é genérica, guarda relação com o princípio da capacidade contributiva, sendo permitida constitucionalmente, não se confundindo com a regra estabelecida no art. 182, § 4º da CF, que é vinculada à situação específica ali indicada e cuja progressividade constitui sanção pelo não atendimento de regular e específica exigência do Poder Público Municipal.

1.1.2. A progressividade do IPTU já era prevista pelo art. 156 da CF (nos termos da lei municipal), antes mesmo da edição da Emenda Constitucional nº 29.

1.2 DIREITO CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. TAXA DE COLETA DE LIXO. PRESSUPOSTOS DE DIVISIBILIDADE E ESPECIFIDADE CARACTERIZADOS. PERMISSÃO DE SUA COBRANÇA JUNTAMENTE COM O IPTU. SENTENÇA QUE NÃO MERECE REFORMA NESSE

2. Pois bem, a parte recorrente sustenta, em essência, ofensa aos §§ 1º e 2º e ao inciso II do art. 145, ao inciso II do art. 150, ao § 1º e ao inciso I do art.

156, e aos §§ 2º e 4º do art. 182, todos da Magna Carta.

3. A seu turno, a Procuradoria-Geral da República, em parecer da lavra do Subprocurador-Geral Paulo de Tarso Braz Lucas, opinou pelo conhecimento e parcial provimento do recurso.

4. Tenho que recurso merece parcial acolhida. É que o Supremo Tribunal Federal já firmou o entendimento de que a progressividade do IPTU só é admissível para a finalidade “extra-fiscal”, ou seja, quando o objetivo é assegurar a função social da propriedade. Reproduzo, a propósito, o teor da Súmula 668 desta colenda Corte:

“É INCONSTITUCIONAL A LEI MUNICIPAL QUE TENHA ESTABELECIDO, ANTES DA EMENDA CONSTITUCIONAL 29/2000, ALÍQUOTAS PROGRESSIVAS PARA O IPTU, SALVO SE DESTINADA A ASSEGURAR O CUMPRIMENTO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE URBANA.”

5. Nesse mesmo sentido, menciono os seguintes precedentes, ambos alusivos ao IPTU do Município de Curitiba: REs 416.205-AgR, sob a relatoria do ministro Gilmar Mendes; e 428.675-AgR, sob a relatoria do ministro Cezar Peluso.

(...)

Isso posto, e frente ao § 1º-A do art. 557 do CPC, dou parcial provimento ao recurso. O que faço tão-somente para reconhecer a inconstitucionalidade da alíquota progressiva do IPTU, instituída anteriormente ao advento da EC nº 29/2000.”151

Neste julgado, não apenas o Ministro reafirma a aplicação da Súmula 668 – entendendo que a única progressividade do IPTU admissível, antes da alteração provocada pela Emenda Constitucional 29/2000, seria aquela utilizada para assegurar a função social da propriedade -, como traz, em pacífico tom aos Acórdãos Estaduais apresentados acima, o entendimento de que essa progressividade do IPTU no tempo possui caráter extrafiscal.

À princípio, é interessante ver decisão anterior à edição da precitada emenda, para que se compreenda qual era o entendimento do Pretório à época, assim, decisão do Ministro Maurício Correia que não conheceu do Recurso Extraordinário 248892, publicada em 31/03/2000 (anterior à Emenda Constitucional 29, publicada apenas em 13/09/2000), verbis:

“EMENTA: TRIBUTÁRIO. IPTU PROGRESSIVO. MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO. ARTIGO 67 DA LEI Nº 691/84. PRECEDENTES. 1. É pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de que a progressividade do IPTU, que é imposto de natureza real em que não se pode levar em consideração a capacidade econômica do contribuinte, só é admissível, em face da Constituição Federal, para o fim extrafiscal de assegurar o cumprimento da função social da propriedade. 2. O artigo 67 da Lei nº 691/84, do Município do Rio de Janeiro, que instituiu a progressividade do IPTU levando em conta

151 RE 499426/PR, Rel. Ministro CARLOS BRITTO, decisão monocrática, julgado em 17/11/2008, p. in DJe 27/11/2008

a área e a localização dos imóveis - fatos que revelam a capacidade contribuitiva -, não foi recepcionado pela Carta Federal de 1988. 3. Recurso extraordinário não conhecido.”152

Veja-se, como já se analisou, anteriormente a jurisprudência de nosso Supremo Tribunal Federal era uníssona em entender que, por ser imposto real, a progressividade fiscal seria inaplicável ao IPTU – apenas se autorizando a imposição do IPTU progressivo no tempo, por expressa disposição constitucional.

VALÉRIA FURLAN, discorda quanto ao caráter real dos impostos, entendendo que todos eles possuem natureza pessoa, enquanto revelam vínculo jurídico entre pessoas, afinal, como bem aponta, coisas não podem figurar como sujeitos passivos das obrigações tributárias.153

Poucas decisões se têm, na jurisprudência de nosso Superior Tribunal de Justiça, sobre o tema do Imposto Predial Territorial Urbano progressivo no tempo. Isso porque as matérias de discussão costumeiramente acabam na competência do Supremo Tribunal Federal, seja por se tratar de discussão de Direito local infringente de normas constitucionais, seja por se tratar de violação direta de normas constitucionais.

Assim, quando a controvérsia atinge o nosso Superior Tribunal de Justiça, acaba por chegar de maneira extremamente residual, sem que seja realizada verdadeira análise por um ou mais dos doutos julgadores do Egrégio sobre o tema, de forma que, analisada a jurisprudência do Supremo, resta despicienda tal verificação.

152 RE 248892, Relator(a): MAURÍCIO CORRÊA, Segunda Turma, julgado em 09/11/1999, DJ 31-03-2000 PP-00072 EMENT VOL-01985-06 PP-01265

153 FURLAN, Valéria. Imposto Predial Territorial Urbano. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 176

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Seria pretensiosismo do autor denominar este tópico “Conclusão”, quando inúmeras teses de Doutorado e estudos de renomados juristas não foram capazes de realizá-lo. Ainda que, de início, a intenção desta Monografia tenha sido a de apontar a correta interpretação da norma prescrita no artigo 182, §4º, II, da Constituição Federal, isso, após analisados seus componentes, não se pôde fazer. Ocorre que a doutrina acerca do tema, não apenas é extremamente controversa, mas em seus pontos controversos acaba por negligenciar as opiniões e teses contrárias, assim, não se foi possível encontrar trabalhos que tenham perquirido minuciosamente cada hipótese suscitável – sempre optando por um ou outro ponto, e defendendo-o sem outros considerar. Não estamos, com isso, afirmando que os doutrinadores tenham propositadamente deixado de lado uma ou outra opinião para favorecer sua tese, mas que é possível terem agido sob um viés de confirmação – ao qual todos estamos sujeitos -, isto é, inconscientemente, o estudioso acaba por se fixar às ideias que confirmam seus conceitos previamente formados, em detrimento daquelas que a eles se opõem, de forma que a tese formada é aparentemente sólida, mas, em verdade, deixou de considerar boa doutrina à ela contrária.

De tal sorte, qualquer certeza que se buscasse oferecer nesta Monografia seria muito facilmente falível, longe do rigor científico de um trabalho monográfico.

Isso posto, se pôde, sim, verificar, dentre todas as hipóteses, quais parecem mais apropriadas ou não.

Partindo da distinção entre Conceito Constitucional e Definição Legal de tributo nota-se que a definição posta no artigo 3º do Código Tributário Nacional, não é mais que preceito didático, não se prestando a definir o que é ou o que não é tributo, visto que se tratando do regime tributário somente cabe sua criação à própria Lei Maior, restando à doutrina, através das normas constitucionais, a árdua tarefa de delimitá-la.

Dessa maneira, caso a definição legal não se adeque ao conceito constitucional, aquela deverá estar prejudicada.

No estudo da progressividade, diferenciou-se a progressividade fiscal da extrafiscal, em especial no art. 182, §4º, II, da Constituição Federal, a qual apenas se pôde concluir ser extrafiscal por seu eminente intuito não arrecadatório, e sim de asseguração da função social da propriedade. Analisou-se ainda as alterações

trazidas ao artigo 156, CF, ao instituto da progressividade do IPTU, ao explicitar a autorização para que se aplique a progressividade em outros moldes que não o do inciso II - progressividade temporal -, o que em sua redação original já vinha implícito, mas era rechaçado por parte da doutrina e pelo Supremo Tribunal Federal, em exercício da ideia de restrição da progressividade em estrita legalidade – tomada como regra e não princípio -, apenas admitida nos casos expressamente previstos pela Constituição Federal.

Partindo à extrafiscalidade e a sanção, da primeira se foi possível identificar a pertinência da primeira ao tema, inclusive utilizado por SCHOUERI como exemplo para tratar da norma tributária indutora (nota de rodapé 129), para quem a progressividade da norma (característica dessa norma extrafiscal) é parte de sua regra-matriz de incidência.

Da sanção extraiu-se seus conceitos doutrinários, estabelecendo distinção entre sanção positiva e sanção negativa, esta última entendida por KELSEN como

“pena” ou “execução forçada”, divisão que, apesar de interessante para a teoria – parece-nos possível aproximar a sanção enquanto pena da intenção do legislador ao redigir o art. 3º do CTN, enquanto execução forçada mais se aproximaria da extrafiscalidade -, pouco uso tem para o estudo em tela, visto que, independentemente da intenção do legislador, importa o que efetivamente se transcreveu no papel, e isso é vedação à “sanção de ato ilícito”, sem perder-se em distinções.

Identificou-se, porém, relação próxima entre a sanção, mesmo enquanto pena, e a extrafiscalidade - do artigo 182, §4º, II, da Constituição Federal -, na medida em que ambas são utilizadas como meios retratores do descaminho da função social da propriedade urbana, que entendemos ato ilícito.

Em específica análise do IPTU progressivo no tempo, de plano se foi possível confirmar, com maciço apoio da doutrina, seu pertencimento à Ordem Tributária – e assim submissa a seus princípios, regras e postulados –, não apenas pela impropriedade terminológica que surgiria nas expressões “IPTU” e “progressividade”, mas porque a Constituição Federal trata e disciplina acerca de seu artigo 182, §4º, II, no Capítulo do Sistema Tributário Nacional e, sendo dever do intérprete “ler a Lei”

como um sistema, em seu todo, não seria aceitável dissociá-los.

Identificada sua natureza de norma tributária, também se pôde afirmar da natureza de norma tributária extrafiscal, voltada à indução do comportamento

compatível com a função social do imóvel, operacionalizada pela progressividade temporal.

De sequência, após análise da obrigatoriedade de lei federal e lei municipal sobre o tema, chegou-se ao cerne da questão controvertida, o caráter sancionatório da norma do IPTU temporalmente progressivo.

Em primeira instância o trato foi relativo à licitude da violação da função social da propriedade. Parte da doutrina entende que o ato, ainda que indesejado e desencorajado pela Constituição Federal na norma tributária indutora (art. 182, §4º, II, CF) não constituiria ato ilícito. Como demonstramos - e como por progressão lógica de ideias se pode admitir orientam os doutrinadores que vislumbram sanção em alguma parte da norma -, no plano constitucional a função social da propriedade está prevista no art. 5º, XXIII, CF, como direito fundamental e princípio da Ordem Jurídica Brasileira - cláusula pétrea, inviolável -, para a qual a própria Lei das Leis se encarregou de dispor instrumento hábil a preservar seu atendimento, o que obviamente torna sua violação caso de ilícito constitucional; já no plano infraconstitucional, tem-se por ilícito o ato que se enquadre nos artigos 186 e 187 do CC, de forma que, previsto o princípio da função social da propriedade no artigo 1.228 do Código Civil, seja por violação do Direito ou por exceder manifestamente os limites impostos pelo fim econômico ou social de algum direito, configura, também, ilícito civil.

De tal sorte, sendo o entender da mais abalizada doutrina pela ilicitude da violação da função social da propriedade, passou-se a analisar o caráter sancionatório do IPTU temporalmente progressivos sob duas amplas hipóteses: 1) ser, a progressividade temporal, e por conseguinte a sanção, integrante da regra-matriz de incidência do tributo; ou 2) ser possível cindir a norma em questão, admitindo-se a incidência lícita do IPTU, e um posterior agravamento sancionatório da alíquota em razão do mau uso da propriedade, mas que com a norma de incidência do imposto não se confundiria.

Da hipótese 1) se extraiu duas hipóteses subsidiárias: (i) tenha a Constituição Federar pretendido dispor verdadeira exceção ao conceito constitucional de tributo, e assim ao art. 3º do CTN, sem, porém, revogá-lo, criando tributo sui generis; ou, (ii) tenha sido a intenção constitucional de efetivamente abrir o conceito para admitir a utilização do tributo como sanção de ato ilícito, assim revogando parcialmente o artigo 3º do CTN.

Esta hipótese (ii) seria a única maneira lógica vislumbrada passível de fundamentar a defesa de uma revogação parcial do artigo 3º do Código Tributário Nacional, em função da alteração do conceito constitucional de tributo. Afora não termos encontrado, na doutrina especializada que se pôde encontrar, defensor de tal tese, também a consideramos incompatível, por, em favor de uma análise extremamente restrita do texto constitucional, deixar-se de considerar a intenção emanada da Lei; in casu, a vontade constitucional de limitar a seara tributária à tributação dos fatos lícitos – emanando conceito de tributo como o percebido pela doutrina -, mas com expressa disposição em caso excepcional, quando entendeu necessária a utilização de norma tributária indutora com caráter sancionatório – o IPTU progressivo no tempo.

Esse é o sentido da hipótese (i), em favor da qual se encontra boa doutrina advogando pelo pertencimento da progressividade temporal à regra-matriz, integrando a hipótese de incidência tributária, conforme se pode extrair dos estudos de SCHOUERI e de FAVACHO, de sorte que a Constituição Federal criou tributo “one-of-a-kind”, único de sua espécie, que tangencia, mas não altera, o Conceito Constitucional de Tributo.

Percebe-se, mesmo não sendo possível concluir por um ou outro, uma melhor adequação da hipótese subsidiária (i) à Ordem Constitucional Brasileira.

Em outra senda, a hipótese 2) vem muito mais aceita pela doutrina especializada do que a anterior (em qualquer de suas subespécies), fato que identificamos estar provavelmente relacionado à inconsciente necessidade de se defender a redação atual do artigo 3º do Código Tributário Nacional.

Nessa segunda hipótese, que considera existir uma divisão no caráter da norma do IPTU progressivo no tempo, assim havendo uma incidência tributária sobre o fato lícito de “ser proprietário” de imóvel urbano, e outra incidência sancionatória, exclusivamente sobre o mau uso da propriedade, verificou-se, essencialmente, três incoerências.

À primeira, os autores que ela defendem não parecem muito se esmerar em explicar, não sendo a parte sancionatória integrante do tributo, por qual razão a ela se aplicariam os limites da Capacidade Contributiva, mais especificamente o princípio da vedação da utilização do tributo com efeito de confisco, isto é, se a sanção não tem caráter tributário, não haveria de se proibir ou restringir a elevação de alíquotas a patamares que outrora configurariam confisco.

À segunda, a inadequação da própria teoria, que pretende cindir o indivisível, buscando separar o IPTU e sua progressividade temporal, quando, in casu, se trata indubitavelmente de norma una. Nesse sentido inclusive se questiona qual a diferença do agravamento de alíquotas que cita FURLAN para o agravamento como característica da norma tributária indutora de SCHOUERI.

À terceira, que em verdade parece causa das duas anteriores, é o erro de premissa em se analisar o IPTU progressivo no tempo à luz do artigo 3º do Código Tributário Nacional. O que deveria ser realizado exclusivamente a partir das normas constitucionais acaba por ser feito com o intuito, ainda que inconsciente, de compatibilizá-las com a norma infralegal, maculando toda conclusão que dele possa advir, impedida análise “pura” e objetiva.

Há, ainda, como sustentamos, incoerência que reforça a ideia do erro de premissa: entre aqueles que versam pela caracterização do artigo 182, §4º, II, da CF, como norma tributária indutora, cuja hipótese de incidência inclui a progressividade temporal, mas para quem a violação da função social da propriedade não constitui ato ilícito, logo não havendo incompatibilidade com o art. 3º do CTN; e aqueles que entendem não se tratar de norma tributária indutora, por não se incluir a progressividade temporal na hipótese de incidência - sendo a sanção mero agravo posterior à incidência da norma -, mas para quem a violação da função social da propriedade constitui ato ilícito (daí se considerar sanção), logo não havendo incompatibilidade com o art. 3º do CTN.

Percebe-se, pois, que se busca chegar à mesma conclusão – pela compatibilidade do IPTU progressivo no tempo com o artigo 3º do Código Tributário Nacional - através de entendimentos fundamentalmente opostos – a existência de ato ilícito e a integração da progressividade temporal à hipótese de incidência tributária – e que adequadamente conjugados levariam à inevitável conclusão de que o artigo 182, §4º, II, da Constituição Federal, revela norma tributária indutora que encerra caráter sancionatório.

Essas as hipóteses suscitadas – 1) e 2) e suas hipóteses acessórias -, apenas nos sentimos confortáveis em apontar, perfeita a crítica, uma aparente melhor adequação daquela que defende a existência de norma tributária indutora sancionatória, excepcionando o Conceito Constitucional de Tributo, que se mantêm válido e eficaz, de sorte que resta recepcionada a regra do artigo 3º do Código Tributário Nacional.

Apenas por rigor técnico talvez, caso se concluísse ser essa a hipótese efetivamente adequada, seria interessante que fosse adicionada ao artigo 3º, em parágrafo único, redação que a explicitasse, algo próximo a: “Não se aplica a vedação de sanção de ato ilícito ao tributo previsto no artigo 182, §4º, II, da Constituição Federal”, mas que, reforçamos, é adição despicienda por se tratar de instituto constitucional.

Lembramos, esse apontamento é fruto de uma análise da legislação e da doutrina disponíveis ao autor, o que não obsta que análise mais criteriosa que a nossa, ou com teorizações outras, venha a concluir, com melhores fundamentos, em sentido diverso.

REFERÊNCIAS

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BORGES, José Souto Maior. Introdução ao direito financeiro. São Paulo: Max Limonad, 1998.

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http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 07 set.

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