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O Caráter Sancionatório como Integrante do Imposto

6.3 CARÁTER SANCIONATÓRIO

6.3.1 O Caráter Sancionatório como Integrante do Imposto

É o entender da doutrina minoritária, para quem, não sendo possível olvidar da presença do elemento sancionador, este se confunde com o tributo. Aqui, apenas se poderia aceitar duas hipóteses: (i) a Constituição Federal, sabendo da definição legal do artigo 3º do Código Tributário Nacional, teve, conscientemente, por criar exceção à regra prescrita; ou (ii) a intenção constitucional, extraída da interpretação de suas normas, foi a de subverter o antigo conceito constitucional de tributo, admitindo a

128 PINTO, Keziah Alessandra Vianna Silva. IPTU: política urbana e aspectos constitucionais.

Campinas: Alínea, 2012. p. 188

129 Sendo ato ilícito, portanto, é invariável reconhecer a existência de norma tributária indutora que busca inibir conduta ilícita.

hipótese de tributo sancionatório, assim estando parcialmente revogada a norma do artigo 3º do CTN, no que tange à expressão “que não constitua sanção de ato ilícito”.

Assim, na primeira hipótese, se enquadra FAVACHO, que explica:

“Há uma hipótese ‘ser proprietário de um imóvel’ que possui duas consequências: a primeira, de cunho administrativo, ‘deve respeitar a política urbana do município’, e outra tributária, ‘deve pagar o IPTU’. Focamo-nos na primeira. Há uma norma primária sancionadora, cuja hipótese é o descumprimento da primária dispositiva: ‘se não respeitada a política urbana do Município’ e a consequência é ‘deve haver acréscimo na alíquota do IPTU’.

Como visto, a norma primária sancionadora teve como consequência uma nova norma tributária, agora de alíquota aumentada. Houve alteração na regra-matriz de incidência graças a uma sanção. Com isto, a ‘pena’

preconizada no art. 182, §4º, II, da Constituição Federal cria tributo que é sanção de ato ilícito, inaceitável conforme o art. 3º do CTN.”130

Para o Doutor, o IPTU, no caso de sua incidência progressiva temporal, enquanto norma primária tributária, identificável por sua regra-matriz de incidência diferenciada, faz as vezes de norma administrativa sancionatória, aplicada em punição ao descumprimento do preceito administrativo “deve respeitar a política urbana do município”, sem com ela, porém, se confundir, pois pertencente ao Direito Tributário.

Nessa toada, continua:

“Ter dúvidas neste momento é esquecer a hierarquia das normas jurídicas. A Constituição, de fato, cria uma exceção, qual seja, o tributo como sanção de ato ilícito. Assim, os tributos continuam não podendo ter como fato jurídico uma sanção, salvo ressalvas constitucionais, como é o caso do art. 182, §4º, II.

Acreditamos, portanto, que é possível o IPTU ‘substituir’ a multa administrativa, graças a superioridade hierárquica das normas constitucionais.”131

Para essa tese, seria possível, cremos, determinar o critério material do imposto não apenas como “ser proprietário, ter domínio útil ou a posse de imóvel”, mas este seria complementado pela expressão “não edificado, subutilizado ou não utilizado”, quando se teria a hipótese de incidência do IPTU progressivo no tempo como “ser proprietário, ter domínio útil ou a posse de imóvel não edificado, subutilizado ou não utilizado, situado em zona urbana municipal”.

130 FAVACHO, F. G. Definição do conceito de tributo. Dissertação (Mestrado em Direito Tributário) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP. São Paulo, 2010, p. 127

131 FAVACHO, F. G. Definição do conceito de tributo. Dissertação (Mestrado em Direito Tributário) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP. São Paulo, 2010, p. 127

SCHOUERI ensina dessa maneira, ainda que discorde da ilicitude da violação da função social da propriedade:

“Um exemplo pode esclarecer o que acima se disse: tome-se a cobrança do Imposto sobre a Propriedade Territorial Urbano, exigido de forma progressiva, em virtude de o imóvel não atender a sua função social (artigo 182 da Constituição Federal). Claramente, busca-se estimular a destinação do imóvel a sua função social. Assim se podem apresentar as regras de conduta:

- Ser proprietário de imóvel no perímetro urbano do Município no dia 1º de janeiro do ano civil - fazer o imóvel cumprir sua função social (primeira norma primária);

- Ser proprietário de imóvel no perímetro urbano do Município no dia 1° de janeiro do ano civil e não fazer o imóvel cumprir sua função social - Proprietário paga IPTU, em alíquotas progressivas, ao Município (segunda norma primária);

- Ser proprietário de imóvel no perímetro urbano do Município no dia 1° de janeiro do ano civil e não fazer o imóvel cumprir sua função social e Proprietário não pagar o IPTU progressivo ao Município - Coação estatal (norma secundária).

O exemplo proposto revela característica peculiar do norma tributária indutora: seus componentes são, na verdade, o desdobramento do própria hipótese da norma primária, quando se desvenda, nela, uma indução.

Formalizando:

- D[(a.b.c) d] (primeira norma primária);

- D[(a.b.c.-d) T] (segunda norma primária);

-D{[(a.b.c.-d).-T] S} (norma secundária);

Onde:

a, b, c, d integram o fato gerador da obrigação T

d é a conduta desejada pelo legislador, objeto da indução S é a sanção pelo descumprimento da obrigação tributária.

Daí tratar-se de regra jurídica a norma tributária indutora.”132

A longa citação é cabal para compreender a norma tributária indutora do artigo 182, §4º, II, da Constituição Federal. Não se trata de norma secundária sancionatória, mas de norma primária, onde a progressividade temporal integra o “fato gerador” - a hipótese de incidência.

A segunda hipótese suscitada, da qual não encontramos defensor na doutrina, também anotaria uma regra-matriz de incidência própria do IPTU, mas entenderia a sua relação com o conceito constitucional de tributo de forma estrita, admitindo que, mesmo se tratando de um só elemento frente a todos os outros previstos no texto, seria obrigatório considerar alterado o conceito, para abarcar a sanção de ato ilícito como possível meio de tributação, assim restando revogada, na parte que cabe, a dicção do artigo 3º do Código Tributário Nacional.

132 SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. São Paulo:

Forense, 2005. pp. 31-32

Não apenas a doutrina reluta em entender de tal maneira, como parece também – frente à primeira hipótese apresentada - ser de menos abalizada compreensão.

Ainda que desafie a técnica aplicada por ATALIBA para, como bem fez, através da verificação da constância e universalidade do fenômeno observado, identificar o

“conceito constitucional de tributo”, também se deve considerar a intenção constitucional revelada pela interpretação de suas normas – com ênfase às do Sistema Tributário Nacional –, o que possivelmente levará à conclusão de que a norma tributária, com exceção à do IPTU progressivo no tempo, ainda tem vedado seu estabelecimento como sanção de ato ilícito.

Em suma, o mais crível, dentro da ideia de que o caráter sancionatório seja integrante da norma tributária indutora do art. 182, §4º, II, da Constituição Federal, seria tomá-la como exceção constitucional ao conceito (e por assim à definição legal) de tributo, não havendo que se falar em revogação do artigo 3º do CTN.

Há, porém, em contrariedade, a posição daqueles que sequer admitem o caráter sancionatório como integrante do tributo, para quem o IPTU continuaria incidindo apenas sobre o fato lícito “ser proprietário... de imóvel”, e a sanção seria norma acessória, não se confundindo com a norma tributária indutora.

6.3.2 O Caráter Sancionatório como Consequência do Descumprimento de Obrigação