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99 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 32ª ed. São Paulo:

Malheiros, 2019. p. 91

100 COELHO, 2009 apud CARRAZZA, loc. cit.

101 SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017. pp. 245-246

102 A saber, o direito de propriedade não é absolutamente inviolável frente ao poder estatal, deve-se haver ponderação entre o “dever de conservar” a propriedade privada do Estado, para o qual é necessária a tributação, e a violação desarrazoada da mesma, que ultrapassa a justa tributação, gerando efeito de confisco.

A palavra “sanção” deriva do latim (sancire) e significa algo como “tornar inviolável através de ato formal”, ou seja, no Direito, é o meio escolhido pela norma jurídica para se fazer cumprir seus mandamentos.

Assim, “sanção” pode ter significado positivo, quando se refere à aprovação de uma lei pelo Presidente ou a um benefício dado àquele que de certa forma agir, por exemplo. Pode também ter significado negativo, quando se refere à punição pela violação de um preceito ou ao cumprimento forçado de um dever, e é com essa segunda conotação (a negativa) que trabalha o legislador, quando institui, no Código Tributário Nacional, que “Tributo é toda prestação pecuniária... que não constitua sanção de ato ilícito...”103 (grifo nosso)

A propósito, a sempre primorosa manifestação de HANS KELSEN é pedra de toque para o entendimento dessa conotação negativa do vocábulo, senão, vejamos:

“As sanções no sentido específico dessa palavra aparecem – no domínio das ordens jurídicas estaduais – sob duas formas diferentes: como pena (no sentido estrito da palavra) e como execução (execução forçada). Ambas as espécies de sanções consistem na realização compulsória de um mal ou para exprimir o mesmo sob a forma negativa – na privação compulsória de um bem...”104

E, no mesmo parágrafo, continua:

“Também a execução é a produção compulsória de um mal. Distingue-se, porém, da pena pelo fato de – como costuma dizer-se – ser levada a efeito para compensar (indenizar) o ilícito que consiste na conduta contra a qual esta sanção é dirigida como reação. A chamada indenização do ilícito consiste em por termo à situação criada em virtude da conduta contrária ao Direito (situação que, nestes termos, é também contrária ao Direito) e em produzir ou reestabelecer uma situação conforme ao Direito.”105

Com a devida vênia aos entendimentos contrários, e com a guarida da doutrina kelseniana, entendemos que não há, em se tratando da proibição de caráter sancionatório do tributo - e em especial do artigo 182, §4º, II, da Constituição -, razão para que essa distinção supra elencada gere empecilhos. Primeiramente pois a pena e a execução forçada - no âmbito administrativo - em muito se assemelham, seja pelo

103 Artigo 3º do Código Tributário Nacional

104 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. 8ª ed. São Paulo:

WMF Martins Fontes, 2015. pp. 121-122

105 Ibid., p. 122

caráter preventivo que exercem (inibindo a produção da conduta ilícita), seja pelo seu caráter retributivo (a ideia de se retribuir o mal com o mal). E, em segundo lugar, pois a própria dicção do artigo 3º da Lei nº 5.172/66 não faz essa distinção, apenas tratando do termo genérico “sanção de ato ilícito” – entendido tanto como pena, quanto como execução.

Teorização parecida se tem nos estudos de NORBERTO BOBBIO que, de início, apresenta conceito de sanção como “sempre uma consequência desagradável da violação, cujo fim é prevenir a violação ou, no caso em que a violação seja verificada, eliminar as consequências nocivas”106 e a diferencia entre sanção moral, social e jurídica.

Sanção moral seria aquela interior, que se aplica de si e para si, aquela que resulta dos sentimentos de culpa, angústia, arrependimento, et cetera, em decorrência do descumprimento da norma moral. Afirma ser este tipo o de menor eficácia, justamente por se tratar de sanção interna, que apenas se aplica nos casos em que a moral individual se contrapõe à conduta, em outras palavras, a sanção não está na conduta propriamente dita, mas na valoração que o autor delas faz. Por tal, BOBBIO entende necessária sua fusão com a sanção religiosa, externa, a fim de que se aumente a confiabilidade da norma.107

Em sua vez, sanção social, agora de natureza externa, mais eficaz que a sanção moral, que se traduz como “reprovação, eliminação do grupo, expulsão, linchamento”108 e outros. Apresenta-se defeito nesta conceituação, pois possui regras de pouca precisão, não institucionalizadas, se tornando difícil prever qual será a reação a determinada conduta, ou até mesmo podendo haver reações diferentes à mesma violação109 (é o que, na Ordem Jurídica atual, o princípio da estrita legalidade previne).

Por fim, se tem a sanção jurídica, também de natureza externa, mas institucionalizada e altamente eficaz, isso pois a norma jurídica a estabelece como o meio competente para garantir sua execução. Assim, furta-se à baixa eficácia das sanções morais e à imprecisão das sanções sociais.

106 BOBBIO, 2002, p. 155 apud SALGADO, 2008, p. 77

107 BOBBIO, 2002, p. 157 apud SALGADO, 2008, p. 77

108 SALGADO, G. M. Sanção na teoria do direito de Norberto Bobbio. Tese (Doutorado em Filosofia do Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2008. p. 81

109 Ibidem.

Ambos os teóricos, Bobbio e Kelsen, distinguem a sanção que premia da sanção que apena. Sem muito agregar para o tema desta Monografia, apenas apresentamos o conceito de sanção positiva, que BOBBIO deduz de sua contraparte:

“A noção de sanção positiva deduz-se a contrário sensu, daquela mais bem elaborada de sanção negativa. Enquanto o castigo é uma reação a uma ação má, o prêmio é uma reação a uma ação boa. No primeiro caso, a reação má consiste em restituir o mal ao mal; no segundo, o bem ao bem.”110

FERNANDO GOMES FAVACHO, inclusive, objeta o uso do termo “sanção positiva”, por entender que sanção é apenas aquela que se refere ao ato ilícito. Nessa senda, também denota a redundância da expressão “que não constitua sanção de ato ilícito” escolhida pelo Código Tributário Nacional em seu artigo 3º:

“Para Norberto Bobbio, de um fato pode ocorrer uma sanção punitiva (pena) ou incentivadora (prêmio). Descartamos, de pronto, a ‘sanção-prêmio’, consequência de um fato lícito, que poderia ser chamada somente de

‘prêmio’. A sanção, assim, só o é de ato ilícito, o que para nós demonstra a redundância da expressão ‘sanção de ato ilícito’.

Tomado ‘ato ilícito’ como inobservância de uma norma primária, quaisquer das acepções do termo ‘sanção de ato ilícito’ é redundante. Não há, portanto,

‘sanção de ato ilícito’.”111

Sanção negativa, é, portanto, aquilo de que se trata na análise do IPTU progressivo no tempo, e que, em Bobbio, segundo SALGADO, se relaciona com a

“terceira operação”, de tornar desvantajosa determinada conduta – o que ocorre através da cominação da sanção monetária prevista no art. 182, §4º, II, da Constituição Federal – veja-se, verbis:

“A sanção negativa desencadeia três tipos de operações, que buscam tornar a ação: impossível, difícil e/ou desvantajosa. O primeiro tipo de operação é uma medida direta, pois atinge diretamente o comportamento, impedindo que haja violação às normas, através da vigilância e do uso da força. O segundo e terceiro tipo de operação fazem parte das medidas indiretas de se impedir a violação do ordenamento jurídico, que é expressão da técnica de desencorajamento, no que tange a sanção negativa.”112

110 BOBBIO, 2007, p.24 apud SALGADO, 2008, p. 120

111 FAVACHO, F. G. Definição do conceito de tributo. Dissertação (Mestrado em Direito Tributário) Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP. São Paulo, 2010, p. 121

112 SALGADO, G. M. Sanção na teoria do direito de Norberto Bobbio. Tese (Doutorado em Filosofia do Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2008. p. 96

TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JÚNIOR, também interpretando BOBBIO, que considera a sanção elemento definidor da norma jurídica, afirma:

“se uma norma prescreve o que deve ser e se o que deve ser não corresponde ao que é necessariamente, quando a dação real não corresponde à prevista, a norma é violada. Essa violação, que pode ser uma inobservância ou uma inexecução, exige uma resposta. Assim a sanção é definida como um expediente através do qual se busca, num sistema normativo, salvaguardar a lei da erosão das ações contrárias. Ou, mais brevemente, a sanção é a resposta à violação da norma, sendo que a sanção

‘jurídica’ é a resposta externa e institucionalizada.”

Temos, então, que BOBBIO segue no mesmo caminho de KELSEN, apesar de suas definições diferentes, de entender a sanção não apenas como uma pena stricto sensu, aplicada àquele que descumprir determinada orientação normativa, mas em sentido mais amplo, como norma voltada também ao desencorajamento da promoção ou continuidade de conduta contrária ao Direito.

De tal sorte, sob o valhacouto da doutrina, se pode entender presente sanção (lato sensu) no instituto do artigo 182, §4º, II, da Constituição Federal. Essa consideração é, a fins teóricos, de suma importância.

Do estudo da extrafiscalidade, percebemos fortes indícios de semelhança entre esta e a “sanção enquanto execução forçada”, ao passo em que a “sanção como pena” parece mais adequada à dicção do art. 3º, CTN, quase como uma “sanção stricto sensu”.113 Como já se asseverou, porém, não tendo o Código Tributário Nacional realizado essa definição, entende-se que pretendeu proibir a sanção negativa “lato sensu”.

5.3 A SANÇÃO NO DIREITO TRIBUTÁRIO – ARTIGO 3º DO CTN – “QUE NÃO